Por François Silvestre
Ivo de Cidinha é do cordão encarnado, organiza sua barraca embandeirada de rubro vivo.
Canindé de Olavo é do cordão azul, nem põe a lona de cobertura para usar o céu como teto da sua barraca.
Na hora da dança, no patamar, eles nem se cumprimentam. Desdenham um do outro. Detestam-se. Entre eles, a Diana, cujas vestes ostentam as duas cores; a banda da saia azul virada para o cordão encarnado e a banda vermelha da saia virada para o cordão celeste.
Ivo ver tudo vermelho, na sua vida. Gosta de carne quase crua, de beterraba e suco de melancia. Prefere os dias nublados pra não ver o azul do céu. E gosta de apreciar o por do sol, quando as quebradas do Poente fazem as nuvens avermelhadas e tingem de chumbo o sossego do Nascente.
Canindé detesta carne vermelha, de melancia só aprecia a fruta intacta, pra não ver seu miolo. O céu é sua paisagem preferida, principalmente com as nuvens recolhidas, onde o azul se espalha como lona perene da sua barraca. Seu carro é azul e as portas da sua casa também.
Os dois se odeiam. Nos tempos normais, sem a festa das barracas, odeiam-se cordialmente. Na época da festa, a desavença torna-se incontrolável.
A Diana, com suas duas cores, não merece a confiança de nenhum dos dois. Cada um acha que ela se rebola mais animada para o lado da saia do cordão contrário.
“Ela é azulada”, diz Ivo. E a olha com desdém. “Ela nunca desencarnou”, afirma Canindé. E a trata com desconfiança.
E assim, intolerantes, levam a vida num inferno de disputa sem trégua. Não há bandeira branca, que é mistura das cores; nem preta, ausência dos matizes.
Ou o céu escancarado ou o sangue derramado. Não frequentam o mesmo bar, a mesma igreja nem torcem pelo mesmo time. Nas Copas do Mundo, um veste camisa azul e o outro camisa amarela. Ivo reclama de não ter vermelho na nossa bandeira. E Canindé adora quando o Brasil joga com o terno azul.
Se o padeiro português deixar o pão mais tostado, Canindé o acusa de barraqueiro avermelhado. Se o pão ficar pálido, Ivo o acusa de traíra. “É preciso tostar bem pra casca ficar vermelha”.
A vida deles não comporta neutralidade nem isenção. Ou é tudo do seu lado, ou é tudo do lado oposto. Ninguém pode apreciar mérito algum nos dois cordões. Nem defeitos. Ou cada cordão é a cor agregada feito tatuagem ou é a cor a ser expelida, sem a menor chance de convivência. Té mais.
François Silvestre é escritor
Parabéns meu Caro François Silvestre, mas seria uma crônica em forma de metáfora quanto ao momento atual da Terra de Pindorama, tão fecundo quanto perigoso momento por que passamos como nação … ou, digamos UMA METÁFORA EM FORMA DE CRÔNICA….!!!???
Um baraço
FRANSUÊLDO VIERA DE ARAÚJO.
OAB/R 7318.
Alcançaste.
Beleza, François! Dei um pulo na maneira de se fazer política no meu sertão, aqui, na festa das barracas. Jeito apaixonantemente peculiar. Não o vejo noutro canto. Não que seja aquele menos ou mais bonito como o do meu agrado, mas a tipagem do sangue nordestino vem em cores, as letras dançaram.