Por Marcos Ferreira
Alguém pode imaginar que toda vez que sentamos à escrivaninha já estamos com uma ideia fermentando na cuca para converter isso em redação, em crônica, conto, romance, poesia. Não. Às vezes é apenas diante da página em branco que nos ocorre aquele estalo inspirativo, uma ideia para um texto ao menos apresentável. Há ocasiões em que de fato nos colocamos à mesa de escrita com um tipo de mote, de leitmotiv, o feijão com arroz pré-cozido e dispondo de certos temperos linguísticos e com uma boa pitada de literariedade. Admito que isso acontece com um pouco maior de frequência. No entanto experimentamos dias como hoje. Falo por mim.
Pois é, hoje não se trata de um desses dias de cérebro fecundo. De toda forma, ao me instalar neste recanto das letras, parece assim (nem sempre) que o assunto necessário para urdir o texto se descortina na minha cabeça.
Não sei explicar direito, mas paira neste recanto da casa uma atmosfera de inventividade, uma aura de engenho. Aqui, à maneira de um para-raios de arte, tudo à minha volta pode resultar em matéria para a elaboração, por exemplo, de uma crônica que explore o lugar-comum de escrever sobre o ato de escrever. O que importa é que neste cantinho de trabalho, nesta oficina abstrata, existe essa coisa de extrairmos da pedra bruta uma peça que se possa classificar como artística.
Arte, quer seja música, literatura, cinema, artesanato) difere por inteiro de outros exercícios profissionais. Pois não se trata de um serviço prático, uma ciência, um ramo objetivo, preciso. Um engenheiro ou arquiteto adquire conhecimentos específicos para tocar adiante as suas edificações e projetos. Não se pratica a medicina sem estudos, aprendizados e experimentações inerentes à profissão, ao juramento e compromisso de salvar vidas. Um advogado, por mais medíocre que se revele, não avança no métier da advocacia sem ao menos lograr êxito na provinha da OAB.
Um pedreiro não constrói uma casa ou até um arranha-céu se não reunir expertise, experiência na sua labuta braçal. Um sapateiro, ainda que das letras, não assegura o pão de cada dia se não for bom no ramo de calçados.
A escrita, portanto, é uma linha de produção imprecisa, sujeita a uma voltagem abstrata. É diversa das ciências exatas. Nunca temos absoluta certeza de que atingiremos o sucesso quando queremos converter em texto supostas intimidades com nosso alfabeto. Fala-se em dom, todavia prefiro chamar isso de pendor, de vocação. Porém vocação não vale nada sem que a pessoa busque se aprimorar, adquirir um mínimo de destreza perante o mister literário. Existem homens de letras que produzem muito pouco, sem um estro prolífero, contudo o pouco que deitam no papel é de uma qualidade inquestionável. Encontra-se em Mossoró e no mundo inteiro (permitam-me esta indelicadeza) escritores que têm uma prenhez de coelhas, já com trinta ou cinquenta livros publicados, embora tragam a lume uma produção de saúde muito fraquinha.
Ninguém pode contar vantagem diante de uma página em branco. Pois o risco de o sujeito ser derrotado pelo monstro da infertilidade é iminente. Tanto é, isto no que me toca, que agora meu discernimento me parece prejudicado e não estou convicto de que estas linhas podem ser vistas como apreciáveis.
Não raro, entretanto, me sinto hipoteticamente beneficiado pela atmosfera criativa que este recanto das letras me proporciona. Então, aos trancos e barrancos, costumo sair vencedor neste arriscado octógono da literatura.
Marcos Ferreira é escritor