domingo - 13/04/2025 - 04:02h

O quinteto fantástico

Por Marcos Ferreira

Marcos Ferreira, Genildo Costa, Caio César Muniz, Cid Augusto e Rogério Dias (Fotomontagem e edição de imagem do BCS)

Marcos, Genildo, Caio, Cid e Rogério (Fotomontagem e edição de imagem do BCS)

Agora estou aqui a cismar com os meus botões sobre os antigos e os novos rumos de minha vida até o presente instante. Penso com carinho, e também de forma saudosa, nos vínculos de amizade estabelecidos ao longo de minha trajetória. Avalio essas questões e constato o quanto me distanciei fisicamente (ou nos distanciamos) de algumas pessoas queridas. Sim, apenas do ponto de vista físico, sem aquele calor fraterno e cotidiano de outrora.

Hoje estamos, como se diz, distanciados. Aqui e acolá nos avistamos nas esquinas das redes sociais, nos recantos da blogosfera.

Por uma razão ou por outra, manipulados pelos destinos que a vida nos reserva ou impõe, fomos na direção de outros horizontes e prioridades. Apesar desse afastamento físico, o nosso elo permanece, sobreviveu à diáspora que envolve a busca pelo pão. O papo tête-à-tête tornou-se raro, contudo volta e meia a gente se abraça através dos filamentos “internéticos”, recursos como (por exemplo) WhatsApp e Instagram.

Uma vez ou outra me aparece aqui um Túlio Ratto e mexemos no baú do passado, bebemos café, catamos retalhos de memórias ainda do tempo da Revista Papangu em papel, recordações com cheiro de naftalina, “pensamentos idos e vividos”, como clássico soneto “A Carolina”, de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho.

É isto. Já não existe aquela nossa interação amiúde, tão intensa e salutar. Dessa época de ouro, mágica e extremamente profícua em nosso universo de verdes sonhos e primordiais atividades literárias, quero me dirigir com um abraço bem caloroso a quatro indivíduos dos quais nunca me esquecerei. Refiro-me aos senhores Rogério Dias, Genildo Costa, Cid Augusto e um tal de Francisco Caio César Urbano Muniz.

Formávamos, naquela metade dos anos noventa para os anos dois mil em diante, o que ora denomino de Quinteto Fantástico. Apenas para afrontar a Marvel.

Caio César Muniz foi o cara que me tirou da minha toca no Santa Delmira, num tempo em que eu tinha muito pouco acesso àquela Mossoró das letras, da cultura, da prosa, da poesia. Fomos apresentados pelo então poeta underground Cid Augusto e daí por diante Muniz (assim como Cid) me mostrou o caminho das pedras. Na sequência, por sermos articulistas do Caderno 2 do Jornal O Mossoroense, topamos com o trovador Genildo Costa.

Pouco após, por intermédio de Genildo, Cid e Caio, fui apresentado ao publicitário, poeta e artista plástico Rogério Dias. Eu e Muniz visitávamos o QG, a “oficina irritada” e multicor de Rogério quase que diariamente. Rogério é o sujeito do pavio mais curto, o tipo mais sensível e fascinante que já conheci.

Desempregado à época, pois ainda não havia conseguido o trabalho de revisor e copidesque no jornal, eu não tinha um tostão furado. Caio César Muniz pagava até mesmo as minhas passagens de ônibus para irmos ao Centro. Noutras ocasiões ele também não tinha grana, vinha a pé lá do Conjunto Integração e de minha casa a gente se mandava a pé para O Mossoroense ou para o ateliê de Rogério.

No mais das vezes eu primeiro manuscrevia meus textos e depois passava a limpo em uma bela Olivetti Línea 88 que ganhei de Rogério. A seguir entregava os poemas ou crônicas ao jornal. Daí a pouco, então, formamos isso que hoje denomino de Quinteto Fantástico. Cid era o crânio, o Homem Elástico. Rogério era o Coisa, o Homem de Pedra, porém com um coração de manteiga.

Muniz era o Tocha Humana, o elemento que incendiava nossos ânimos, tocava fogo no circo, inflamava plateias nos bares, escolas públicas, particulares e universidades, sempre audaz, intrépido. Eu, naturalmente, era o Homem Invisível, mais tímido do que uma jovenzinha recém-chegada a um lupanar. Isso no tempo em que ainda existiam essas casas de tolerância.

Foi nesse período que nos deparamos com figuras emblemáticas da poesia, da cultura mossoroense e potiguar, personagens de grande relevo como Luiz Campos, Apolônio Cardoso, Onésimo Maia, Lenilda Santos, Nonato Santos, Tony Silva, Augusto Pinto, Crispiniano Neto, Luiz Antônio, Raimundo Soares de Brito, Vingt-un Rosado, Aluísio Barros, Leontino Filho, Zenóbio Oliveira, Laércio Eugênio e o vate Zé Lima. Uma elite intelectual que nós olhávamos com reverência.

Genildo Costa era (ainda é) um músico e tanto. Naqueles primórdios, sem dúvida, ele representava o grande menestrel do grupo, autêntico cantador, dono de uma voz poderosa e ótima presença de palco. Artista nato, oriundo de uma família de excelentes escultores do verso, musicou alguns poemas de minha autoria, em especial o soneto “Caminhos Opostos”, os poemas “Minha Casa” e “Cores e Caminhos”. Este último Genildo usou para intitular o CD que ele conseguiu lançar na marra.

Além de mim, o mossoroense de Grossos musicou poesias de Luiz Campos, Rogério Dias, de Caio César, Cid Augusto, Maurílio Santos, Antônio Francisco e Crispiniano Neto. Em suma, é justo dizer que o Costinha gravou uma verdadeira antologia poética.

Reacendemos a chama da Poesia nesta vila, levamos a arte do verso para os coretos e vários outros pontos culturais da urbe. Naquela vitrine do Caderno 2, encontravam-se poetas e prosadores como Kalliane Amorim, Gustavo Luz, Líria Nogueira, Francisco Nolasco, Jomar Rego, Margareth Freire, Ricarte Balbino, Fátima Feitosa, Airton Cilon, Goreth Serra, Gualter Alencar, Silvana Alves, Clauder Arcanjo, Antônio Cassiano, Graciele Callado, Tales Augusto, Kézia Silmara, Misherlany Gouthier, Symara Tâmara e o nosso hoje estelar cordelista Antônio Francisco.

Eram poetas e prosadores às pampas. Tantos e tantas que esta minha memória de Sonrisal em copo d’água não consegue abarcar. Temos hoje antigos e novos talentos que coexistem de maneira harmoniosa. Indivíduos de uma quadra remota ao lado de uma turma jovem e não menos talentosa. Então, apesar da eterna falta de incentivo por parte dos governos municipal e estadual, a literatura ainda resiste. “Se foi assim, assim será”. Como na famosa canção do Milton Nascimento.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica / Cultura

Comentários

  1. Bernadete Lino diz:

    Lindo esse mosaico que você desenhou! Bom mesmo é ter história pra contar; passar pela vida e deixar marcas, não por vaidade, mas pelo desejo de se tornar eterno nessa vida finita! “Viver e não ter a vergonha de ser feliz!” A gente só leva dessa vida, a vida que a gente leva, já falava uma colega e amiga de trabalho. Morreu antes dos cinquenta anos. Mas não falemos de morte, falemos de vida: viva, viva e viva, muito! Abraço!

  2. Marcos Pinto. diz:

    Acho que podemos modificar o título para “Quinteto maquiavélico”, ou ainda “Quinteto estrambótico”. Essa é de lascar.

  3. Maria Willima diz:

    Tantas lembranças dos momentos descontraídos e de boas produções literárias. Boas amizades e grandes parcerias se perduram. Conheço o Cid Augusto, um poço de simplicidade que derrama lindas poesias! 👏👏👏👏👏👏👏👏👏

  4. Marcos Pinto. diz:

    Homi, sabe de uma cousa ???. Esta trupe tá mais para as mungangas do Chicó e do João Grilo.

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu querido ruminante de quatro cascos,
      Tenha dó ao menos da nossa maltratada Língua Portuguesa. Assim é de lascar!
      Ótima semana para você, estimado jegue.

  5. Marcos Pinto. diz:

    Que ele se dane. Mas acho o grande Artista Plástico Rogério Dias uma m8stura esyrambótica do Salvador Dali com o saudoso Boulier. Relevem-me os afeccionados. FUI !.

    • Marcos Ferreira diz:

      Enfezado xará,
      Tenha dó ao menos da nossa maltratada Língua Portuguesa. “Afeccionados” é de lascar. Vou desenhar pra você a grafia correta: “aficionados”, com um C apenas. Todo ignorante, analfabeto com diploma de nível superior, incorre nesse tipo de erro. Tenha dó, estimado carrasco do nosso idioma!
      Abraço.

  6. Marcos Pinto. diz:

    Corrigindo : …Uma mistrura estrambótica.

    • Marcos Ferreira diz:

      Ilustríssimo rábula,
      Suas emendas são piores do que o soneto. Tenha dó ao menos da nossa maltratada Língua Portuguesa. Assim é de lascar!
      Saúde e paz.

  7. Julio Rosado Filho diz:

    Registro oportuno. Mossoró não deixa se perde a memória daqueles que fazem sua história. Cada um,por meio de suas ações diárias, suas opiniões e até pelo que lhe é trivial, constrói a identidade cultural da cidade. E esse quarteto de cinco (assim como o famoso trio de mosqueteiros formado por quatro,), contribuiu, contribui e contribuirá muito mais, aínda, para o cenário literário regional.
    Um destaque especial pela pessoa de Rogério Dias, um artista de múltiplas atividades culturais.

    Parabéns por seu aniversário, amigo Marcos Ferreira.

  8. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Olá, Marcos!
    Boa tarde!

    Poderosíssimo esse quinteto!

    Quem possui amigos desse quilate, tem tudo na vida!

    Abraços

  9. Clauder Arcanjo diz:

    Belíssima página, Ferreira. Saudades.

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