Por Jânio Rêgo
As cabaças são guardadas como relÃquias no sótão da casa construÃda por Francisco Torquato do Rêgo, à s margens do rio Mossoró, para abrigar as filhas do seu primeiro matrimônio, no século retrasado.
Amarradas à cintura, serviam como bóias de segurança para a travessia a nado na correnteza das águas de invernos graúdos que desciam ligeiras sem os impedimentos de açudes ou barragens.
Cheguei a usá-las através dos cuidados do meu tio José Paulo do Rêgo, Zé Papagaio, um beiradeiro que morreu sonhando com a utopia das águas do São Francisco lavando, perenemente, as terras desse sertão.
O rio daquelas travessias na minha infância é hoje um leito seco com ossaturas de lajedos onde brotam cactos e completamente esquecido do turbilhão que rasgava barrancas fixadas por oiticicas jovens, algumas agora exibindo troncos ressequidos sob vastas cabeleiras de galhos brancos e sem folhas.
Lembro das cabaças enquanto ouço o ‘profeta’ Zé Maria, numa esquina sombreada da feira em Pau dos Ferros, vaticinar contrário à s previsões otimistas dos técnicos da capital que apostam no fim do ciclo maldito.
A seca vai continuar, diz ele, trágico e onisciente.
A platéia de Zé Maria resumia-se à minha curiosidade e à sonolenta audição do comerciante dono da loja da esquina.
Ao contrário dos ‘caçadores de água’ (radiestesia) que ganharam notoriedade por aqui nesses anos secos, os ‘profetas de chuva’, baseados em observações sobre a fauna e flora, perderam o crédito diante da presumida exatidão da ciência meteorológica.
Mesmo assim saà sugestionado. O que será de nós se o ‘profeta da seca’ estiver certo?
No Sertão, nunca se sabe…
Então para dar sorte, pedi a Manassés pra colocar as cabaças dependuradas num torno de madeira na sala da frente e fui rezar, contrito, um pai-nosso defronte à imagem de Frei Damião no oitão da igreja matriz.
Jânio Rêgo é jornalista
Nesse cenário merencório, a brisa desliza em cada galho retorcido pelo flagelo das secas, e faz eco na amplitude de um grito de fome escondido numa casa de taipa abandonada. Às vezes, o relevo das recordações está tão profundo que lamentamos não ter nascido com pés de chumbo. Enquanto o nosso último por do sol não nos abrace com seus misteriosos e antecipados raios de saudade, bailemos nas coreografias dos anjos e dos fantasmas recorrentes das recordações, adiando o inevitável evolar para a próxima noite de solidão. A leitura desse bela crônica emoldura um filme antigo em preto e branco, no qual recordamos com melancolia e acabamos nos sentindo tanto espectador como coadjuvante. Parabéns parente Jânio, exponencial componente da tradicional famÃlia da minha avó materna Professora Amália Severiano da Costa Rêgo, conhecida na famÃlia como Mirosa de Jeremias Rêgo. Forte abraço.
obrigado, parente.fico sensÃvel ao seu comentário
Sem palavras.