Por Odemirton Filho
“Tudo vale a pena, se alma não é pequena”.
(Fernando Pessoa)
Caminhavam na areia com a brisa tocando os seus rostos, como se fosse um beijo suave. Diariamente, à tardinha, gostavam de andar na beira da praia, com o mar molhando os pés.
Há anos tinham largado a cidade grande. Mudaram-se para a comunidade-praia e desfrutavam a paz do local. Buscavam sossego, pois já estavam aposentados.
A rotina raramente mudava. O marido acordava cedo, o sol nunca o encontrou dormindo, como diria Rui Barbosa. Preparava um café coado e tapiocas. A mulher se levantava um pouco mais tarde. Conversavam sentados à mesa, sem pressa. Depois cumpriam as tarefas da casa e faziam o almoço.
Algumas vezes, pela manhã, esperavam uma jangada vindo do alto mar e compravam peixes, já eram conhecidos dos pescadores e moradores da pequena localidade. As compras da casa eram realizadas na mercearia de Zé de Niel, que ficava próximo, ainda no sistema da “caderneta”.
Antes do almoço o marido gostava de tomar uma “pra lavar”. Depois, deitavam-se nas redes e iam curtir a “sesta”. No meio da tarde tomavam um “pingado”, acompanhado com pães e bolo.
À noite, após o jantar, deitavam-se juntos no alpendre com o vento balançando a rede, embalando os momentos mais íntimos.
Tinham um filho e dois netos que os visitavam uma vez por ano, nas férias, pois moravam longe, lá pelas bandas do sul do país. Para não ficarem incomunicáveis possuíam um telefone celular. Assistiam a televisão, de vez em quando, para verem o noticiário.
Liam muito. Sobretudo, os romances, contos e as crônicas do bruxo do Cosme Velho. A sós, conversavam sobre a vida. Lamentavam-se. Eram para ter dançado mais. Viajado mais.
Entretanto, a correria do dia a dia e o trabalho fizeram com que consumissem boa parte da vida. O tempo passou depressa. Os anos avançaram e olhavam para trás, com saudade, principalmente, daquilo que não viveram. Agora, já não tinham o viço da mocidade.
Somente o tempo nos faz amadurecer. Os valores da vida são repensados. Valeu a pena correr tanto em busca de bens materiais? Perguntavam-se. Vivemos tempos da economia do desejo, não da necessidade.
Infelizmente, ou felizmente, ninguém transfere sua experiência ao outro. Erros e acertos precisam fazer parte da vida de cada um. Se pudessem voltariam no tempo e viveriam de outra forma. Mais leves. Mais soltos.
Final da tarde. Era hora de ir à praia, caminhar na areia e sentir a brisa. Juntos, viram o pôr do sol refletir sobre as águas do mar.
Descobriram que nunca é tarde para viver o que vale a pena.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça
Essa tomada de consciência de como poderia ter sido a própria vida, acredito, chega para grande parte das pessoas. Por “N” motivos, cada um vai tecendo a sua vida. Não existe ensaio! É sempre em frente! Amei! Consegui me ver. Parabéns!
Pois é. Às vezes, demoramos a perceber o que realmente vale a pena. E o tempo vai passando, passando.
Mas, enfim, nunca é tarde.
Obrigado pelo comentário, cara Bernadete.
Tenha uma semana com saúde e paz.
Como seria bom se pudéssemos voltar no tempo por um instante!
Prezado cronista-escritor Odemirton Filho.
Você escreve com uma sensibilidade e talento raros. É modesto, humilde quando louvamos sua escrita, mas você possui um texto de qualidade muito boa. Sabe contar uma história (inspirada em eventos reais ou totalmente inventada) com uma competência de gente grande. Esta sua página de hoje merece todos os aplausos e deve fazer parte de um futuro livro de crônicas. Está nos devendo isso. Com mais atraso do que eu. Ótima semana para você e sua família. Saúde e paz.
Forte abraço.
Obrigado pelas palavras, meu querido amigo. Você, como sempre, é gentil nos comentários. Continuarei escrevendo e, principalmente, aprendendo com os seus belos textos.
Abraços deste seu aluno.