Por Jânio Vidal
Em “operação especial”, cães, gatos, jumentos e até uma ovelhinha foram recolhidos nas ruas e avenidas de Natal, coincidentemente nos mesmos dias de feéricas festividades iluminadas para o ciclo natalino, também conhecido aqui, e somente aqui, como “Natal em Natal”. Os animais foram recolhidos para tratamento e cuidados em diversas ONGs que atuam nesse tipo de solidariedade animal.
Penso como estará a ovelhinha. Nas milhares de ovelhinhas, desde as que estão nas ruas, ou preparadas para o abate. E na simbologia que as ovelhas têm quando, do gesso à porcelana, são distribuídas para enfeitar, aqui no Natal do Natal, árvores de plástico e suas Neves de algodão.
Centenas de animais ainda permanecem circulando nas ruas de Natal – muitos portando doenças – em busca apenas do alimento para uma sobrevivência miserável e rejeitada por tantos que fingem não vê-los, fugindo de olhar nos seus olhos um drama, ou tragédia, que não está restrito apenas a esses animais. Como estão sempre circulando, durante os dias e as noites natalenses, talvez ganhem mais visibilidade, não sendo raras as ações de agressão e violência contra eles, de diversos tipos, que em muitos casos resultam em morte.
Em operações especiais diárias, ONGs, voluntários, grupos religiosos ou organizações com fins sociais, todas as noites distribuem comida para milhares de pessoas, em dezenas de pontos estratégicos de calçadas e canteiros das ruas e avenidas mais importantes do Plano Palumbo – extensa área da cidade de alto poder aquisitivo, com seus restaurantes de luxo, edifícios cada vez maiores e comércio que teima em ser comparado ao da Faria Lima.
Nesse período de “Natal em Natal”, aumenta muito o número de pessoas, famílias inteiras, que praticamente acampam nesses lugares, muitos atuando durante o dia nos cruzamentos e sinais de trânsito, com suas mãos estendidas, com seus olhares vazios como suas barrigas, tentando moedas ou qualquer coisa que possa sair das barreiras volantes de vidro fumê.
Essas famílias carentes compartilham sua vulnerabilidades social com moradores de rua, dependentes químicos ou mendigos em números crescentes e preocupantes, dormindo debaixo de marquises ou viadutos, em cima de colchões velhos, trapos, esteiras ou simplesmente papelão.
Essas cenas urbanas se repetem cotidianamente, evidenciando um crise social de proporções assustadoras, pois tem sido crescente o surgimento de novos pontos e um aumento de casos que configuram a completa vulnerabilidades e dependência de milhares de pessoas, que sem essas ações de distribuição de alimentos estariam recorrendo aos instintos e animalidade para conseguir apenas uma mísera sobrevivência.
Também em “Operação Especial”, com infraestrutura garantida, da alimentação aos banheiros químicos, dezenas, às vezes centenas, mas que em alguns momentos pode ter passado de mil, pessoas vestindo predominantemente verde e amarelo, algumas enroladas na bandeira do Brasil ou movimentando seus braços em direção ao céu, cantam hinos patrióticos e músicas gospel (God Spell?) durante todas as noites, na Avenida Hermes da Fonseca, em acampamento improvisado da calçada do Aero Clube, atravessando a avenida até a entrada de um quartel do exército.
Pedem uma “intervenção militar, ou algo parecido, até mais um golpe, para impedir a posse do presidente eleito nas eleições de 30 de outubro. Se o olhar de todos os animais recolhidos nas ruas é o mesmo; se os olhos vazios dos carentes e mendigos transmitem uma mesma vulnerabilidade, na leitura dos olhos, do olhar dos manifestantes, não passa nada despercebido.
Ninguém pode fingir não vê-los, pois eles mesmos fazem questão de escancará-los em close-up nas redes sociais.
As noites natalenses no período do “Natal em Natal” estão oferecendo além das festividades e do espírito natalino, realidades diferentes, dramáticas, trágicas, bizarras, paralelas, algumas temporárias, outras permanentes. E acima, de lado ou abaixo de tudo, invisível, ameaçador perigoso e persistente, um espectro, um vírus, suas variantes e sub-variantes circulam cada vez mais rápido, com sua foice martelando mensagens que parecem aguçar o cocoruto de muita gente, e que nem os iluminados conseguem decifrar.
Jânio Vidal é jornalista
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