O tempo não apaga as lembranças; no máximo, o entardecer da vida faz arrefecer o calor de um coração inundado de saudades. Mas apagar? Apaga não. Assim foi com Arlindo, quando retornou à casa de seus avós depois de muitos, muitos anos. A velha casa estava fechada há tempos. A briga pela herança de pouca monta impedia que o processo de inventário terminasse. Recursos, embargos, impugnações e chicanas de toda sorte faziam a marcha processual emperrar. Os autos do processo sempre estavam conclusos para o juiz prolatar alguma decisão.
Ele fora criado pelos avós maternos desde a mais tenra idade. Toda vez que ouvia a música Avôhai, de Zé Ramalho, sentia um nó na garganta. Vinha à memória a figura de seu avô-pai. “Um velho cruza a soleira de botas longas, de barbas longas”. De sua avó lembrava-se do carinho. De vê-la ao seu lado quando ele estava doente; dos intermináveis “sermões”. Sentia o gosto do arroz de leite e da carne de sol preparados por ela.
Quando completou dezoito anos de idade, mudou-se para a casa de um tio, numa cidade grande, em busca de um futuro promissor. Lembrava-se do dia de sua partida. O seu avô já tinha falecido à época. Contudo, a sua avó, já avançada em anos, despediu-se com lágrimas nos olhos. Deram-se um abraço apertado, daqueles que aquecem a alma.
Infelizmente, tempos depois, quando sua vó faleceu, ele não pode comparecer ao velório, pois morava longe e o dinheiro era contado. Penitenciava-se por essa imperdoável falta. Entretanto, na primeira oportunidade, voltou à sua cidade; foi rever o local onde viveu os doces anos da infância.
Parafraseando a bela canção de Roberto Carlos, ele foi abrindo a porta devagar, mas deixou a luz entrar primeiro, todo o seu passado iluminou-se, e entrou. Em cada canto da casa, lembranças. Os móveis, deteriorados pelo tempo, estavam cobertos por lençóis empoeirados. Foi até a cozinha, os utensílios ainda estavam lá, do jeitinho que sua avó gostava de arrumar. No seu antigo quarto, os brinquedos permaneciam na estante.
Ao olhar a máquina de costura que sua avó trabalhava, incansavelmente, emocionou-se. Lembrou-se que, quando era criança, gostava de ficar ao pé da máquina, brincando, enquanto sua avó preparava o almoço, contando histórias e estórias. E riam, riam, riam.
Arlindo se sentou no chão, próximo à máquina, tecendo na mente um passado de inúmeras memórias afetivas.
Por um instante, o seu corpo arrepiou-se. E sentiu, mais uma vez, o abraço carinhoso da sua vó.
Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos
Eita saudade que essa crônica despertou nas minhas memórias! Saudades do meu avô e da minha avó! A casa está lá, conservada e cuidada por uma tia que nunca saiu de lá. O aconchego de casa de avós não se perde na linha do tempo. Parabéns pela crônica! Um lindo presente!
Verdade, cara Bernadete. A casa de nossos avós desperta muitas lembranças e saudades.
Que bom que gostou da crônica.
Um abraço e uma abençoada semana.