domingo - 06/09/2015 - 09:14h

Parágrafos e desmontes gramaticais

Por François Silvestre

I- Parágrafo significa “deixe de escrever bobagem e pare por aí”? Se não, deveria significar isso mesmo. Aqui não se trata dos parágrafos da Lei, até porque Lei aqui, na terra de Cabral, é tudo desprovida de parada sensata; onde há Lei pra tudo e cumprimento pra nada.

II- O parágrafo tem o condão de reduzir o tamanho do texto, resguardando do leitor o custo do cansaço, mesmo que enganadamente.

III- Assim como a pontuação, mesmo que eu não coma pontos, o parágrafo evita que o leitor morra sem fôlego ao ler texto longo, ou escasso de vírgulas, com assunto chato, cansativo, repetitivo, cheio de lugares comuns capitalistamente comunistas.

IV- O ponto encerra a frase, que se encerra no hino chato e nunca à terra desce, por falta de teto de aterrissagem; seja por excesso de sol ou falta de água. Ou vice-versa, sem ser vice.

V- O período agasalha as orações, ave Maria e pai nosso, para enganar o sujeito, esconder o predicado e desviar a atenção dos complementos e adjuntos.

VI- O sujeito é o povo, sujeitim ruim de roer, que se mete a querer cobrar a conta dos predicados, coitados, que tanto se esforçam pra esconder a grana colhida com sacrifício e artifício extenuantes.

VII- Os predicados, múltiplos, que vão de ladrões incompreendidos, até investigadores faroleiros, levam dos sujeitos toda a força retórica da análise sintetizante. E deixam os sujeitos mais pobres, bestamente satisfeitos.

VIII- E sujeitos que não assumem a propriedade da sua terra, se enterram na vala dos complementos. Complementos nominais sem domínio e sem nomes. Adjuntos adnominais.

IX- O país vira oração subordinada, no período composto por insubordinação. Reduzido de infinitivo, na infinita beleza geográfica e reduzida moral da sintaxe política.

X- A reforma ortográfica retira acentos das palavras, mas preserva assentos à corrupção, onde cada um tira sua vírgula do pronome reto e põe o reto do povo no meio do ponto e vírgula.

XI- Na oração subordinada adverbial temporal, o país é a circunstância fora do tempo. Do governo que inventou um mentiroso tempo novo e da oposição que reinventa seu tempo velho. E o sujeito, reinventado adjunto, perde-se entre parágrafos que não param de mentir.

XII- E se são doze os apóstatas, que dos apóstolos se desmancharam em templos de enganação, a venderem lotes no céu, os da morfologia política tomam posse dos seus lotes, de cavalos e éguas, no meio do pátio de orações e processos. Tudo regiamente pago pelos adjuntos adnominais que se julgam sujeitos da pátria de lama.

E assim, gramaticalmente considerados, vamos repetindo o mesmo ramerrão da sístole e diástole que movimenta nosso coração de jegue. Expostos à intempérie da esperteza dos moralistas, à sagacidade dos manipuladores da ética e à sabedoria dos ladrões.

Ponto parágrafo.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

 

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. João Claudio diz:

    Tadin do povo.

  2. Railda Lopes diz:

    Leio sempre os textos de François Silvestre. Nesse, ele se superou. Parabéns por tamanha inteligência!

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