domingo - 26/04/2015 - 10:47h

O tempo, os tempos e suas medições

Por François Silvestre

Quem caça o tempo, para medi-lo ou compreendê-lo, sujeita-se à angústia de trazer o bornal vazio.

O tempo é arisco. Indomável corcel, que não aceita sela nem se dá à montaria.

O pensante, ancestral dos nossos dias, rudimentar da vida de querer entender-se, usou a observação dos astros, no céu infindo, para situar-se. A primeira situação, no espaço, foi relativamente bem sucedida.

“Navegar é preciso, viver não é preciso” diziam os navegantes fenícios. E no destino da navegação, sem tempo para contemplações, filosóficas ou poéticas, ocupados os dias ao comércio, à praticidade de sobreviver, eles inventaram as consoantes.

E foram as consoantes, pouco mais de vinte, que acasaladas à sonoridade vocálica do “a” ao “u” permitiram ganhar tempo na comunicação. Era tudo uma questão de tempo.

Os sons vocálicos, herdeiros da sonoridade dos grunhidos, de nascimento nas cavernas, cuja perquirição fonética limita-se aos movimentos palatais, anteriores ou posteriores, tônicos ou átonos, não bastavam à comunicação sofisticada. Isso, no espaço do Ocidente. Juntar a eles um símbolo inventado, a consoante, foi a chegada da luz na escuridão, afugentando trevas.

E a escuridão foi fundamental à comunicação. Ela e as distâncias. Na caverna, ao dia, a comunicação dava-se pela mímica. Bastava grunhir e gesticular. Ao escurecer, foi necessário o som organizado. Grunhir não bastava mais. Nasceu o fonema vocálico.

Depois, foi preciso buscar alimentos mais longe da caverna. Surgiu o tambor, ancestral longínquo do telégrafo.

O tempo do homem não é o conhecimento. É a sobrevivência. Conhecer das coisas foi atividade dos desocupados, artistas ou filósofos, a serviço do poder ou contra os poderosos.

Os que estiveram a serviço do poder viveram mais e tiveram vida  fácil. Os que se rebelaram viveram miseravelmente, ou pouco, na angústia melancólica de uma biografia do porvir. De inútil espera.

Mas eu falava de medir o tempo. E o tempo do texto tá quase sem espaço. Passou Janeiro, homenagem a Jano, Deus etrusco, onde era porteiro, ao virar introdução nos mitos latinos. Foi-se Fevereiro, também etrusco, da purificação; februus.

E Março? Partiu. Do Deus Marte ou dos Marços, povos perdidos nas fronteiras da Galícia. Abril foi abertura, ou Afrodite, nascida da carícia da espuma. Maio, que chega apressadamente e promete fertilidade, pondo véus nas cabeças do cio, nos noivados que enfeitam o alvoroço.

Se em Maio há o cio, a Deusa Juno garante a procriação saudável. É Junho, tempo da colheita. Na terra e no ventre.

Aí chega o poder. Julho é Júlio César, trinta e um dias. Agosto é Augusto César, com dias iguais. Bastou tirar um dia da purificação februária. É escasso o tempo de purificar.

Os quatro derradeiros são números. Da praticidade romana, antes da reforma gregoriana.

mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Aos que não o conhecem, e, porventura o leram pela a primeira vez….Apenas e tão somente, mais uma aula de história do nosso enciclopédico…François Silvestre…!!!

    Um baraço.

    FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  2. ROSANA diz:

    Você é um “mestre” , na arte de escrever nada com coisa nenhuma . Perdi meu tempo !

  3. françois silvestre diz:

    Brigadão, Fransuêldo. E Rosana continua a ser leitora cativa, dessas que tenta mas não resiste. E todo Domingo meu texto lhe rouba tempo, cuja preciosidade só ela pode pedir. Até Domingo, caríssima e fiel leitora.

  4. Marcos Pinto. diz:

    Ler os contagiantes textos do parente François Silvestre é como mergulhar num estuário de paradigmas de vida de quem sofreu as agruras e perseguições da asquerosa DITADURA MILITAR. O Homi que traz no sangue o DNA quente do caldeamento da raça portuguesa do Capitão Alexandre Pinto Machado, que veio para a então Capitania do Rio Grande no longínquo ano de 1760, para que mais na frente um seu bisneto (Quinquim do Cajuais) viesse a entrelaçar-se com a histórica e revolucionária família cearense ALENCAR. O indômito Alexandre Pinto Machado deixou a sua paradisíaca Freguesia de São Miguel Arcanjo de Caldas, Bispado de Lamego, para disseminar a sua honrada e vasta descendência no domínio e usufruto das melhores terras da região Oeste potiguar – Apodi, Martins e Portalegre, latifúndios que até hoje estão sob domínio da família, entrelaçada aos GOMES, AMORIM, PAIVA, TORRES, ALENCAR, PAULINO, NORONHA, VALENTIM, DIÓGENES, MOTA etc. O Homi é neto materno do mais que famoso QUINQUIM DO CAJUAIS, referencial pessoal com vínculo toponimico ao famoso sítio “Cajuais”, e que não é outro senão o mesmo irreverente homem de respeitável memória JOAQUIM GOMES PINTO, bisneto do português já referido. Forte abraço macho réio !.

  5. Marcos Pinto. diz:

    Sugiro a ROSANA que respeite os livros que separam o renomado e celebrado intelectual potiguar Francois Silvestre da total ausência de cultura dela. Com certeza ela é daquelas que sequer nunca leram uma “orelha” de livros, e como tal não reúne a mínima capacidade para ler os eruditos textos do François. Menina, mije lá fora !.

    • ROSANA diz:

      Marcos PINTO , realmente não gosto de literatura , tenho outro tipo de cultura , mais prática . Eu admiro o vasto conhecimento do François sim , mas não acho muito útil . Não faça críticas desnecessárias , só para defender parente , não suje o nome da família , cague dentro !.

  6. françois silvestre diz:

    Marcos, você foi na jugular. É isso mesmo. Vou divulgar seu texto para o resto da parentada. Abração e suba a Serra!

  7. françois silvestre diz:

    Preciso dar uma explicação. Meu comentário é sobre o primeiro texto de Marcos, que trata com cinzel de pesquisador uma escultura de parte da formação de famílias cá no Oeste Potiguar. O “foi na jugular” refere-se a esse texto e não ao segundo comentário de marcos; pois, pela ordem colocada por Carlos Santos, pode-se pensar que eu concordo com as palavras de Marcos sobre a comentarista Rosana. Mesmo preferindo receber elogios, respeito a opinião dela contra meus textos. Mesmo porque, meu caríssimo parente Marcos Pinto, eu não fui nem sou renomado ou celebrado. Essa sua adjetivação é fruto exclusivo da generosidade.

    • ROSANA diz:

      François Silvestre , não tenho nada contra seus textos , mas você não acha que está jogando fora tanto conhecimento , cultura , com esses textos inúteis ?

  8. fernando diz:

    Rosana passou roçando e sem entender nada. Ela só entende a boa administração de rosalba.

  9. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “O tempo do homem não é o conhecimento. É a sobrevivência. Conhecer das coisas foi atividade dos desocupados, artistas ou filósofos, a serviço do poder ou contra os poderosos.
    Os que estiveram a serviço do poder viveram mais e tiveram vida fácil. Os que se rebelaram viveram miseravelmente, ou pouco, na angústia melancólica de uma biografia do porvir. De inútil espera.”
    ////
    Surpreende-me este trecho do artigo.
    Então Lenine, Emiliano Zapata, Mao Tse Tung, Martin Luther King Jr, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela e tantos e tantos outros que se rebelaram contra as injustiças e entraram pela porta da frente para a história viveram miseravelmente?
    Miseravelmente vive quem coloca a sua inteligência a serviço da injustiça social, aos que buscam os favores dos que estão no poder, tipinhos que se contentam com as lentilhas que caem das mesas dos que estão cometendo todo tipo de canalhice.
    Quem busca a sobrevivência pela sobrevivência são os medíocres, os intelectualóides cuja fama não atravessa o rio Potengi.
    Os homens buscam algo maior. OS HOMENS!
    ///
    Quando serão julgados os recursos Sal Grosso?

  10. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Meus Caros Carlos Santos, François Silvestre e Marcos Pinto, após “profundos prolegômenos com que nos brindou a prática “filósofa” Sra. ROSANA.

    Resumidamente só posso exclamar…. HOSANA NAS ALTURAS!!!

    (Da tradução do hebraico… SALVE-NOS!!!)

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

    • ROSANA diz:

      Você não passa de um intelectualóide , bancando o importante . Infelizmente , não tenho poder para salvar a humanidade de gente como você .

  11. Janio Rego diz:

    o texto de François é gostoso como uma inútil cachaça com cajarana em um mirante de Martins!E Rosana? ah, Rosana nas alturas!

  12. françois silvestre diz:

    Fransuêldo, meu abraço renovado. Inácio Augusto, sou seu admirador. Jânio Rego, somos cúmplices, mas não se preocupe, não contarei nossos segredos. Suba a Serra, trazendo esse prisiaca dono do Blog a tiracolo. E Fernando, agora você me explicou o que eu não entendera até então. A desafeição tem método…como a loucura dos personagens de Shakespeare. Grato pela informação de uma coisa que me parecia estranha e agora está clara como a fonte de Pureza.

  13. Marcos Pinto. diz:

    Façamos uma CONJURAÇÃO ETÍLICA ao lado do nosso estimado amigo François Silvestre.

  14. ROSANA diz:

    François Silvestre , eu me lembrei que já tive um momento muito agradável com a literatura , na minha infância , quando devorei “Meu Pé de Laranja Lima ” , imaginava tudo enquanto lia . Depois ainda tentei outros títulos , ” A Moreninha” e ” Memórias Póstumas de Brás Cubas ” , mas sem nenhum sucesso , faltou-me paciência . Então eu cheguei a conclusão que não gosto de literatura , principalmente por não ter paciência . Fiz uma leve pesquisa sobre seus livros , e cheguei a outra conclusão . não posso comentar sobre seus textos , não tenho capacidade , é para quem entende e gosta de literatura mesmo , é como dizer que Pelé jogava mal , só porque não entendo e não gosto de futebol . Espero que não tenha desmerecido o seu grande talento .

  15. Honório de Medeiros diz:

    As pessoas às vezes não compreendem o quanto a filosofia e a literatura são práticas. Via filosofia buscamos compreender tudo quanto somos, nos cerca e envolve, e o que resulta desse processo constitui o cerne do nosso avanço prático: um microscópio foi uma ideia antes de ter sido uma coisa. Via literatura dizemos aquilo que compreendemos sob um matiz especial, no qual o estético prepondera. Acontece, não com frequência, de filosofia e literatura, ambas irmanadas, dizerem o mundo após tentarem compreendê-lo. Foi o que François fez com essa bela frase: “Quem caça o tempo, para medi-lo ou compreendê-lo, sujeita-se à angústia de trazer o bornal vazio”. Aqui nós encontramos filosofia, literatura e, claro, senso prático, na justa medida em que adverte o incauto: “não percamos tempo com algo além de nossa compreensão.”

    • ROSANA diz:

      ” Um microscópio foi uma ideia antes de ter sido uma coisa ” ? NOSSA ! Só um professor ou um escritor para chegar nesta conclusão mesmo . Se as ideias viram coisas , livros , eu não questionei isso , questionei a utilidade de certas coisas . Podem e existem milhares de livros , mas certamente nem todos são úteis , o próprio François , criticou a decadência de Paulo Coelho ,também escritor . A filosofia é mais prática que a literatura, pois observa a realidade , a literatura não tem compromisso com a realidade , geralmente é fruto de pura imaginação .Vejam a bela frase do François ; ” Quem caça o tempo, para medi-lo ou compreendê-lo , sujeita-se á angústia de trazer o bornal vazio ” . Ok , tem literatura , tem um pouco de filosofia , mas cadê o senso prático ? cadê sua utilidade ? alguém caça o tempo ? . Não devemos perder tempo , com algo que não passa de pura imaginação , porque a imaginação não nos garantem compreensão , não nos saciam .

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