Com todo respeito aos organizadores e artistas envolvidos no evento infantil de que vou tratar e…tudo o mais, choquei-me ao passar neste fim-de-semana ao largo da murada da Cidade da Criança – lugar onde passei bons momentos de minha infância – e ver, em uma faixa estendida para a avenida Prudente de Moraes, os dizeres do título aqui colocado: “Palhaços, pipoca e picolé”; e, acima da “tríade em P” estava, em letras maiores: “SHOW DE KELLY KEY”.
Confesso que freei o carro, rápida e bruscamente, com o susto e a agressão frontal que senti receber! Perguntei-me, imediatamente: A Cidade da Criança não é mais patrimônio público? As crianças desta cidade do Natal e de nosso Estado não podem ter, em ambientes onde impera – ou deve imperar – o interesse público, alternativas culturais edificantes, que conduzam a melhores formações, mesmo que dentro do caráter lúdico que as anima?
Será que estaremos sempre condenados aos restos da cultura importada do Sul “maravilha”? (Ai, lembrei-me da açucarada “Mara Maravilha”, outra teratologia artística que – parece – ainda ronda por aí!).
Continua impressionante o pouco caso com que algumas autoridades públicas (vale lembrar, en passant, o que está acontecendo com a Biblioteca Câmara Cascudo) ou promotores de evento desta terra têm tratado com a nossa cultura e (por que não?) com as nossas crianças (público em formação, que poderia receber inúmeras outras alternativas, com elementos formativos e informativos e fartos elementos lúdicos).
Algum desses gênios promotores de eventos já pensou, por exemplo, no show de Adriana Calcanhoto para as crianças? Será que a razão é o valor do espetáculo? Ora, como se o lucro não viesse depois, em qualquer das hipóteses! Outra hipótese a ser pensada é o aproveitamento (no melhor sentido da palavra, frise-se!) dos artistas locais. E são muitos e bons!
É claro que, para isso, haverá necessidade de lances criativos, que possam integrar os artistas locais em espetáculos honestos e com qualidade. Será que não há uma outra proposta mais interessante, que possa cativar o público infantil, a não ser a cantora de "Baba Baby" ou, sei lá, cachorrinhos e cachorrões?
Afinal, quem são os palhaços mencionados na faixa, senão os próprios cidadãos, que, com seus impostos, patrocinam, direta ou indiretamente, espetáculos “culturais” de gosto muito mais que duvidoso?
Vamos e convenhamos, já chegamos num ponto muito perigoso de descaso com nossa cultura genuína! Depois se reclama do protecionismo exacerbado (reconheça-se que, às vezes até teatral) que Ariano Suassuna e outros ícones da cultura nacional patrocinam à cultura armorial ou outras vertentes da cultura nordestina e/ou brasileira.
Eu, amigos, que não sou palhaço, não sei se ainda gostarei, doravante, de pipoca e picolé, quando na primeira vai tão pouco sal e, no segundo, tanto açúcar.
Lívio Oliveira é advogado público federal e escritor.
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