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domingo - 19/02/2023 - 10:38h

Os 10 mandamentos da produção de leis

Por Josivan Barbosa

O ano legislativo iniciou-se no dia primeiro de fevereiro e em apenas uma semana já haviam sido apresentados ao Congresso Nacional 441 projetos de lei ordinária e 22 de lei complementar.Produção legislativa, Constituição, projetos de lei,

É bem verdade que a função primordial de deputados e senadores seja discutir e aprovar normas, ao lado de fiscalizar o Poder Executivo, mas essa inflação legislativa tem um alto custo para a sociedade. Concebidas sem critérios, muitas vezes para dar resposta a algum acontecimento marcante ou para atender a pleitos de segmentos da sociedade, as novas leis costumam onerar cidadãos e empresas com obrigações excessivas ou criar despesas ou isenções que serão arcadas por toda a coletividade.

Embora sem ilusão de influenciar o trabalho de nossos parlamentares, apresento uma lista de recomendações que poderiam dar mais racionalidade à produção normativa no Brasil.

1º) Amar as evidências sobre todas as coisas.

Qualquer pessoa que se dê ao trabalho de ler as justificativas de um projeto de lei vai constatar que elas em geral não são base adas em estudo, estimativa de impacto ou resultados de experiências-piloto. O achismo é o principal guia do trabalho parlamentar. O Brasil possui produção acadêmica de relevo e existem boas experiências no exterior que podem ser replicadas aqui. Além disso, nos últimos anos aumentou a disponibilidade de dados sobre políticas públicas e foram desenvolvidas metodologias para se realizar avaliações de impacto regulatório. Não há razões para se propor nova norma sem a apresentação de evidências justificando sua aprovação.

2º) Não adorarás isenções tributárias.

A causa determinante para o caos tributário em que vivemos e o crônico déficit fiscal reside na criação desenfreada de isenções, alíquotas reduzidas, tratamentos diferenciados e regimes especiais voltados para estimular as mais variadas atividades econômicas. Neste momento em que o Congresso se prepara para discutir a reforma tributária, não há melhor forma de tornar o sistema tributário simples, eficiente e sem burocracia do que tratar os setores de forma uniforme, com o mínimo possível de isenções.

3º) Não usarás o santo nome da sociedade em vão.

Gerar empregos, estimular o desenvolvimento nacional, incentivar a inovação, proteger a privacidade… Em nome dos mais nobres objetivos são instituídas distorções no sistema econômico e lançadas as sementes da insegurança jurídica.

Em vez de apontar a sociedade como a grande beneficiária de seus projetos, os parlamentares deveriam abandonar os disfarces e indicar os reais patrocinadores das suas propostas.

4º) Santificarás a renda do consumidor antes de conceder um benefício para determinado grupo.

A cada meia-entrada concedida a alguém, os outros arcam com um preço mais alto para compensar; a cada proteção concedida a um determinado setor, é o consumidor quem paga mais caro em decorrência da redução da concorrência. Deputados e senadores precisam entender que aumentos de custos são repassados ao consumidor final, e que o brasileiro não aguenta mais pagar tanto por tão pouco.

5º) Honrarás o produtor e a empreendedora.

Obrigações, padrões, declarações, vistorias, atestados, alvarás e afins: não se está aqui advogando o fim de todas essas exigências, numa espécie de “vale tudo” para as atividades empresariais.

Recomenda-se, porém, que a razoabilidade e a proporcionalidade sejam os princípios a guiar o estabelecimento de novas imposições a quem produz e empreende. Precisamos de bom senso, acima de tudo.

6º) Não proibirás (sem saber como fiscalizar e punir).

A cada tragédia com repercussão nacional proliferam projetos de lei com novos tipos criminais, penas e multas mais altas ou proibições de atividades. Parlamentares parecem acreditar que a legislação, por si só, coibirá ações reprováveis. Na maioria das vezes, essas propostas não vêm acompanhadas de meios para se melhorar a fiscalização e muito menos de uma simplificação dos procedimentos administrativos e judiciais que, pelo excesso de recursos e outros estratagemas, garantem a impunidade de criminosos – sobretudo os mais poderosos.

7º) Não instituirás novas homenagens.

Não há mais meses no calendário para tantas campanhas de conscientização. Tampouco sobram dias para se homenagear profissões, assim como todas as rodovias federais, viadutos e pontes já foram batizados. Imagino também que todos os municípios já são “capitais nacionais” de alguma coisa. Vamos descongestionar a pauta do Legislativo, por favor.

8º) Não incluirás todos os temas no currículo escolar.

Educação é essencial para o desenvolvimento e a redução das desigualdades, mas incluir no currículo escolar todo e qualquer tema que aparenta ser relevante não vai resolver os nossos problemas. Deputados e senadores deveriam evitar modismos e lobbies e trabalhar para que as escolas, antes de qualquer coisa, garantam um ensino de qualidade nas disciplinas básicas.

9º) Não levantarás falso testemunho contra o planejamento nacional.

Planos e políticas nacionais são inócuos se não tiverem a indicação de responsáveis, metas, etapas, cronogramas e procedimentos de avaliação de resultados. Nós, brasileiros, temos obsessão pelo planejamento. Pena que a maior parte deles não sai do papel. Antes de lançar um novo programa nacional sobre qualquer assunto, parlamentares deveriam cobrar a execução dos que já existem.

10º) Não cobiçarás um tratamento especial para o teu próximo.

Carga tributária elevada, infraestrutura ineficiente, mão-de-obra pouco qualificada, insegurança jurídica, juros altos. São inúmeros os males que afligem a economia brasileira. Porém, em vez de trabalhar para corrigi-los, boa parte da atividade de deputados e senadores concentra-se na concessão de benesses que compensar essas mazelas em determinado setor. Em vez de vender facilidades para alguns, nossos parlamentares deveriam trabalhar para apresentar soluções para alguns, nossos parlamentares deveriam trabalhar para apresentar soluções para todos.

Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito

*Texto publicado originalmente no Valor Econômico – 13/02/2023

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Categoria(s): Artigo

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