Por François Silvestre
A campanha político-eleitoral de 1986 teve como núcleo principal a formação do congresso que exerceria o papel de constituinte.
Participei ativamente da campanha que elegeu Ismael Wanderley, cuja participação naquele parlamento teve o reconhecimento da sociedade, atestado por jornalistas e entidades de representação social.
Relembro a participação de Honório de Medeiros, Ricardo Pinto, Ésio Costa, Inamar Torres, Silvestre Júnior, Dilza Pacheco, Campanholi e muitos outros. Eu e Campanholi cuidávamos dos textos, discursos, entrevistas e emendas à sistematização da nova Constituição.
Há um número incontável de emendas com a iniciativa ou participação ativa de Ismael Wanderley. Vou falar de duas dessas participações. O terço de férias, que hoje parece ter sido pacífico, não foi.
Quando percebemos que um lobby das federações de indústrias e comércio queriam descartar a emenda, Ismael apresenta uma emenda pesada, que dava não um terço de férias, mas um salário completo.
Aí, o bicho pegou. Os lobbystas se assustaram porque a emenda do salário completo estava ganhando espaço e assinaturas. Recuaram e tiveram de engolir o terço da emenda anterior, também de Ismael. Foi uma jogada vitoriosa.
Outra foi o caso Fernando Noronha. Um grupo influente da constituinte decidiu acabar com a autonomia governamental daquele arquipélago. Ismael participou ativamente dessa articulação. Pernambuco e Rio Grande do Norte eram os principais interessados nesse desfecho.
A primeira votação foi relativamente fácil. Fernando de Noronha perdeu a autonomia governamental. A segunda foi batalha. Pernambuco apresentou emenda reivindicando a posse do arquipélago. Ismael apresentou emenda reivindicando a posse para o Rio Grande do Norte.
A grande surpresa foi a votação, mesmo minoritária, que teve o Rio Grande do Norte. Perdemos, mas assustamos Pernambuco. Fernando Lira parabenizou publicamente Ismael pelo trabalho de aliciamento e pela votação surpreendente.
Toda campanha tem espetáculo, num ou noutro sentido. Chegamos para fazer um comício em Governador Dix-Sept Rosado; Ismael, eu, Ricardo Pinto e Silvestre. Ismael era candidato a deputado federal e eu a estadual.
Um vereador da cidade, Pompeu, admirador meu do movimento estudantil me apoiou e estendeu o apoio a Ismael. Era um produtor e comerciante de gesso. Figuraço.
Carro de som, na praça cheia. Não pelo comício, mas por falta de alternativa. Ricardo Pinto fazendo a locução. Aparece um senhor e pede para que deixemos seu filho abrir o comício. “Ele fala como ninguém”. Pompeu discordou, dizendo que era uma manifestação rápida.
Mas eu aceitei e Ismael também. Pompeu balançou a cabeça. Aí Ricardo anuncia a figura. “Vai falar fulano, aqui da terra, dando seu apoio a nossa luta”. O orador era um recém-formado. Com um enorme anel no dedo.
E ele começa. E fala besteiras que nada tinha a ver com eleição. E tome conversa furada, com erros de português e histórias da vida dele.
Ficamos vendo a praça rindo.
Pompeu aproxima-se por trás dele e diz com autoridade: “Fale dos candidatos”. Ele interrompe o que dizia sobre seu primeiro namoro, olha para o céu e continua. “Pois é, vou falar dos canidatos”. Assim mesmo, com “ni”.
Virou-se pra mim e disse: “Aqui desse lado está o canidato…como é mesmo? seu Francimá Silvêra. E desse outro lado está o candidato… se me lembro, seu Wanderleys Marizes”.
Ismael, perto dele, falou alto: “Ricardo, tome o microfone desse fela da puta”.
A fala de Ismael saiu clara no carro de som. A praça caiu numa gargalhada, virou um espetáculo burlesco. Pompeu dizia: “eu avisei”.
O pai do orador aproximou-se de mim e comentou: “Lá em casa tudim fala bem, mas esse é o qui fala mió”.
Desse tempo pra hoje, a preguiça do tumulto esculpiu-me solitário. Mesmo assim, ainda de longe admiro a multidão.
Té mais.
François Silvestre é escritor
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