Por François Silvestre
…e a bunda que impediu um golpe.
Pensa você que cito uma piada? Não. Uma ficção graciosa? Também não. É o relato de um fato real da nossa República. Essa República retalhada, cujos retalhos formam uma coberta esgarçada, tecida com fios de estopa.
Pois conto. No segundo governo da República, eleitos Prudente de Morais e Manoel Vitorino, aconteceu esse fato. Prudente perdera para Deodoro, na primeira disputa. Floriano fora eleito vice-presidente na chapa de Prudente.
Os florianistas tentaram convencer Floriano a permanecer na presidência. E ele próprio cogitou disso. Mas, a eleição de Prudente de Morais, a primeira eleição de fato, esfriou a tentativa. Até pelas ligações de amizade e a condição de aliados de Floriano e Prudente.
Era o segundo período republicano. De 1894 a 1898. Em Novembro de 1896, Prudente adoece, e o baiano Manoel Vitorino assume o governo. Se não erro, acho que Vitorino foi o único baiano que assumiu a presidência. Passam os meses de Novembro e Dezembro daquele ano, entra 1897 com Vitorino na presidência. Em começos de Fevereiro, Prudente de Morais, curado, informa que já pode reassumir a presidência. Manda recados a Vitorino, que nada responde.
Prudente de Morais convoca seu conselheiro Bernadino de Campos, mineiro que fez carreira jurídica e política em São Paulo, tendo sido inclusive governador daquele Estado, para intermediar o acerto de transmissão do cargo com o presidente interino. Bernardino de Campos vai ao Palácio falar com Vitorino, várias vezes. O interino ouvia, ora silenciava, ora dizia não haver pressa.
Bernardino informa a Prudente que não adiantava sua intermediação. Então Prudente decide de outra forma. Primeiro, pede a Bernardino que faça um mapa do Palácio com a localização do gabinete presidencial. Você pergunta: “Como assim, Prudente não conhecia o Palácio”? Exatamente. Prudente não conhecia o Palácio.
Durante a interinidade de Manoel Vitorino, ele comprou o prédio do antigo Palácio Nova Friburgo, de herdeiros falidos, com problemas hipotecários, e transferiu a Presidência da República do Palácio Itamaraty, no centro do Rio, para esse novo Palácio, agora denominado do Catete. Bernardino fez o mapa, e informou a Prudente que Vitorino chagava ao Palácio rigorosamente às nove horas da Manhã.
Prudente de Morais desce de Petrópolis, onde esteve doente, hospeda-se numa pensão na Rua do Príncipe, hoje Silveira Martins, oitão do Palácio do Catete. Na manhã seguinte, às oito horas da manhã, dirige-se ao Palácio. O corneteiro, ao avistá-lo, executa o toque de praxe. Todos pensam que Vitorino havia chegado cedo. Prudente entra no palácio, empertigado e sisudo, dirigindo-se para o gabinete da presidência.
Quando Manoel Vitorino chega, toma conhecimento, vai ao Gabinete. Ao entrar, recebe o bom dia de Prudente, sentado na sua cadeira, que lhe informa: “Senhor vice-presidente, reassumi a presidência da República, mande algum servidor pegar seus pertences pessoais e transferir para o gabinete que o senhor escolher”.
Era começo de Março de 1897.
Foi ou não foi uma bunda na cadeira que impediu mais um dos golpes ou tentativas deles que abundam na República?
François Silvestre é escritor
Mestre François, como sempre, genial.
A bunda, claro, além de simbolo da beleza tupiniquim, têm essas facetas na nossa história, sobretudo quando contadas sob o flagrante da pena leve, inteligente e talentosa do nosso François Silvestre em suas CRÔNICAS historiadas de rematadas experiencias e sabedorias de profundo conhecedor da nossa história dita republicana que deveras é.
Alias, claro da invenção da bunda feminina como imagem/personagem nacional que permitiu a emergência de lutas simbólicas sobre a mestiçagem e colonialidades. Inúmeras representações, performances, corporalidades, manifestações culturais e artísticas no Brasil, recriam modos de expressar e de se identificar através do nosso mais que famoso famoso “baixo corporal”.
De simbolo da beleza feminina nacional , utilizado em tempos antanhos, inclusive em outdors e mensagens televisivas para fins de turismo em suas mais variadas formas e práticas comerciais. A bunda, como imagem e simbolo da mulher brasileira, sobretudo de origem negra, a bunda abunda e nos traz neologismo como cadeiras, pandeiros e desbundes etc, desde sempre.
Tanto que, vetustos mestres e professores quando impacientes com a indisciplina e falta de utilização prática de neurônios de alguns dos seus alunos, inclusive em salas de aula e de forma metafórica, muitos desses professores e mestres nos “ensinam” que, para realmente aprendermos de “vera” melhor invariavelmente setarmos a bunda e queimarmos as pestanas.
E assim a nossa roda de linguagens, inclusive corporal, bem como nosso manancial de histórias com origens lusitana, europeia, africana em suas multifacetadas matizes, cores, sons, imagens e expressões carregaram e carregaram nossa identidade impar como nação e povo desde sempre.
Caetano Veloso quando compôs a antológica e impar musica LÍNGUA, não só deixou sua indelével marca como grande compositor e cantor que é. Mais ainda, nos legou um documento sonoro, musical e linguístico, demonstrando o quanto potencialmente somos ricos, inclusive na órbita cultural em sua multifatoriedade e originalidade.
aliás Errata
* Além, claro…