Por Marcos Araújo
Tenho lido com frequência sobre essa onda de protestos que tomou conta do nosso país. De psicólogos a juristas, de sociólogos a analistas políticos, de iniciantes a jornalistas experimentados, ninguém ainda descreveu com precisão como nasceu ou quando terminará essa movimentação social. Em um ponto há concordância geral entre eles: o Brasil acordou!
Pelas imagens que vejo na televisão, a grande massa é formada por jovens. E isso me deu ânimo e esperança. Como já dizia o Papa João Paulo II em carta direcional aos jovens, “a esperança está em vós, vós sois o futuro e o futuro pertence a você.” A juventude deve assumir o seu papel de protagonista na sociedade.
A palavra protagonista vem do grego πρωταγωνιστής (protagonista), formada de πρῶτος (protos = primeiro) e ἀγωνιστής (agonista = lutador). Etimologicamente, por ser protagonista, o jovem deve ser o “primeiro lutador” por uma sociedade melhor, mais fraterna, justa e solidária.
Contudo, nessa marcha para o futuro, vejo com preocupação crescer a turba dos jovens que se escondem por trás de máscaras de Guy Fawkes, ou que fazem de suas camisas uma espécie de balaclava improvisada. As balacravas são associadas geralmente a atividades ilícitas. Mesmo quando as forças do Estado (Polícias Federal ou Estadual) fazem uso desse instrumento, têm o propósito definido de ocultar a identidade dos seus agentes, e com isto dificultar a autoria de eventuais abusos.
Um desvio da finalidade do instrumento, uma vez que a “balaclava” foi criada para a proteção do frio. Seu uso tem origem na guerra da Criméia. Na localidade de Balaclava, na Crimeia (Ucrânia), gorros de lã foram tricotados e enviados a tropas britânicas para protegê-las do frio extremo.
Pois bem. No Brasil do presente, ao invés de frio, onde tem uma “balaclava” tem fogo. Seu uso tem escondido a face da cidadania, da verdade e da alteridade das boas intenções. Esses disfarces oportunistas ocultam a identidade dos que, desprovidos de senso de coletividade, se infiltraram nas hostes para saquear, roubar, agredir ou extravasar suas degenerações psicológica e moral. Lembro um exemplo recente: os sequestradores de Fabinho Porcino usavam balaclavas…
Por outro lado, uma imensa maioria dos jovens, ordeira e pacífica, reclama indistintamente de tudo, sem uma pauta específica de reivindicações, fazendo com que a classe política aja por adivinhação. Com matreirice e experiência inata, a Presidente Dilma sugeriu uma constituinte exclusiva. Henrique Alves colocou a PEC 37 em pauta e gestou para a sua rejeição. Renan Calheiros, pasmem, propôs considerar a corrupção crime hediondo. Mas, os protestos não pararam…
Assim como aconteceu com a Tomada da Bastilha no início do inverno francês do ano de 1789, a população segue fazendo uma revolução em busca da libertação social de anacrônicos males. Se a Bastilha (uma fortaleza medieval que na época tinha apenas sete prisioneiros) tornou-se um dos símbolos da Revolução Francesa, o Movimento do Passe Livre é a nossa “Bastilha”.
Da gratuidade do transporte estudantil, migrou-se para questões bem mais complexas, embora seja notório o despreparo experimental dos que lideram. Faltam ideias, reflexões e conteúdo inspirador filosófico.
Na França do Século XVIII, as ideias de Rousseau e do iluminismo inspiraram profundamente a Revolução francesa. Também parte das revoluções do Século XX tinham a inspiração do existencialismo de Kierkegaard, Edmund Husserl e Martin Heidegger. A preocupação do ser no mundo e suas variadas e possíveis relações com o outro e com tudo ao redor de si fez com que se criasse uma ordem mundial em defesa dos direitos humanos.
Em tempos mais sombrios, onde “as vivandeiras rondavam os bivaques dos granadeiros”, na frase do Marechal Castelo Branco, havia um ideal buscado pela juventude que se rebelava: a democracia era o alvo principal. Lembro que nas Diretas Já o movimento tinha um objetivo definido: a escolha direta do mandatário maior da nação.
Naquelas movimentações, ressaiam verdadeiros líderes, incorruptíveis nos seus valores, inegociáveis em seus propósitos, de sólida formação moral e intelectual. Nas Diretas Já, Teotonio Vilela e Ulisses Guimarães tranquilizavam a nação quanto aos ideais buscados.
Olhando bem a fundo os fatos recentes, se percebe que parte das reivindicações são tardias ou vazias; as lideranças são disseminadas e isoladas por cidades; os pleitos são regionalizados, desconstituídos da visão coletiva de Nação.
Não se pode mais levantar a bandeira contra a Copa do Mundo. Para esse fim, os Estados, entre eles o Rio Grande do Norte, quebraram suas finanças de forma irreversível. Parte dos que se dizem contra, procedem hipocritamente. Não dá para dizer que é contra a Copa e comprar um ingresso para assistir a um jogo em um dos estádios reformados. Isso é falta de coerência! Quando eu disse em sala de aula que era contra a Copa, há uns dois anos, quase era apedrejado.
Além de saúde, educação e segurança, cujo discurso por parte dos governantes de impossibilidade “por causa de Responsabilidade Fiscal’ chega a ser criminoso, não vejo a sociedade reivindicar melhor aparelhamento e agilidade do Poder Judiciário; transparência na gestão pública; fim da indicação política como critério nas composições dos tribunais; a extinção do nepotismo cruzado; o preenchimento dos cargos de confiança na Administração Pública apenas por servidores concursados; financiamento público das campanhas eleitorais; o fim da reeleição…
O jovem protagonista deve pensar em tudo isto e em todas as coisas que lhes distanciam dos seus ideais. Quais são os sentimentos que os movem? Enquanto no passado se cantava “Pra não dizer que não falei das flores” (“caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não, nas escolas, nas ruas, campos, construções”), de Geraldo Vandré, ouço a turba juvenil fazer coro com as canções de Luan Santana, bem ali na Estação das Artes.
Eu creio na força do jovem. Por eles, tenho esperança de um mundo melhor e mais justo. Que ao final desta “revolução”, prevaleça a paz. João Paulo II, o entusiasta da juventude, já dizia: “a paz exige quatro condições essenciais: Verdade, justiça, amor e liberdade.”
Marcos Araújo é professor e advogado