Por Marcos Ferreira
Hoje, usando apenas o dedo indicador da mão direita, posto que não tenho a destreza que tantos apresentam no tocante a mensagens por escrito neste aplicativo, resolvi escrever esta crônica no WhatsApp. Adianto, porém, que é um atrevimento que não pretendo repetir. Meus óculos já não contribuem para esse tipo de ousadia.
A deficiência ocular é para perto quanto para longe. Esta, então, é a primeira e última vez, embora eu deva admitir que estou até desasnando, como se diz.
O motivo disso é que meu velhobook está passando uns dias na casa de recuperação Tec-Micro, situada na Avenida Alberto Maranhão, 2377. Precisa de um urgente e delicado reparo. Embora com uma aparência um tanto jovial, ele entrou na terceira idade. Tem muitos anos de serviços prestados, de entrosamento com este escriba. Parceria que, até o momento, rendeu-me três romances, um livro de contos (afora alguns esparsos) e três reuniões de poemas.
Dois dos romances, a exemplo dos contos e poemas (cujos títulos convém não divulgar agora), são inéditos. Há também uma porção de crônicas e o premiado e republicado A Hora Azul do Silêncio, vencedor dos “Prêmios Literários Cidade de Manaus” na categoria melhor livro de poesia.
A ideia de trocar meu aparelho por outro novinho, mais avançado, desagrada-me. Pois nosso vínculo vai além da tecnologia. Bem parecido com o sentimento que alguns autores tiveram quando da mudança das velhas máquinas de datilografar para produzir seus escritos num computador. Isso se deu, por exemplo, com o recém-falecido José Nicodemos (veja AQUI), verdadeiro estilista da língua portuguesa, sobretudo da crônica.
Nicodemos nos deixou no dia 18 de maio. Ele tinha oitenta e seis anos e, a exemplo de Dorian Jorge Freire, um dos melhores textos do nosso país.
Pensei num mundéu de coisas para escrever, entretanto preciso me contentar com o que foi dito. Aliás, escrito. Cogitei dedicar uma página inteira a essa tragédia brutal que assola o Rio Grande do Sul, mas sem esquecer dos incontáveis desabrigados e desvalidos desta Mossoró (salvo exceções!) desalmada.
Essa utilíssima ferramenta chamada WhatsApp, no ritmo que estamos, vai quebrar o meu galho, me salvar da lacuna durante a ausência do meu velhobook. A repetição do carinhoso neologismo velhobook, que pode representar uma típica redundância, é um tratamento de mero afeto. Percebo, com a minha cabeça ora cheia de metalinguagem, que até esses equipamentos têm seu lado estimável. É mais ou menos o que existe entre mim e minha máquina de escrever, de contar histórias.
Bom. Acho que devo parar por aqui. Puxar mais conversa, engordar esta prosa do velhobook escrevendo neste aplicativo me parece um risco. De repente, não mais do que de repente, como no verso do poeta Vinicius de Moraes, pode acontecer uma trapalhada da minha parte e tudo isso se perder. Torço que o meu Editor consiga pinçar esta crônica digressiva, copiá-la do WhatsApp de algum jeito.
Depois, quando o velhobook retornar dos seus dias de conserto, trocaremos umas ideias e aí talvez eu traga à tona uma crônica mais robusta, que lhes ofereça um volume maior de texto. Todavia isso é por demais relativo; algo discutível. Um grande número de páginas ou livros bastante volumosos não significam sucesso literário. Se fosse assim todo dicionarista ganharia um Nobel de Literatura.
Marcos Ferreira é escritor