Não sei se quem defende que a medicina seja um sacerdócio, são os mesmos que aceitam que se paguem cachês de mais de 200 mil reais, aos que têm o dom do sagrado… Porém, o que sei mesmo é que não se faz mais sacerdotes como antigamente. E bote antigamente nisso!
Ta lá no fabuloso livro de Victor Hugo, “Os miseráveis”, que em 1815, o senhor Charles Myriel era bispo de Digne. E esse bispo era digno mesmo: não possuía bem algum; trocou a sua residência, de quartos suntuosos e amplos, para viver nas instalações acanhadas do edifício do hospital; dividia o seu salário de 15 mil francos, entre os necessitados, a ponto de ficar com apenas 1000 francos para as suas despesas pessoais…
O fato é que “somas consideráveis passavam em suas mãos, sem que lhe acrescentasse o menor supérfluo ao que lhe era necessário…”.
Pois bem, o senhor Myriel era não só um sacerdote, mas um sábio também. Veja o que ele, certa vez, disse em uma de suas pregações: “Pecar nunca é o sonho do anjo. Tudo que é terrestre está sujeito ao pecado. O pecado é uma gravitação… errem, caiam, pequem, mas sejam justos”.
E justiça seja feita, a prefeita de Natal (Micarla de Sousa-PV) – voando como uma borboleta, gravitando pelos céus, se esquecendo que o mundo não se limita apenas à beleza de suas asas… – pecou. Pecar, segundo o filósofo Jean-Yves Leloup, “é errar o alvo”.
E a prefeita errou feio neste natal de Natal. Errou o alvo, e por isso pecou, ao gastar milhares e milhões de reais na iluminação natalina, na realização de mega-shows, etc. etc. quando o foco, o alvo, deveria ter sido outro.
Eu sei a importância do “pão e circo” para a população… Mas sei também da importância do que alertou o bispo Myriel: “Coloquem pobres, famílias, velhas senhoras e criancinhas dentro dessas habitações, e verão a febre e as doenças!”.
E a prefeita, deslumbrada com as suas asas, esquecendo a calamidade da gripe suína batendo em nossas portas, preferiu aderir à ilusão da comédia que a realidade da tragédia.
E é trágica, acanhada e pífia a política de saúde do nosso município: postos sucateados, faltando médicos, faltando vigilantes, faltando medicamentos; enfermeiras sendo “obrigadas” a assumirem o papel de médicos (pense que vai ser interessante agora, tê-las do nosso lado respondendo judicialmente por deslizes profissionais. Afinal, sofrimento que se sofre junto, se torna menos sofrível…), entre outros absurdos…
Tudo bem, eu sei que a sabedoria Eclesiástica nos diz: “Nada de novo debaixo do sol”, mas não foi para isso que a “lepidóptera” prefeita foi eleita… Milan Kundera afirmava que “quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira”.
Portanto, a prefeita precisa completar o seu ciclo biológico com urgência: quem sabe voltando a ser lagarta de novo, com os pés bem plantados no solo passe a enxergar melhor os problemas de Natal (só cuidado para não cair, nos diversos buracos da nossa cidade!).
Termino, lembrando-o, caro leitor: se pecar – Ai meu Deus, haja sacerdote para tanto pecado! -, é errar o alvo, estaríamos pecando em colocar toda a culpa só nas asas da prefeita. Claro que somos também culpados.
Não foi à toa que o magnífico Nelson Rodrigues, um dia, se lamentou: “Em Brasília somos todos inocentes e somos todos cúmplices…”. E a nossa cumplicidade, em aceitarmos políticas desastrosas em nossas cidades, tem que ter um fim.
Basta de pagar tantos impostos (o IPTU de Natal aumentou, pra que?)! Basta de continuarmos ignorantes e omissos! Afinal, o bispo Myriel, aquele mesmo pobre de Jó, já gritava: “Vergonha é ficar toda a vida ignorante… aos ignorantes, ensinem o máximo de coisas que puderem; a sociedade é culpada por não ministrar a instrução gratuita; ela é responsável pelas trevas que produz. Uma alma cheia de sombras é onde o pecado acontece. A culpa não é de quem pecou, mas de quem fez a sombra”…
Edilson Pinto é escritor, professor e médico
Parabéns, Edilson. O seu artigo merece o meu aplauso. Como é bom, depois de tantos feriados e de tantas notícias ruins vindas do sul do país, encontrar no Blog do Carlos Santos, o seu artigo Os Miseráveis. Siga assim e nunca pare.
Olha Sr. Edilson tive multiplos orgásmos com essa leitura, cara sensacional, vc acertou em cheio. É chegada a hora que a prefeita lepdóptera venha tomar consciência da realidade na qual se encontra a maravilhosa cidade do Natal. Fantastico seu artigo. Cara parabens!!!
Edilson,Você deveria falar sobre “Jean Valjean”,outro personagem do lívro que disse uma frase célebre:”Morrer é quase nada,difícil é não viver”Bem atual!!!
parabens a este espaço democratico pelo interesante artigo.
Amigo, esse texto foi magnífico! Já adicionei seu blog a minha lista de leitura diária
Parabéns Edilson. Fazia tempo que não lia um artigo tão lúcido, genial e verdadeiro. Só lamento é que nossos governantes e políticos de um modo geral, não param para ler artigos como esses, pois eles apenas leem matérias ligadas às fofocas da politicagem, (quem conversou com quem, quem fica com quem, quem vai trair quem e por aí vai). Enquanto isso, os “pecados”, deles, políticos, vão se acumulhando dia a dia.