domingo - 09/03/2025 - 05:30h

Ocaso e cerveja

Por François Silvestre

Imagem com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

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Envelhecer não faz ou desfaz ilusão/

não pede zelo, no desmazelo

do atropelo. Não./

 

É entre dores, saudades, confusões da mente/

a alegria de não ter morrido novo./

Só.

 

Será alegria?/ Ou apenas o consolo de ainda lhe restar/

o tempo escasso da sobremesa/ no banquete

miserável servido entre o fugaz sabor da vida?

 

Fugaz! Feito armadura num herói da mentira/ cuja espada

cai ante a vitória de um vencedor inexistente./

 

É isso? Não. Não é. A vida não é./

Qualquer verbo serve à definição da vida/

Menos o verso Ser./ A vida existe, resiste, desiste, consiste, mas não é/

A vida comporta todos os verbos,/ menos o verbo ser. A vida não É.

 

O velho se vê no espelho quebrado pela raiva do tempo./ Trincas são rugas./

Fugas da memória/ com a melancólica mentira do esquecimento.

 

Esquecer é doença?/ Não. É fuga./ Quase nojo do que persegue./ Do lembrar no que se ateve, ou deixou de atrever-se./

 

Mas, a constatação: Velho é a carcaça do herói que esqueceu de morrer novo./

E pra desvalor da própria vida,/ esbanja desmantelo de membros e cérebro.

 

Para o desfecho, volto ao título./ O ocaso da vida/ descendo nas quebradas do poente./

O sol esmorece desaquecendo até sumir./

Eu, insistente de heroísmo nenhum, perdi a chance de morrer novo/ tô vivo e contente,/ olhando pra morte e descrente,/ sem deuses pra rezar,/ sem preces pra orar,/ sem crenças de confortar,/ guardando as tardes, cada uma como seja./

Meu ocaso, minha tarde e a cerveja!

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Poesia

Comentários

  1. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Valeu meu Caro François!
    Ainda que às avessas ou não, nos brinda com uma ode mais que original à vida.
    Essa ode do François, ainda que um pouco que seja, lembra ode a vida do Poeta chileno Pablo Neruda.

    Em fim, a vida como um belo círculo de contradições, respostas e não respostas que se renovam no próprio e indecifrável viver e morrer coletivo.

    Vida severina ou não, povoada de mistérios, certezas e incertezas, seguranças e inseguranças, das quais só uma certeza emerge triunfalmente, a morte.

    Neste enlevo, desprezo e certeza da finitude, o poeta americano do norte: Walt Whitman, já dizia:

    Oh eu, oh vida
    Das perguntas sempre iguais
    Dos intermináveis comboios dos descrentes
    Das cidades a abarrotar de idiotas
    O que há de bom no meio disto?
    Estás aqui
    Avida existe e a identidade
    A pujante peça continua
    E podes contribuir com um verso.

    Walt Whitman, Leaves of graas

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