Numa frase certamente escrita por seu ghost-writer (“escritor fantasma”, responsável por discursos), poeta Augusto Frederico Schmidt, o presidente Juscelino Kubistcheck traçava para si uma aura mitológica: “Deus me poupou do sentimento do medo!”
É uma peça de retórica com elouquência de arrepiar, sem dúvidas. Do mesmo tamanho que outra, de igual origem: “Eu não tenho compromisso com o erro”. Ou seja, excelente para justificar mudanças de rumo na política, tão comum ao meio.
Lógico que não sou Schmidt, menos ainda Kubistcheck. Tenho muitos medos; vários.
Posso listar? Não queira.
A maioria pode parecer simples bizarrice, tolice ou insegurança de um sujeito recalcado e incapaz. Mas nenhum ganhará o selo da covardia.
Aviso-lhe logo: de barata, não. O inseto apenas me provoca repugnância, tão somente. Sobre ele, vale citar uma frase bem humorada do grande Stanislaw Ponte Preta ou de Antônio Maria, não lembro: “Não acredito em mulher que não tenha medo de barata”. Ah, tá!
Medo de atravessar a rua, tenho. E preciso ter. Se cruzar a Avenida São João (São Paulo) ou uma vereda qualquer nesse sertão de mãe-preta e pai-joão, sem olhar pros lados, posso ser atropelado por uma Pajero ou um cavalo em disparada, respectivamente.
Medo é como colesterol: colesterol zero faz mal. Demais, mata. Moderação, portanto, outra vez é receita.
Meu primeiro medo? Huuumm! Não lembro. Deve ter passado rapidinho. Não ficou registrado no inconsciente.
Muitos enraizaram-se e ficaram inoculados em mim durante décadas. Alguns foram extirpados pelo enfrentamento. Outros ainda estão cá, alojados, mas em boa parte do tempo, não incomodam. Temos um pacto silencioso de não-agressão.
Durmo e acordo com eles, sem duelarmos por espaço. Caso típico de tolerância mútua. Lembra Julia Roberts no filme “dormindo com o inimigo”. Ela escapou. Eu tenho sobrevivido.
Novos medos chegam naturalmente com a idade, que cruza o “Cabo da Boa Esperança” e aproxima-me do fim. Medo de morrer, em si, não. Tinha-o há algum tempo, mas não por mim.
Temia não poder contribuir o suficiente para ver meus filhos caminhando com as próprias pernas. Hoje, se depender dessa matéria, já posso partir. Eles são caravelas em alto-mar. Zarparam com bússola, conhecem o timão. Mesmo assim, quero ficar mais um pouco, curtindo a parte que me cabe na superfície desse latifúndio terreno.
Outros filhos virão, para fertilizar minha vida. Em forma de livros ou como gente pichototinha – de carne e osso – pra botar nos braços e me abobalhar mais ainda.
Medo de ser apunhalado, traído por amigos? Não mais.
Sei essa dor. Rasga, dilacera, fere, faz sangrar. Mas tem cura. Cicatriza nas novas e velhas amizades, que não deixam o ressentimento fazer morada, nem a vingança ser voz ativa. “Olho por olho, dente por dente”, nem pensar.
Essa récua não merece tanto esforço meu, nem um segundo diário do meu tempo à tanta dedicação. Não possuem valor a tal empreitada. Além do mais, nem “ex” conseguem ser. Não existe “ex-amigo”.
A melhor forma de vingar, é vencer, é se superar; se refazer das cinzas quando a maioria o abandona e quase ninguém acredita mais em ti. Quem fica, fica por você; quem desaparece não some apenas de sua vida, apaga-se.
O medo de perder, no fundo inibe a possibilidade de vencer. E essa glória é um troféu sempre pessoal, tirada do nosso mais íntimo ser. Porém não acredite nos que vencem só. Ao assumirem para si, esse apogeu, promovem a primeira das traições ao sucesso: negá-lo a outros que o ajudaram a construi-lo.
“Faça aquilo que você receia e a morte do medo será certa”, afirmou o filósofo Raph Waldo Emerson.
Isso vale para o pavor de microfone também. Eu já tive, hoje nos respeitamos. Temos uma convivência saudável, mas muitos perdem a voz, não dizem coisa com coisa ou simplesmente correm dele como o diabo da cruz.
E o que ele, o microfone, tem demais? Nada, além de sonorizar nossa voz. Não morde. Mesmo assim intimida muita gente.
Na verdade, sob a ótica da psicanálise – corrente do suíço Carl Jung -, “a fobia é a projeção de um conflito interno.”
Temos medo do desconhecido, porque é cômodo deixar como estar, mesmo que muitas vezes isso signifique nossa ruína. O novo costuma assustar, porque exige a ousadia de sair do comum, impõe risco. Temos uma natureza conservadora.
Ter medo de “bicho-papão” em minha infância era real, mesmo que ele nunca tenha existido de verdade. Na vida adulta também criamos fantasmas; nos rendemos à força do inconsciente. Daí, a nos tornarmos ansiosos, depressivos e estressados, é questão de segundos.
Eu, confesso, já tive medo de fechar os olhos; me fechar. Fazer o grande e necessário mergulho no meu eu.
Quando comecei a fazer meditação foi assim. As primeiras sessões me asfixiaram. Foram apavorantes. Senti-me como o personagem Phillipe de “O homem da mascara de ferro”, romance de capa e espada de minha infância, de Alexandre Dumas.
Chorei para poder finalmente me abrir. Fechei-me para poder ser livre.
Agora, que faço com meus medos? O que sobrou deles?
Continuo a ser intenso, extremado em tudo que me meto a fazer. Dou-me por inteiro às amizades, aos amores, à minha profissão, filhos e à República da São Vicente (meu país imaginário).
Se com tudo isso não for capaz de ser feliz, não será com a covardia que converterei sonho em realizações.
É certo, pelo menos, que vencerei o pesadê-lo do não-ser.
Da “caverna” descrita por Platão eu já saí. Há sempre uma luz, com ou sem túnel, ao final.
Carlos Santos é criador e editor deste Blog
Esse “bixim” de Dona MAURA,escreve diteitim,né não ?
Carlos, perfeita a crônica. Medo só tenho um, de não ter medo.