Por Marcos Ferreira
Duas e cinquenta e cinco da madrugada. Levanto-me para ir urinar e sinto que o sono foi-se embora. “Acho que a quetiapina falhou de novo”, penso com meus botões. Os galos palestram cheios de entusiasmo. O que tanto será que conversam? Não sei. O que sei é que gosto de ouvir esses tenores ao longe. Pois é, ainda há galos, noites e quintais. O bigodudo Belchior ficaria contente com isso.
No mais compreendo que não conseguirei voltar a dormir. Não pelo menos em breves minutos, assim tão depressa. Decido que será oportuno ligar o computador e escrever alguma coisa após vários dias sem produzir uma página. É isso. Vou rabiscar uma historinha enquanto a insônia permanece. Tomo a providência de preparar a cafeteira. Sim, um cafezinho talvez ajude a fazer os pensamentos fluírem. Daí a pouco a cafeteira emite seus últimos estertores. O cheio é ótimo!
Não tomarei banho tão cedo. Lavo apenas os olhos e escovo os dentes; deixo outras abluções para mais tarde. Um vigilante de rua passa apitando sobre uma motocicleta. Os galos seguem com o colóquio em pontos diversos. Sirvo-me de uma pequena xícara de café. Vou tomando a rubiácea com vagar.
Um turbilhão de pensamentos me vem à mente. Nada, entretanto, com muito proveito para a composição desta hipotética crônica. Recordo situações e fatos pretéritos e gasto um pouco do meu raciocínio avaliando bobices, questões futuras. Percebo que não vou bem das pernas na condução deste possível texto para publicar no domingo. Mas é dessa forma. A gente nem sempre governa; certas vezes somos governados pela escrita que supomos apreender e tentamos moldá-la.
Não desejo, porém, descambar para o velho e repisado tema do processo de redação. Não estou a fim de chover no molhado. Melhor dizer algo mais a respeito dos galos, que seguem firmes com as suas canções gregorianas. Há também alguns grilos estridulando em miúdos esconderijos nas imediações.
Em breve explodirá a algazarra dos pássaros que ocupam o condomínio da mangueira no quintal da casa aos fundos. Imagino que consigo ouvir alguns pipilos daqueles bichinhos alados mais madrugadores. Volto à cafeteira e pego outra meia xícara. Dizem que não é algo saudável tomarmos em jejum.
Confiro a temperatura: vinte e dois graus. Seria uma bênção se ao meio-dia não chegasse aos trinta e sete ou mais; isso com sensação térmica de quarenta. Dou seguimento a estas linhas já um tanto cabeceando. É o que estou dizendo. Apesar dos tragos moderados de café, parece que a sonolência está de volta. A passarada iniciou sua festança nos ramos da portentosa mangueira do vizinho.
A solidão me faz companhia na maior parte do tempo. É verdade. Vivo só há quase vinte anos. Estou habituado. Mas existem ocasiões em que penso que baterei as botas a qualquer instante sem que ninguém fique sabendo. Sentirão minha falta depois de longo tempo e aí um chaveiro dará um jeito de abrir a porta. Desse modo encontrarão o meu corpo em avançado estado de enrijecimento.
Mas não falemos (perdoem este sapateiro das letras) acerca dessas questões funestas, de nada disso que possa representar melancolia, baixo astral nem pessimismo. Não posso morrer agora. Como eu costumo dizer, o preço do caixão está pela hora da morte. Quiçá as Olimpíadas sejam uma boa saída; assunto melhor para se abordar. Acontece que estou por fora dos jogos olímpicos. Tenho visto meramente um fragmento aqui e outro acolá quanto aos eventos esportivos que se passam em Paris. Futebol?! O tal do Brasileirão?! Está por completo longe do meu campo de interesse. Não tenho nadica de nada a dizer concernente a esse aclamado esporte.
Bem, prezados leitores, é chegado o momento de colocarmos um ponto final nessa conversa-fiada. Espero que noutra circunstância, quando a literatura estiver menos arisca, menos arredia, eu lhes ofereça uma narrativa digna do tempo e atenção de vocês. Escrever não depende tão somente de vontade própria.
Marcos Ferreira é escritor