Por Tárcio Araújo (Para o Blog Carlos Santos)
Imagine um lugar onde os seus moradores ainda conservam costumes sociais como sentar todas as tardes e noites no alpendre para prosear; contar histórias, onde a carne de sol é batida no pilão e o almoço preparado na panela de barro em fogo à lenha.
Um lugar de religiosidade forte, onde se reza as novenas, tradição que lembra os tempos dos nossos avós e antepassados até mais longínquos. Um lugar onde a natureza ainda dar o tom de verde com árvores nativas que já não vimos mais no sertão catingueiro; onde o canto dos pássaros é a sinfonia que ecoa pelo a brisa úmida das manhãs, com temperaturas que chegam até 14° em alguns meses do ano.
Um lugar onde as pessoas vivem muito tempo; alguns com mais de cem anos. O segredo de tanta longevidade talvez seja o leite e o queijo feitos lá mesmo. Talvez seja a fava sem amargo que brota dos terrenos arenosos, ou quem sabe o clima temperado que predomina durante o ano. E talvez seja o conjunto de todas estas coisas juntas, onde o tempo parece passar em marcha lenta.
Esse é o cenário da Serra de João do Vale, a cerca de 730m de altitude, estendida por 277km² entre os municípios de Jucurutu, Campo Grande e Triunfo Potiguar no Rio Grande do Norte e Belém do Brejo do Cruz na Paraíba. Fica a 130 quilômetros de Mossoró e 275 de Natal.
Até hoje sem pavimentação ou asfalto que leve os visitantes até o seu platô, o acesso é feito por estrada carroçável, tanto por Jucurutu quanto por Triunfo potiguar. Em tempos de chuva, esse acesso fica ainda mais difícil, recomendado apenas para veículos 4×4.
A REGIÃO tem sido explorada pelos amantes de todo terreno, o off-road (veja AQUI, AQUI e AQUI). Muitos se aventuram em eventos já reconhecidos e existem aqueles que fazem sua própria rota ou enveredam pela “Trilha do Pacifico”, considerada a mais íngreme e acidenta do Rio Grande do Norte.
É somente o barulho dos motores em dias de aventura, que quebra o silencio da localidade. A dificuldade de acesso talvez tenha sido o fator primordial para a preservação dos costumes e da natureza em seu entorno. Um ponto positivo!
Seus primeiros moradores foram os índios Pegas que a denominavam de “Pepetama”. Os Tapuias (Janduís) a conheciam por “Pookiciabo” (informações do livro “Os índios Tapuias do RN”, de Valdeci dos Santos Júnior)..
Depois os holandeses penetraram seus sertões quando da ocupação batava no território potiguar entre 1630 a 1654. Até hoje há vestígios da passagem holandesa.
A partir do domínio português, após a “Guerra dos Bárbaros”, em 1713 a serra ganhou a alcunha de Cepilhada e em 1761 é adquirida em leilão pelo Capitão-Mor João do Vale Bezerra. Seu dono virou topônimo preservado até hoje.
Mortes e abandono
De lá pra cá, a serra teve uma ocupação lenta e foi sempre ignorada pelas autoridades públicas. No final do século XIX, por muito pouco um movimento messiânico liderado pelo religioso Joaquim Ramalho não ganhou contornos de uma versão potiguar do que foi Canudos na Bahia. Esse fato foi registrado pelo escritor Câmara Cascudo.
No século XX, o algodão foi a primeira grande cultura agrária do povoamento. Depois vieram o caju e a fava como fontes de produção e sustento de sua população nativa.
Isolados durante séculos, sem acesso e sem estradas, os moradores padeceram de assistência. O lugar é marcado por um passado de mortandade de crianças e de mulheres grávidas que sem atendimento agonizavam até a morte, no parto. Lembranças tristes que permeiam até hoje a memória da comunidade; histórias passadas pela cultura oral de pai para filho, de pai para filho…
No final da década de 70 do século XX, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) foi o divisor de águas à sua gente. Visto como um programa educacional federal fracassado, no propósito de tirar milhões de adultos do analfabetismo, ao ser extinto em 1985 deixou alguns legados na serra. Muitos aprenderam além do beabá, moradias ganharam melhorias estruturais e sanitárias.
Foi também por meio dessa iniciativa, que foi construída a primeira estrada da comunidade, por volta de 1980. Ligava-a ao que é hoje o município de Triunfo Potiguar.
Atualmente, quase 2.000 mil pessoas moram no alto da serra, distribuídas por 05 comunidades chamadas de “Chãs”. As condições de hoje são melhores do que no passado, com energia elétrica, unidades de saúde e escola para as crianças. No entanto o abastecimento d’água ainda é precário.
Pavimentação
Um outro gargalo é a falta de pavimentação dos 19 km até Jucurutu. É um um pleito da comunidade que já perdura há mais de quatro décadas. Seu custo é estimado em cerca de R$ 25 milhões. Noutra frente, há um acesso por Triunfo Potiguar com cerca de 17 quilômetros, com cerca de um terço tendo pavimentação deteriorada a paralelepípedo.
O futuro que se avizinha é de expectativa para o desenvolvimento do turismo serrano com seu vasto potencial climático e paisagístico. Mas para isso, a construção da estrada é o primeiro grande desafio a ser superado.
Em outra frente, há estudos e experimentos para instalação de unidades de energia eólica na área, aproveitamento do ecoturismo e do turismo de aventura. Belezas exuberantes não faltam.
Nesta série de 05 reportagens (Especial Serra de João do Vale), vamos trazer as histórias de um lugar rico em cultura e tradições, de personagens reais e de belezas naturais pouco conhecidas. Um cantinho do estado do RN que até parece não existir. Enfim, não existe mesmo no mapa das autoridades e para a enorme maioria dos norte-riograndenses, sequer para aposta num turismo doméstico.
Mas não se engane: a Serra de João do Vale vai ser um destino no roteiro de muita gente que ama a natureza. Quando? Esperamos que não dure mais umas quatro décadas. Todos temos pressa em usufruir, de forma sustentável, desse paraíso em pleno sertão nordestino (veja vídeo abaixo com o amanhecer na serra).
Seja bem-vindo ao Especial Serra de João do Vale. Aguarde as próximas reportagens.
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Bela matéria que ajuda a divulgar essa linda Serra de João do Vale. Parabéns ao autor e ao Blog.
Parabéns! Excelente texto. O misterioso serrame de João do Vale, visitado por holandeses e portugueses no século XVI.
A Serra do João do Vale é maior celeiro ecológico do RN. Especialmente pela exuberância da vegetação. Associada a miscigenação típicas dos europeus com os nativos e os afro descendentes. Além do eco turismo está em fase de implantação uma mineração de mármore no lado oeste, o que evidência as marcas de ter sido mar em tempos mais remotos, reforçando ainda mais a visitacão e a sustentabilidade turística. Contando ainda com um cenário privilegiado para o áudio visual e em especial por ser o nervo místico do Beato Joaquim Ramalho, que marcou época tempo de secas e de coronelismo arraigado. Desenvolver habilidades mediúnicas na cultura da quela época (Pós seca de 1877) teria que possuir muita habilidade. E assim, foi o sertão semiárido das encostas/escarpas e chãs da serra Sipilhada.
Tantos bilhões de reais que governos passados fizeram ir para o ralo como água de esgoto, agora chegou o momento do político responsável por essa região, fazer chegar ao conhecimento do governo atual Federal, a necessidade desse investimento que não é tão alto, e realmente o dinheiro que o governo dispor para as melhorias desse lugar, chegar de fato a quem se interessa pelas melhorias, e esse dinheiro ser empregado no que for necessário, e não desviado para interesses particulares de politicagem. Seria uma obrigação do Estado do RN investiir na área, mas tenho minhas dúvidas sobre a boa vontade dos políticos do Estado. Boa noite!