domingo - 15/12/2024 - 07:36h

O realismo jurídico brasileiro

Por Marcelo Alves

Arte ilustrativa

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Para quem não sabe, com o apelido de realismo jurídico americano, designa-se uma escola desenvolvida nos Estados Unidos da América por dois destacados grupos de juristas, caracterizada especialmente pelo método empírico de análise científica, a ênfase na realidade fática e a clara valorização da atividade jurisdicional na criação do direito em detrimento do status atribuído às normas legisladas.

No primeiro grupo, que surgiu mais ou menos na virada do século XIX para o XX e é considerado como originador do legal realism, está Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935). A ideia-chave do realismo jurídico está na consagrada frase do seu livro “Common Law”: “a existência do direito não tem sido lógica; tem sido experiência”. E ele afirmou ainda: “as previsões sobre o que as cortes decidirão de fato, e nada mais pretensioso, são o que eu entendo por direito”. Holmes, junto a outros contemporâneos, como John Chipman Gray (1839-1915), acreditava que os juízes criam o direito, sobretudo numa nação filiada à tradição do common law, como são os EUA. Segundo esses primeiros realistas, é importante entender isso bem para poder entender o direito e, no futuro, fazê-lo melhor.

Entretanto, a meu ver, as ideias desenvolvidas pelo segundo grupo do legal realism – que aparece ao longo dos anos 1930 e inclui, entre outros, os nomes de Jerome Frank (1889-1957) e Karl Llewellyn (1893-1962) – são as mais interessantes. Aqui vemos os mais sutis aspectos do processo de elaboração das decisões judiciais. Enfatiza-se que a compreensão do processo de tomada de decisão é fundamental para o entendimento do que é o direito. Frank, por exemplo, explicou que uma decisão judicial é muito mais do que o resultado da simples aplicação de uma norma aos fatos do caso.

A determinação de quais são e como são os fatos já acrescenta variáveis à decisão, assim como a interpretação da norma é algo muito mais complexo do que uma simples leitura do seu texto, seguida de uma subsunção fato/norma. E, sobretudo, os novos realistas defenderam, com inteira razão, que os juízes decidem baseados numa variedade de fundamentos e apenas alguns deles são conscientes e analíticos.

Os reais fundamentos da decisão judicial, que atuam previamente aos fundamentos conscientes e analíticos, são mais complexos e menos óbvios, extremamente influenciados pelos preconceitos e valores do julgador.

Se isso tudo é verdade nos EUA também o é no nosso querido Brasil.

Bem ou mal, lá e cá, os juízes, mesmo agindo como detentores do poder estatal de declarar ou criar o direito, carregam consigo suas preferências, valores e pré-conceitos. Como certa vez disse Ronald Dworkin (em “Levando os direitos a sério”, Martins Fontes, 2002), eles “tomam suas decisões de acordo com as suas próprias preferências políticas ou morais e, então, escolhem uma regra jurídica apropriada como uma racionalização”.

O problema certamente está no grau de influência dessas preferências. Se não podemos fugir dos nossos pré-conceitos, se o fato de os juízes brasileiros decidirem afetados por essas idiossincrasias herdadas ou adquiridas ao longo de suas vidas é algo que não se pode negar ou eliminar, é o caso, então, de fomentar um ponto de equilíbrio entre essa inafastável subjetividade e a necessária objetividade da lei.

Lembremos aos brasileiros mais afoitos que a ideia dos realistas americanos, de que não existe direito algum que não as decisões judiciais, é inaceitável. Já alertava Benjamin N. Cardozo (1870-1938) que a verdade está a meio caminho entre os extremos, uma vez que o poder/dever de declarar o direito, que ninguém nega aos juízes, realmente também pressupõe o poder/dever de criar o direito, mas apenas dentro de certos limites, onde ele já não preexista legislativamente.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica

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