domingo - 30/03/2025 - 06:32h

Pão nosso de cada dia

Por Marcos Ferreira

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Presumo que poucas pessoas se interessem por esse conteúdo, por essa informação. Pois se trata, a bem da verdade, de uma sensaboria, algo de quem parece não ter coisa melhor para dizer. Teimoso, porém, vou contar esta história insípida. É que hoje acordei cedo. Cedinho mesmo: pouco depois das quatro da madrugada. A bexiga estava de fato nas últimas, então fui ao banheiro e não consegui reaver o sono. Volta e meia isso acontece; uma emergência fisiológica. Ainda assim, com o quarto na penumbra e naturalmente frio, retornei para a minha rede e os cobertores.

Vocês sabem que em ocasiões dessa ordem, quando a gente se encontra insone por inteiro ou parcialmente, mil e uma maluquices nos vêm à cabeça. Então nos alcança um monte de besteirol, pessoas e meio mundo de lucubrações. No meio disso, fato corriqueiro, vêm ao meu juízo determinados temas que julgo aproveitáveis, com certo potencial para converter em uma crônica garranchosa.

Recordei-me, por exemplo, de uma dúzia ou mais de amigos que têm (coloco-me no meio deles) esse alumbramento visceral, comunhão, enlace com o exercício da escrita. Sim. É o que estou dizendo. Somos, de forma saudável, reféns espontâneos e um tanto orgulhosos dos vencilhos, das amarras da escrita. Como no verso de Camões, é estar preso por vontade, é servir a quem vence o vencedor. O bardo caolho é fora de série, extraordinário, um fenômeno da poesia. É incomparável.

Então penso, após todo esse nariz de cera, nos meus pares, nos meus amigos literatos, homens e mulheres dominados pelo micróbio da literatura. Alguns desses indivíduos inéditos em livro (por razões que a própria razão desconhece) seguem fugindo da raia, fazem ouvidos moucos ao chamado da Literatura. Lembro, mas que isso fique apenas entre nós, de figuras preciosas e cheias de hesitações como nosso querido arquivo ambulante Rocha Neto. E não apenas o Rocha. Há outros desertores da tinta e do tinteiro nesta Macondo nordestina. Faço aqui a vez de dedo-duro.

O que tanto esperam (insisto que esse assunto fique só entre nós) os senhores Marcos Araújo, Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Ailson Teodoro, Raquel Vilanova e, entre outros, Bernadete Lino? Pois é, meus caros. A senhora Bernadete Lino, pernambucana que mora em Caruaru, tem o que verter para o papel. Ela, que me oferece a honra de sua amizade e tem um forte elo com nossa terra, possui uma biografia muito bonita. Estou certo de que um livro seu de memórias, considerando a clareza de seu pensamento e intimidade com nosso idioma, seria uma ótima contribuição às letras. João Bezerra de Castro, gramático vocacionado, pode afiançar o que digo.

A labuta da escrita, perdoem esta metáfora talvez de mau gosto, representa o nosso pão de cada dia, mesmo em se tratando (repito) de personagens que ainda não estrearam em livro. De repente alguém pode saltar e dizer que estou cobrando dos outros uma produção que eu próprio não reúno. Quem isto afirma não está de todo errado, considerando que sou autor de um só livro publicado.

Todavia, para quem não sabe, possuo quase dez títulos inéditos nos gêneros romance, contos, poesia e crônicas, tudo isso à espera de melhores horizontes financeiros ou da possibilidade de ser pego no pente-fino de concursos literário que oferecem premiação em dinheiro e, no mais das vezes, publicam a obra vencedora. Este é o caminho que percorro há tempos.

Ressalto, claro, que estou a anos-luz da fecundidade, da prenhez e dos recursos econômicos de autores de minha estima como Clauder Arcanjo, Ayala Gurgel e o prolífero e versátil Marcos Antonio Campos, três mosqueteiros, três espadachins bem-sucedidos nos salutares duelos com a arte do fazer literário.

Além desses três, e não menos meritórios, temos no País de Mossoró e no estado manejadores da língua portuguesa bem-aventurados como Vanda Maria Jacinto, Fátima Feitosa, Dulce Cavalcante, Margarete Freire, Lúcia Rocha, Júlio Rosado, Caio César Muniz, Cid Augusto, Jessé de Andrade Alexandria, Crispiniano Neto, François Silvestre, Carlos Santos, Inácio Rodrigues Lima Neto, Airton Cilon, Thiago Galdino, Marcos Pinto, Francisco Nolasco, David Leite, Honório de Medeiros, Antonio Alvino e, devido às condições da memória, outros mais que ora não recordo.

Todos, com um nível maior ou menor de arrebatamento, buscam esse pão nosso de cada dia que resulta em crônicas, contos, romances, poemas. No que me toca, enquanto cativo deste mister de arranjar palavras e exibi-las em páginas com um mínimo de qualidade, produzo coisas desse tipo: uma crônica um tanto quanto prolixa, mas sempre com a mão na massa do verbo do qual nos alimentamos.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Mário Gaudêncio diz:

    Cada vez que leio o poeta Marcos Ferreira, me sinto uma pessoa melhor! É a Força do escritor e a grandeza de sua literatura.

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Mário Gaudêncio,
      Já tentei agradecer por suas palavras tão motivadoras neste espaço, porém houve algum problema no registro de meu agradecimento e não sei se o texto foi salvo ou se perdeu. De qualquer modo, amigo, aqui deixo novamente meu muito obrigado por sua mensagem de estímulo e carinho.
      Abraço.

  2. Amorim diz:

    Bom dia Caro Poeta e Cronista , sempre quando informo onde estou digo: estou no.PAIS DE MOSSORÓ, entretanto se me perguntarem porque país de Mossoró eu não sei a história desta denominação; por isso solicito deste Amigo a origem desta denominação.
    Um abraçaço

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro Amorim,
      Grato por sua leitura e opinião acerca destas crônicas que dominicalmente publico aqui no BCS. Desejo a você uma semana com muita saúde e paz.
      Abraço.

  3. Francisco Nolasco diz:

    Valeu, Ferreira… Mente fertilíssima!
    Como diria, Sodré, caminhemos com a nossa dor de menino acanhado que a Massa precisa da massa!

    • Marcos Ferreira diz:

      Amigo poeta Francisco Nolasco,
      Você, mais uma vez, com uma boa opinião lastreada em músicas de alto nível. Muito obrigado. Uma semana de paz e saúde para você e os seus.
      Abraço.

  4. Airton Cilon da Silva diz:

    Quando, escrever vira uma necessidade, um impulso de alma, não tem mais volta, você vai escrever pelo resto da vida…
    Estamos nessa luta há anos, comendo do pão que o diabo amassou! Valeu amigo Marcos Ferreira pela citação! Abraços

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado amigo e poeta Airton Cilon,
      Aqui deixo minha gratidão por sua leitura e comentário.
      Feliz semana para você, saúde e paz.
      Abraço.

  5. Julio Rosado diz:

    … nos dai hoje e perdoai nossas ofensas. Impulsivamente complemento o título desta crônica de Marcos Ferreira com a oração do Pai Nosso. E não nos deixes cair em tentação… e é ai que eu me quebro. Vendo meu nome citado por Marcos Ferreira, sobe à cabeça a tentação do pecado da soberba. E, como fosse pouco, o cronista ainda coloca-me entre nomes reconhecidos e relevantes par a literatura local. Certamente me tirou alguns dos poucos pontos que tenho no caminho de minha pretensa santidade (rsrsrs), Padre Guimarães que me abençoes, pois agora, além da soberba, virá a preguiça, pois não precisarei mais escrever para ser reconhecido como autor. Quero agradecer ao Blog Carlos Santos (BCS) por este espaço dominical aberto à divulgação de textos literários e culturais diversificados, independentes, com textos que agradam a todos os gostos. No domingo, o BCS se torna um caderno de Variedades. E agora, me dê licença que eu vou me aprontar para ler Odemirton e o escrivão de Tugúrio (aqui para nós, acho que é um pseudônimo baseado numa personagem da novela O Astro de Janete Clair, rsrsr) o Alexandriense, professor da UFERSA, Ayala Gurgel.

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro Júlio Rosado,
      Você é uma das mais recentes e cativantes figuras que tive a honra e alegria de conhecer aqui por intermédio do Blog Carlos Santos. Conhecê-lo pessoalmente, então, foi um grande prazer. Desejo que sua sensibilidade e inteligência de poeta consumado continuem nos rendendo ainda mais versos cheios de inspiração, como todos esses que você tem produzido com inegável talento.
      Forte abraço.

  6. Bernadete Lino diz:

    Tive a honra de ter sido apresentada, remotamente, ao nobre escritor, através de Joãozinho, que me enviou um texto lindo que descrevia a “Casa Branca”, antes de se tornar “A Casa Branca”, atual, cheia de conforto. Amei a crônica e pedi ao amigo comum que ficasse me atualizando com novas publicações. Desde então, tornou-se um vício saudável, acessar o Blog aos domingos, me identificando com os textos impecáveis. Quando sou citada, fico vaidosa e tímida ao mesmo tempo. A ideia de um livro de memórias, que já foi apresentada em outra publicação, muito me agrada. Quem sabe, mais adiante. Depois de escrever tanto, só me resta agradecer. É uma honra constar de uma lista tão seleta. Conheço alguns nomes citados e, vez por outra, comento outros textos além dos de Marcos Ferreira. Fiquei deveras feliz!

    • Marcos Ferreira diz:

      Querida Bernadete,
      Não há o que agradecer. Eu, sim, é que me sinto grato por nossos “caminhos remotos” terem se cruzado. Sua amizade me faz um bem imensurável. Uma ótima semana para você.
      Beijos.

  7. Thiago Galdino diz:

    Grata surpresa encontrar meu nome em meio a tantos bons escritores nessa crônica dominical. Por aqui, seguimos na batalha feito um Dom Quixote com a pena em riste, meu caro Marcos. Forte abraço!

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Thiago Galdino,
      Você já é um artista da escrita que faz por merecer todo destaque e reconhecimento possível. Tem minha admiração e estima.
      Forte abraço.

  8. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Olá, Marcos!
    Quanta alegria em ter o meu nome citado em sua crônica! Estar entre tantos escritores ilustres, é um prazer sem igual! Você é um grande amigo.
    São essas doses de carinho que nos impulsiona a continuar a luta!
    Abraços saudosos!

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga poetisa Vanda Jacinto,
      Citar você em minhas letras uma vez ou outra é simplesmente por merecimento. Sim, você é mais que merecedora. Uma ótima semana para você, saúde e paz.
      Abraço.

  9. Marcos Araujo diz:

    O que espero, querido Marcos Ferreira? Respondo sem pestanejar: a sua sabedoria infinita em enredar pronomes, verbos, adjetivos e substantivos; cuidado e precisão linguística na construção de frases; o seu talento e esmero único e invejável com as palavras…
    Enfim, nada publico por absoluta incompetência.
    Somente arrisco uns simples rabiscos de crônicas neste espaço, vez por outra, sem qualidade alguma, porque conto com a benevolência do nosso editor Carlos Santos.
    Renovada admiração por você, gigante poeta!

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu querido irmão e xará Marcos Araújo,
      Sinta-se carinhosamente provocado, sim. Você é um prosador de amirável qualidade e vocação para este nosso mister de transformar o mundo à nossa volta em literatura. Sua fulgurante inteligência como pensador e prosador é de se tirar o chapéu. Daí, meu caro, advém a provocação para que reúna as suas belas crônicas em livro. Estou aqui lambendo a rapadura para que esse livro saia o mais breve possível.
      Abraços deste seu amigo e admirador.

  10. Inacio rodrigues diz:

    Só Marcos Ferreira, com sua generosidade gigante, para me colocar em meio a esses grandes nomes, poetas e cronistas de pulsos e ideias firmes. Eu, meu Deus, sou apenas um servidor público querendo sobreviver… abração, Marcos, e obrigado pelo presente!

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu prezado amigo Inácio Rodrigues,
      Você merece todo o aplauso e reconhecimento como homem não apenas de armas, mas também de letras. Sou declarado admirador de sua escrita, da sua competência enquanto prosador. Estou sempre na expectativa de que você nos apareça aqui num domingo qualquer do BCS com mais um conto ou crônica para apreciarmos.
      Forte abraço e uma semana abençoada para você.

  11. RAIMUNDO ANTONIO DE SOUZA LOPES diz:

    Sim, o País de Mossoró, meu caro cronista (e amigo) Marcos Ferreira, é um nascedouro de bons poetas e escritores. Adianto-lhe que assino embaixo sobre os nomes citados, ressaltando que Júlio Rosado escreve “como menino grande”, enchendo-me os olhos com sua poesia meio metafísica, meio dramática. Ô cabra bom! E você, meu caro, uma sumidade na arte de colocar no papel cotidianos que passariam desapercebidos não fosse o olhar de quem consegue transformar uma folha de papel, jogada ao chão, numa crônica atemporal.

  12. Odemirton Filho diz:

    Meu caro amigo, incluir meu nome nesse rol é bondade sua. Apenas gosto de escrever crônicas, sem nenhuma pretensão. Publicar um livro não está em meus planos. Contudo, o futuro a Deus pertence.
    Um forte abraço.

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