Por Sérgio Chaves
Nesses pouco mais de 100 dias isolado, tenho sentido uma saudade imensa de pessoas; algumas não verei mais levadas pela Covid-19 ou por outras doenças, cuja falta será sentida por toda minha vida. De abraços, encontros, beijos e tudo mais.
Saudades de sentar à mesa de um bar ou de um café vendo o tempo passar sem pressa. Saudade do trabalho diário, transformado em home office para alguns. Saudades de bater papo com amigas e amigos queridos.
Saudade de tanta coisa…Essa pandemia, além de tudo, nos deixa muito mais emotivos e sentidos. São tantas as histórias que ouvimos. São tantos relatos de solidão profunda quando se faz necessário a presença de alguém próximo. Famílias que não podem se despedir de seus entes queridos da forma como pensavam. Pessoas que vencem a Covid-19 quando não se tinha mais esperança e outras que são levadas a nocaute quando tinham todas as probabilidades de a vencerem.
Mas, no meio disso tudo, de toda essa saudade, me lembrei de ter em algum canto escutado a informação de que a palavra saudade é única e só existe em nossa língua portuguesa. Então resolvi pesquisar e vejam só que interessante descobri:
“A palavra saudade veio do latim solitas, solitatis, por meio das formas arcaicas soedade, soidade e suidade, sob a influência de saúde e saudar. Solitas, em latim, significa “solidão”, “desamparo”, “abandono”, “deixação”, do que resultam alguns dos significados que tem saudade: “desejo de um bem do qual se está privado”; “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.
Na gramática saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que só existe na língua portuguesa. Os outros idiomas têm dificuldade em traduzi-la ou atribuir-lhe um significado preciso: Te extraño (castelhano), J’ai regret (francês) e Ich vermisse dish (alemão).
No inglês têm-se várias tentativas: homesickness (equivalente a saudade de casa ou do país), longing e to miss (sentir falta de uma pessoa), e nostalgia (nostalgia do passado, da infância). Mas todas essas expressões estrangeiras não definem o sentimento luso-brasileiro de saudade.
São apenas tentativas de determinar esse sentimento que sente os povos de cultura portuguesa. Assim, essa palavra saudade não é apenas um obstáculo ou uma incompatibilidade da linguagem, mas é principalmente uma característica cultural daqueles que falam a língua portuguesa.
No que toca ao uso de saudade, essa palavra pode aparecer tanto no singular quanto no plural, conservando o mesmo sentido, o que ocorre também com outras palavras, que pouco a pouco passaram a ser usadas no plural, muito embora o singular, com o mesmo sentido, também seja correto. Essa palavra portuguesa “saudade” foi considerada o sétimo vocábulo estrangeiro mais difícil de traduzir, segundo uma votação realizada por mil linguistas, levada a cabo pela agência londrina de tradução e interpretação Today Translations.
Por tudo que aqui se diz, o fato de uma língua não ter palavra que, por si mesma, possa traduzir-se por “saudade” não significa que o povo que a fala não conheça tal sentimento: tal conceito pode ser, nessa língua ou em outras, expresso por mais de uma palavra. Além disso, um povo pode conceber a ideia de “saudade” em combinação com outro(s) sentimento(s), do que resulta novo conceito, veiculado por uma ou mais palavras.
Diz o professor Napoleão Mendes de Almeida no verbete “Saudade, saudades” de seu Dicionário de Questões Vernáculas: “a capacidade de receber impressões é uma só na humanidade; não existe rigidez filológica capaz de obumbrar o sentimento de uma nação. Cremos ser procedimento psicofilológico correto este de aceitar em outros idiomas, ainda que não se conheçam, a existência de equivalências a palavra e a expressões nossas; que orgulho é este de achar que outros povos não vivem?”.
Finaliza-se o artigo falando sobre esse caráter único da palavra saudade e da impossibilidade de a traduzir em qualquer outra língua. Para isso, transcreve-se, aqui, um excerto da obra “A Saudade Brasileira”, de Osvaldo Orico (1948), que diz assim:
– “Nenhuma palavra traduz satisfatoriamente o amálgama de sentimentos que é a saudade. Seria preciso nos outros países a elaboração de um conceito que também amalgamasse um mundo de sentimentos em apenas um termo”.
Ficamos, pois, com a nossa “saudade”!(Luísa Galvão Lessa – Professora Doutora em Língua Portuguesa pela UFRJ, Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal/Canadá e pesquisadora Sênior da CAPES).
Talvez, por tudo descrito acima, o sentimento que nos leva a palavra saudade seja tão intenso, tão único, quanto a própria palavra, principalmente nesses tempos de isolamento social, quando quase tudo nos falta. Que tudo isso passe logo para que possamos matar toda essa saudade que carregamos no peito!
Sérgio Chaves é repórter social e cerimonialista
Bela crônica. Sem dúvida, retrata o que a maioria das pessoas
está sentindo. Das coisas simples. De viver o que vale a pena
ser vivido.