Por Carlos Santos
Carlos Júnior deveria ter uns dez anos e insistia em ganhar um celular.
“Não”, eu descartava.
“Você é uma criança ainda. Não há necessidade!” – dizia o porquê.
Sitiado por tanta insistência, fiz-lhe um desafio: teria que me convencer com uma ‘Exposição de Motivos’ em dez pontos, que seria justificável à aquisição desse aparelho, um Nokya lanterninha, algo bem aquém da modernidade de hoje que os smartphones estampam.
Em poucas horas, atendo ligação com um interlocutor-mirim ansioso do outro lado: “Painho, está pronta a Exposição de Motivos. Venha logo ver”.
“Vixe! Já?”
No trabalho, em meio às tarefas diárias e inadiáveis, pondero que depois passaria para receber oficialmente o documento, submetendo-o à minuciosa análise. A decisão sairia posteriormente, estabeleço sem cientificá-lo àquele momento.
“Tenha calma. Amanhã eu vejo” – tento adiar, sob pressão psicológica.
“Quando eu sair do trabalho à noite a gente conversa” – acerto, mas sem me livrar do cerco…
“Vai demorar?” – sou acossado por mais uma ligação.
Sem ter como postergar mais, vou ao seu encontro. Em mãos, sob um olhar atento que esperava endosso imediato, leio (e disfarço minhas lágrimas). “Amanhã eu dou uma resposta”, estabeleço com ar durão. Apesar de decepcionado e enfezado, aquiesce (forçosamente).
No dia seguinte, mostro o conteúdo à equipe na redação do Jornal de Fato, do qual era um dos sócios-fundadores. Leio em voz alta para uma plateia atenta que me ajudaria a decidir. Quando começo a comentar e questionar alguns pontos do texto, recebo logo instantânea pressão para adquirir o equipamento.
Colunista e professora de português, Marilene Paiva é quem mais advoga a tese na redação. “Ele merece”, brada. “Você tem que dar esse celular”, fuzilou.
Acabei cedendo.
Passados tantos anos, com o ‘documento’ original em mãos, lembro do episódio e o porquê da provocação: queria instigar o raciocínio lógico, o poder de argumentação daquela criança.
Também era mais uma oportunidade de fazê-lo entender que qualquer conquista deve ser resultado de esforço e mérito.
Acho que acertei.
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