Por Inácio Augusto de Almeida
Céu azul sem uma nesga de nuvem a anunciar uma linda noite de estrelas brilhantes.
Tinha acabado de voltar e já fechava os olhos na tentativa de ir mais cedo para além do horizonte.
Lembrou-se da primeira vez que chegara àquele local…
De longe avistou uma grande igreja encimada com duas torres. A estrada de chão batido cercada de mato nos dois lados e o aviso da luz de combustível alertando ser preciso abastecer. Só então percebeu que o carro era diferente do seu e não sabia para onde estava indo.
Bem em frente da enorme igreja pessoas conversavam e crianças brincavam.
No ar um cheiro de felicidade.
Surpreso e alegre ficou quando pessoas a quem nunca antes tinha visto apertavam sua mão. Esqueceu até ali estar para colocar gasolina no carro.
Caminhando chegou a um casarão e certo ficou de que ali já estivera quando reconheceu a grande e bonita rede branca.
Subiu e do andar superior avistou um grande vale, onde cordeiros branquinhos se misturavam com a relva verdinha formando um lindo quadro. Ao fundo um lago.
Seus pensamentos viajavam e mergulhou em devaneios mil.
Tudo lhe pareceu tão diferente do descrito por Dante Alighieri…
Uma mão pousou no seu ombro e reconheceu a inconfundível voz do Lopes.
Lembra-se de ter ficado frente a frente com o Lopes, mas não ter visto o rosto do amigo. Apenas sentia sua presença.
Por estar gostando tanto do lugar acabou esquecendo da gasolina.
E muitos outros amigos viu, mas não se lembra de nenhum rosto.
Apenas sentia a presença de todos e entendeu porque enxergamos mais com o coração.
Sabia ter Lopes há muito feito a travessia e por lá ficado. Mas isto só percebia quando estava cá.
Pensou porque todos não iam logo para lá e ouviu de um amigo que só depois de cumprido o ciclo vital. Tolice querer antecipar a passagem.
Entendeu existir um mundo sem ambições, mundo de virtudes. Mundo só alcançável através do aperfeiçoamento nesta preparação para a travessia definitiva.
Olhou para o céu azul e riu.
Sabia não ter apenas sonhado. Sabia, mas precisava ter certeza absoluta. Certeza não se tratar de um simples sonho.
Deitou e relaxou. Aos poucos a igreja com suas duas torres, a grande praça e o casarão. Tinha conseguido o domínio da passagem. Era como se estivesse de posse da chave do portal.
Entendeu ser agora possível ir e vir quantas vezes quisesse.
Procurou pelo Lopes, mas não o encontrou. Começou a perguntar pelo velho amigo e ninguém sequer ouviu suas perguntas. Começou a entender que ali eles é que falavam quando queriam.
Sentiu-se um telefone que só podia atender, mas nunca chamar.
Notou a presença de Lopes e alegrou-se por não mais se sentir só na multidão. E Lopes foi direto ao assunto.
Explicou-lhe que a passagem definitiva só acontece no momento certo e que os apressados erravam o caminho e ali não chegavam. E lhe aconselhou, agora que tinha a certeza da existência de local tão maravilhoso, a dedicar o tempo que ainda faltava para a passagem definitiva a se melhorar mais e mais, porque, lá como cá, existiam várias escalas.
Antes que conseguisse dizer alguma coisa, Lopes continuou e perguntou se tinha percebido a presença de Teresa de Calcutá ou de Dulce. De Lampião ou de algum corrupto.
Imediatamente voltou e, deitado na cama, riu.
Riu e chorou.
Riu de felicidade por ter visto o outro lado.
E chorou por ter desperdiçado tantas oportunidades de se melhorar.
Olhou, não para o céu azulado e sem nuvens, mas para o teto do quarto onde um marimbondo buscava encontrar a janela para se livrar das limitações.
Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista
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