Um amigo inteligente e cético aconselha-me a não desperdiçar energia nem recursos com o que ele considera esforço vão, ou seja, o meu constante empenho em contribuir para a criação e manutenção de bibliotecas comunitárias em bairros de Natal e noutros municípios norte-rio-grandenses com os quais cultivo uma relação afetiva há mais de trinta anos. Segundo me afirma, o povo não lê, e as obras doadas acabam sempre roubadas e vendidas na pedra dos sebos que, lamentavelmente, em sua maioria – incluindo os mais notórios e badalados de Natal –, são postos de receptação.
Que ele tenha ou não razão, pouco me importa. Para mim o importante é fazer — sem esperança nem temor. Persevero, como um direito que me assiste, na consecução desse inofensivo passatempo que passei a cultivar num momento de crise existencial, em fins dos anos setenta, quando ao regressar à minha terra, após viver no Rio, dei os meus livros a uma instituição carioca, para que pudessem servir a outros. Podia tê-los vendido a algum comerciante de usados, mas preferi compartilhar o meu prazer de leitor com pessoas anônimas que saberiam de minha existência através da marginália que produzi no convívio com esses companheiros silenciosos que são os bons livros.
Naquela ocasião pensei que talvez outros pudessem fazer o mesmo, desfazendo-se de suas bibliotecas em benefício da comunidade. Aqui, nos finais dos anos oitenta, antes de minha mudança para a Amazônia, fiz substancial doação à biblioteca do SESC-Natal, na Avenida Rio Branco, gesto que me proporcionou afinal muitos amigos e simpatizantes que costumam se apresentar, frequentemente, nos momentos mais inesperados, como desfrutadores daquelas obras que antes eu li, reli e anotei e que, segundo me afirmam, recrearam o seu espírito e fortaleceram o seu intelecto.
Uma vez, num hospital da Zona Norte de Natal, um anestesiologista que deixava o plantão, retornou de boa vontade para atender ao pai de minha secretária, ao reconhecer-me, justificando que o fazia para expressar a sua gratidão de leitor, pois quando acadêmico de medicina fora um dos beneficiários da doação que eu fizera à biblioteca do SESC…
É verdade que o SESC nunca editou o catálogo das obras doadas, única contrapartida que exigi, pensando que assim o meu gesto poderia se transformae em estímulo para outros possíveis doadores, além de constituir prova documental. Porém o SESC deixou o dito pelo não dito e, dezoito anos depois, caminhando uma tarde pelas ruas de Natal na companhia do professor Jarbas Martins, uma funcionária da referida instituição me abordou, pedindo-me nova doação e eu, lembrando-me do descaso em relação ao meu gesto inicial, respondi ironicamente que pensaria no caso depois que a instituição se desse ao trabalho de cumprir o prometido.
Imediatamente convidaram-me para um café da manhã, onde, creio, vários outros doadores foram homenageados num sarau matutino no qual recebi uma placa de metal e posei para algumas fotografias. Sinceramente, não era o que eu queria, pois se doei aqueles livros não foi para receber homenagens nem paparicos.
Creio, porém, que, como cidadão e escritor, devo contribuir de alguma forma para servir ao meu povo e engrandecer minha terra de acordo com as minhas reduzidas disponibilidades, pois sei que dessa vida nada levamos a não ser o bem e o conhecimento que prodigamos, desinteressadamente, como faço agora, ao dirigir-me a você, leitor, para pedir-lhe um ou dois livros usados que devem ser entregues, em Natal, a Laércio Araújo, na Digitec [CCAB-Sul, Av. Odilon Gomes de Lima, Capim Macio] e, em Mossoró, na Livraria Café e Cultura, na Avenida Rio Branco, ao lado do Teatro Dix-huit Rosado. Eu os encaminharei para às bibliotecas comunitárias do Conjunto Santa Delmira; da vila de Carnaubinha, em Touros, que fundei recentemente; ao Grupo Mutirão, de Luis Gomes; aos jovens da Rádio FM Liberdade, de Frutuoso Gomes; a Casa de Cultura de Campo Grande; a Portalegre; à Casa de Leitura, de Caicó; a Sítio Novo; e a vila de Diogo Lopes, em Macau, que carecem de livros, tanto quanto carecemos todos de idéias e de homens com responsabilidade social. Desde já, ficamos agradecidos.
Contato pelo e-mail franklinjorge@yahoo.com.br
Franklin Jorge, jornalista e escritor
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