Por Odemirton Filho
O primeiro dia de aula na Faculdade de Direito na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) foi marcado por uma grande expectativa. Lembro-me como se fosse hoje. E faz mais de vinte anos.
A primeira aula foi com uma juíza. Apresentou-nos, em linha gerais, o curso. Falou sobre os desafios e encantos da área jurídica. Quando se ingressa no curso de Direito a maioria dos alunos pretende ser juiz. Outros, sonham em ser promotores de Justiça. Existem aqueles que querem advogar. No Direito, sem dúvida, há diversas oportunidades profissionais.
Como primeira atividade a ser apresentada na aula seguinte, a professora nos mandou pesquisar sobre o livro O Caso dos Exploradores de Caverna.
Fiquei tenso no dia da apresentação; suava frio; as mãos geladas. Aos poucos fui me adaptando ao ambiente acadêmico. No início são ofertadas as chamadas disciplinas propedêuticas, ou seja, disciplinas iniciais. Sociologia, Filosofia, Introdução ao Estudo do Direito, entre outras.
Lembro-me de Direito Romano, lecionado pelo padre Sátiro Cavalcanti Dantas. Nas aulas, ele desfiava toda a sua erudição e conhecimento. Um português escorreito. Vez ou outra enveredava pelo latim. O Direito Romano, para quem não sabe, é base para todo o arcabouço jurídico ocidental. Até hoje muitos dos institutos jurídicos, criação dos romanos, são aplicados.
Depois vieram as aulas de Direito Civil, Constitucional, Penal, Processo Penal, Direito do Trabalho e tantas outras da grade curricular.
A maioria dos alunos se apaixona pelo Direito Penal. Havia discussões acaloradas em sala de aula sobre um ou outro tema criminal. Quem não gosta de ver os debates entre a acusação e a defesa no palco do Tribunal do Júri? A oratória de promotores e advogados fascina os alunos.
Eu, particularmente, não me “apaixonei” pelo Direito Penal. Sempre preferi o Direito Civil e o Direito Processual Civil. Por gostar de política, uma das minhas disciplinas preferidas sempre foi, e ainda é, o Direito Eleitoral.
Tive excelentes professores. Contudo, para não cometer o pecado do esquecimento, rendo homenagem a todos, lembrando-me da querida e saudosa professora Heldery Negreiros e as aulas de Direito Administrativo; suas inseparáveis fichas de aula.
Mas não só de estudos vivia a turma, é claro. Havia as brincadeiras, as conversas, as brigas; a fila para “tirar” xerox. Sempre gostei de sentar no “fundão”, ali, eu tinha uma visão privilegiada da sala de aula. Alguns alunos gostavam de ir ao bar do Robert´s para jogar conversa fora e tomar umas.
Ficávamos no intervalo, ou quando existia aula vaga, sentados nos bancos do lado de fora das salas, sob as árvores, conversando. Cada um tinha um sonho. Uma vida. Uma história para contar. Sonhar é um incentivo para se buscar e concretizar os nossos objetivos na vida.
Fiz bons amigos, com os quais compartilhava projetos. Muitas vezes, ia e voltava de carona para a UERN. Cursar a faculdade, já casado, foi uma luta medonha. Após um dia de trabalho, chegava da faculdade e ia estudar até a madrugada. Para aguentar o tranco, tomava café e Coca-Cola.
Noutros tempos, alguns alunos ficavam na subida da ponte do Alto de São Manoel ou na Cobal, esperando carona. Sim, milhares de alunos enfrentaram, e enfrentam, dificuldades para estudar, inclusive maiores, não era um “privilégio” meu.
Passaram-se cinco anos. Veio a festa de formatura. A alegria e a emoção. Tudo valeu a pena. Cada um seguiu o seu rumo. Há juízes, delegados, servidores da Justiça, defensores públicos, advogados egressos de minha turma. Alguns colegas, porém, por já exercerem outras atividades, queriam apenas concluir a graduação.
Pois bem. Já formado, lecionar nunca esteve em meus planos. Contudo, a vida nos leva por caminhos nem sempre planejados. Assim, em 2004, ingressei na Universidade Potiguar (UnP) como professor. A UnP ainda estava se consolidando em Mossoró, funcionando no prédio do Colégio Diocesano Santa Luzia. A primeira disciplina que lecionei foi Sociologia Jurídica.
Foram anos à frente de disciplinas com as quais tenho afinidade, como o Direito Processual Civil. Citação, intimação, penhora de bens, reintegração de posse, pensão de alimentos, entre outros processos da área cível, fazem parte do meu dia a dia na Justiça. Sem esquecer, é claro, das diligências criminais. Além disso, lecionei Direito Eleitoral, por ter sido advogado nessa área.
Como sabemos, aluno é aluno. As conversas, “as colas” e os grupinhos fazem parte de toda e qualquer sala de aula, sem falar nas recorrentes frases: “Professor, a atividade vale ponto”? Professor, o trabalho pode ser em dupla? “Professor, deu um branco agora na hora da prova”.
Todavia, a sala de aula também tem os seus momentos de descontração. Eu contava uma piada para “prender” a atenção da turma, e costumava falar sobre a minha atividade enquanto oficial de Justiça, de alguma diligência mais complicada e, por vezes, engraçada.
Com o tempo vamos conhecendo a melhor forma de lecionar, de se relacionar com a turma. Entretanto, mesmo com vários anos lecionando, no primeiro de aula, eu ainda sentia um frio na barriga.
Com a experiência o professor vai conhecendo os alunos. O conversador; o “rolando lero”; o sabe tudo; o tímido. Existiam aqueles que ficavam consultando os livros para fazer uma ou outra pergunta para avaliar o conhecimento do docente.
É preciso ter jogo de cintura, não só conhecimento. Às vezes, o profissional domina profundamente a matéria, é doutor na área, mas não consegue ser didático em sua exposição.
Na apresentação de seminários eu via muitos alunos nervosos. Presenciei alunos saírem correndo da sala de aula com medo de ficar diante da turma. Era preciso muita conversa para convencê-lo a apresentar o trabalho. Realizar prova oral, então, era um Deus nos acuda. Nessas horas, lembrava do meu tempo de estudante.
Participei de inúmeras bancas de avaliação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Após a apresentação, alguns alunos reconheciam como era difícil lecionar, pois ficavam nervosos para apresentar um tema que tinham conhecimento ou, pelo menos, deveriam ter.
Foram quinze anos na docência, proporcionando-me amadurecimento pessoal e profissional. Ensinar é um aprendizado constante. Como disse, nunca esteve em meus planos seguir a carreira acadêmica. A vida exigiu. Muitos colegas, porém, seguiram por esse caminho.
De vez em quando, lembranças vem à memória; quando fui estudante e professor. E bate saudades daqueles tempos.
Enfim, ainda sou um estudante, aprendendo as lições da vida.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça
Excelente professor. Não conheço um único aluno que não concorde com isso. Foi um privilégio ser seu aluno, Odemirton.
Obrigado pelas palavras, meu caro. Continuo um aluno da vida.
Um abraço!
NOTA DO BLOG – Uma professor na expressão da palavra. Num tempo em que eu duelava contra depressão, o curso de Direito foi parte do remédio à superação desse problema. “Que maravilha”, seu bordão, era realmente uma benção.
Abraços, professor.
Valeu, amigo-editor. Fico feliz por ter ajudado de alguma forma.
Vamos em frente.
Abração!