Por Jeniffer Mendonça (Ponte Jornalismo)
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que é ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, indica uma série de violações de direitos humanos, como doenças, comida estragada e tortura, em cinco unidades prisionais inspecionadas pelo órgão entre 21 e 25 de novembro de 2022, no RN. Dentre elas, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, que foi palco de um massacre em janeiro de 2017 com 26 mortos após uma investida de presos da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) contra o Sindicato do Crime.
“Em 16 anos de experiência na área [de segurança pública], nunca havia presenciado uma situação tão desumana. O que vimos é realmente chocante. Em literalmente todas as celas que entramos tinha no mínimo uma pessoa machucada. O severo nível de tortura praticada nas unidades prisionais, sobretudo em Alcaçuz, nos deixou muito impressionados”, disse ao Poder360 Barbara Coloniese, que integra o MNPCT.
Para Juliana Gonçalves Melo, antropóloga, pesquisadora do sistema prisional e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), os ataques, que já aconteceram de forma parecida desde 2016, são formas que a massa carcerária encontrou para ter suas solicitações atendidas. “Os presos não querem comer caviar, eles querem um alimento que não estrague e não faça mal”, aponta. A forma de protestarem é tocando terror.
A situação chegou num ponto limite em que a rivalidade entre PCC e Sindicato do Crime, que chegou ao auge em 2017 e permanece com planos de vingança, teve uma trégua, segundo a pesquisadora.
Veja trechos da entrevista dela à página:
Ponte — Essa não é a primeira vez que cidades do Rio Grande do Norte são alvo de ataques como aconteceram nesta semana. Esses episódios estão relacionados? O que está por trás dos ataques que começaram na madrugada de terça-feira?
Juliana Gonçalves Melo — A meu ver, eles têm, sim, uma relação de continuidade, ainda que existam peculiaridades em cada situação. Por exemplo, em 2015 a gente tinha a instalação de bloqueadores de celulares no Presídio Estadual de Parnamirim e, a partir disso, teve uma revolta no sistema [prisional] e tivemos ataques em prédios públicos, a ônibus etc. Esses eventos, de uma forma geral, estão vinculados à questão prisional. Por um lado também é uma mensagem de força, de poder que as facções tentam demonstrar, e, ao mesmo tempo, demandas por melhorias dentro do sistema prisional que, no Brasil, é horrível. Nosso sistema prisional é um sistema marcado por inúmeras violações de direitos elementares, entre eles o direito à própria vida, como aconteceu no Massacre de Alcaçuz, em 2017, que é um momento superimportante para entender um pouco desse contexto no Rio Grande do Norte.
Ponte — Por quê?
Juliana Gonçalves Melo — O Massacre de Alcaçuz foi avisado. Os familiares avisaram que ia acontecer, mandaram ofícios para a Secretaria de Justiça. Os ofícios foram arquivados e o massacre aconteceu com 27 mortos oficialmente e uma lista muito maior de desaparecidos. E esses ataques vêm com a perspectiva de denunciar violações no sistema prisional que tiveram uma intensificação muito forte a partir do Massacre de Alcaçuz. Em 2017, o Presídio de Alcaçuz tinha cinco pavilhões. O quinto pavilhão era ocupado pelo PCC, que consegue pular para o pavilhão quatro, onde estava o Sindicato do Crime, e assassina todo mundo que estava ali. Poucos conseguiram fugir pelo telhado e a gente teve uma situação de guerra que se estendeu por quase 10 dias. Eu começo a trabalhar e a pensar na questão faccional com a Natalia [antropóloga Natalia Firmino Amarante, que foi orientada por Juliana em uma dissertação de mestrado sobre o Sindicato do Crime] nesse contexto.
Ponte — O noticiário tem apontado que a ordem dos ataques partiu do Complexo Penitenciário de Alcaçuz. Só lá houve maiores restrições ou afeta o sistema prisional potiguar como um todo?
Juliana Gonçalves Melo — Esse presídio foi um verdadeiro campo de concentração, pelo relato dos familiares, mas um grande foco de denúncia, por exemplo, é o presídio em Ceará-Mirim, que atualmente é considerado um lugar em que os presos estão sendo bastante torturados. As famílias fazem denúncias em relação a isso, mas as famílias são criminalizadas, tidas como mentirosas e as denúncias não avançam. Você tem o Presídio Mário Negócio, em Mossoró, que eles sempre falam da questão da fome, que a comida vem apodrecida. E isso tá criando uma hierarquia também entre eles, então tem um preso que não consegue comer e compra do outro que consegue comer menos da metade da quentinha dele por 50 reais. Não é só em Alcaçuz. Alcaçuz é considerado um berço, uma prisão simbólica para o Sindicato do Crime, um lugar de destaque e é a maior prisão do estado. Os presos não querem comer caviar, eles querem um alimento que não estrague e não faça mal. [Eles pensam que] se o Estado não me ouve por bem, ele vai me ouvir através da violência. Se eu fizer a greve de fome, ninguém vai ligar. Se eu fizer culto religioso, ninguém vai ligar. Se eu fizer passeata, ninguém vai ligar. Agora, se eu começar a fazer ataques, isso chama a atenção.
Ponte — O secretário de Segurança Pública e Defesa Social, coronel Francisco Araújo, disse de início que os ataques estariam relacionados a operações policiais que prenderam lideranças do Sindicato do Crime e apreenderam drogas e armas. Isso de fato pode ser uma das motivações?
Juliana Gonçalves Melo — Desde 2017 estão apreendendo drogas e armas e prendendo lideranças. É mais do mesmo. São gotas de um copo cheio. De outubro para cá, aumentaram muito os assassinatos nas periferias. Tem os grupos de extermínio também. Outra coisa é que se pensou que, enfim, eles [presos] poderiam receber alimentos da família e que iria voltar a visita íntima, mas isso foi frustrado. Existe muita resistência do Sindicato dos Agentes Penitenciários em relação a isso também.
Ponte — Esses ataques coordenados desde 2016 mostram que o Sindicato do Crime está se aperfeiçoando?
Juliana Gonçalves Melo — Eles pegam o modelo do crime organizado que vem com o Comando Vermelho, com o PCC, que é quem chega primeiro nas prisões, que chegou com esse modelo e fez os primeiros “batismos”. Antes da chegada do PCC, a gente tinha outra dinâmica. Por exemplo, um senhorzinho que plantava maconha e vendia solto, ou briga de família de uma rua contra outra rua. Você não tinha essa dinâmica de crime organizado como o PCC. O PCC chega devagar em 2006 e vem com uma estrutura de “você paga uma mensalidade que, assim quando você for preso, a gente vai te ajudar com advogado”. [De tratar como] “Você não é um verme, você é irmão.”
Ponte — E como está essa questão da rivalidade com os ataques recentes?
Juliana Gonçalves Melo — O que a gente está vendo de um modo muito temporário, muito restrito, é um aceno para que se esqueça esse tempo, essa rivalidade, para que todos lutem por melhoria no sistema, porque eles estão reivindicando que todos estão sofrendo desde 2017 e que nada avançou no sentido das pautas reivindicatórias deles. Eu pensei que essa rivalidade não teria fim tão cedo porque tem uma memória muito forte do massacre, uma tentativa de vingança. Foi uma guerra que não ficou só nas prisões, ela se estendeu para as ruas e muitas pessoas foram mortas. Eu não sei dizer se é uma paz temporária, se a rivalidade ainda é a mesma, mas o “salve” coloca que é um momento de união porque eles estão percebendo que o Sindicato não tem força sozinho para levar essa mensagem de forma mais efetiva. Mas se é uma união temporária, falsa, a gente ainda não tem elemento ainda para falar, precisa de um tempo para refletir. Talvez seja uma união estratégica. O PCC não está tanto em Natal, ele está mais deslocado para Mossoró, então é tudo muito novo, muito complexo e eu não imaginava que isso poderia acontecer tão cedo.
Ponte — Essas são as únicas facções que atuam mais fortemente no estado?
Juliana Gonçalves Melo — Sim. A gente tem a presença do GDE [Guardiões do Estado, do Ceará], tem presença da Família do Norte [do Amazonas], tem outras facções que tentaram se estabelecer, mas que foram diluídas. Mas as duas mais fortes são essas. Por exemplo, o Sindicato do Crime ideologicamente está associado ao Comando Vermelho. Então tem todo esse jogo aí que envolve o Brasil como um todo.
Ponte — A governadora Fátima Bezerra (PT) assumiu pela primeira vez em 2019, dois anos após o massacre, e foi reeleita em 2022. Como a gestão dela afetou essa questão no sistema prisional?
Juliana Gonçalves Melo — A perspectiva é de que as coisas fossem melhorar porque [o partido] tem mais sensibilidade com a questão dos direitos humanos, das desigualdades sociais. Mas, assim como o presidente Lula não vai conseguir fazer tudo que ele quer porque está envolvido por um Congresso e cheio de amarras, a Fátima também não conseguiu avançar muito nessa pauta. Ela deu algumas sinalizações e tem um processo de abertura no sistema para remição de pena pela leitura que está em andamento, mas não foi ainda concretizado de forma efetiva. E ela acaba sendo também refém de velhas lógicas que existem ali e que são totalmente contrárias à perspectiva de direitos minimamente assegurados aos presos. Essa questão tem que ser colocada. Eu vejo o governo do PT bem intencionado, mas amarrado por várias estruturas que impedem um movimento mais livre. A gente sabe que a questão prisional é um grande tabu na sociedade.
Ponte — Que medidas deveriam ser tomadas para encerrar os ataques?
Juliana Gonçalves Melo — Acho que se deveria estabelecer melhorias dentro do sistema, poder entrar alimento [enviado por familiares] de novo, fortalecer as políticas de reinserção através da remição de pena pela leitura, pelo trabalho. Cobrar do Ministério Público e da Defensoria Pública uma atuação mais eficaz em relação à proibição de de tortura. Eu acho que isso seria muito importante, para escutar os familiares com respeito, com simetria, e não julgá-los como se fossem criminosos. A base de tudo também é a educação porque sete de cada 10 presos não tem nem ensino fundamental.
Veja matéria e entrevista na íntegra clicando AQUI.
*A Ponte Jornalismo é uma organização sem fins lucrativos criada para ampliar o debate sobre os direitos humanos por meio do jornalismo. Tem como objetivo aumentar o alcance das vozes marginalizadas pelas opressões de classe, raça e gênero, permitindo a aproximação entre diferentes atores das áreas de segurança pública e justiça, colaborando, assim, na sobrevivência da democracia brasileira.
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Esse relatório expõe as vísceras do sistema prisional no estado . A ressocializacao de apenados não existe , a assistência a saúde da população carceraria muito precária . Programas do governo federal e verbas federais relacionados a saude mental no presídio mario negócio retornam aos cofres do governo e não são aplicadas por falta de interesse público tanto da prefeitura de mossoro quanto da seap .
Tudo verdade amigo Roncalli, veja que o PCC e Sindicato se reúnem e resolvem.
Governos estadual e federal se reúnem e não resolvem.
Pobre Rio Grande do Norte sem sorte!