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sábado - 04/11/2023 - 04:06h
François e Vandré

Em algum lugar do presente

François Silvestre e Geraldo Vandré têm histórias (Foto 1, arquivo; Foto 2, Folha, Junho de 2023)

François Silvestre e Geraldo Vandré têm histórias (Foto 1, arquivo; Foto 2, Folha, Junho de 2023)

Eles se conheceram nos anos de chumbo, ali naquele burburinho da pauliceia desvairada. Um, já artista da canção de protesto; o outro, na redação de jornais impressos como a Gazeta do Brás.

Mas, faz uma pá de tempo que não se veem nem se falam.

Em consulta a meus búzios e bola de cristal, os sinalizadores apontam que a tecnologia do celular poderá encurtar essa distância entre o compositor/cantor Geraldo Vandré e o escritor e colaborador do Nosso Blog, François Silvestre.

Do lanterninha pro smartphone, Silvestre já conseguiu fazer transição numa boa, o que é um grande avanço.

O amor de avô, é certo, o empurrou à modernidade.

Daqui a pouco, ele e Vandré (de audição curta e reclusão por escolha pessoal) marcam um encontro para atualização da conversa, prospecção de reminiscências e inventário da própria vida e deste país. Pindorama rende muito.

Caminhando e cantando, quem sabe, né?

Fico na escuta. Ou consultarei novamente os meus búzios e bola de cristal para atualizar os fatos.

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domingo - 29/10/2023 - 10:30h

A dona da rua

Por Marcelo Alves

Rive Gauche (Reprodução do WIkipedia)

Rive Gauche (Reprodução do WIkipedia)

Minha estada na festiva Paris, quando jovem, não se resumiu a café e cafeterias. Até acho que, de longe, a coisa que mais fiz foi caminhar. Muitas vezes sem destino, apenas pelo simples prazer de flanar. Pela Rive Droite (a tal margem direita do Sena), do Louvre à Opéra Garnier e pelos bulevares que dali partem. Pela Avenue des Champs-Élysées até o Arc de Triomphe. Pelo entorno do Centre Georges-Pompidou. Pelo agradabilíssimo Marais. E por aí vai.

Entretanto, a minha praia mesmo era a Rive Gauche, especialmente as regiões de Saint-Germain-des-Prés (onde morava) e do Quartier Latin. Sempre que podia, saía do meu hotel na Rue Madame, rezava um Santo Anjo na Igreja de Saint-Sulpice e passava na pertíssima livraria La Procure. Observava muitos rostos no Boulevard Saint-Germain. Chegava no Boulevard Saint Michel. Ali xeretava as enormes livrarias Gibert Joseph e Gibert Jeune. Voltava em direção à Notre Dame e à Shakespeare & Cia. Bisbilhotava os bouquinistes do Sena. E fazia tantas outras coisas que retornava, já tarde da noite, qual o elefante do poeta, invariavelmente fatigado.

Já na mistura de Saint-Germain-des-Prés com Montparnasse, havia uma jornada que eu fazia todos os dias, animado, para assistir aula na Alliance Française, no Boulevard Raspail, 101. E não demorei para descobrir que esse caminho passava em frente a um dos mais significativos endereços da Paris literária: a antiga casa de Gertrude Stein (1874-1946), na Rue de Fleurus, 27.

Conhecia Gertrude Stein de fama e, em especial, das suas memórias “A autobiografia de Alice B. Toklas”, de 1933. Na edição que tenho em mãos (L&PM, 2006) consta: “Mais moderna do que todos os modernos, mais vanguardista do que os cubistas cujos quadros forravam as paredes da sua casa, Gertrude Stein – mulher de opiniões inusitadas, opção sexual heterodoxa, americana auto-exilada na Europa – embebeu sua literatura com o caráter experimental da sua vida”.

Inteligentemente, ela “redigiu a autobiografia da sua amante, apenas para nela aparecer como personagem e narrar suas próprias experiências na terceira pessoa”. E essa sacada, um dos mais coloridos retratos da vida intelectual e artística de Paris, “transformou a influente escritora, crítica e colecionadora de arte Gertrude Stein em um dos célebres nomes da literatura norte-americana da primeira metade do século XX”.

De fora, a famosa habitação, com aquela placa indicando a ex-moradora, logo me pareceu elegante, mas não chique. Mas dizem que era apenas a escritora ou a sua amante abrirem a porta e o visitante quedava impressionado. O interior era luxuoso, com móveis em estilo renascentista italiano. Pouco confortáveis, também dizem. As paredes eram preenchidas, chão a teto, com quadros e telas. E aquele salão, sábado à noite, estava sempre “repleto de gênios, quase gênios e futuros gênios”, nas palavras da própria Gertrude.

De início, gente como Apollinaire, Picasso, Matisse, Braque e Juan Gris, tirando o primeiro, todos pintores, com obras expostas ali. Mas foi com o fim da 1ª Guerra Mundial, na virada de 1919 para os anos 1920, que a coisa, para o meu gosto, tornou-se mais interessante. Como anota Jessica Powell, em “Literary Paris: a Guide” (The Little Bookroom, 2006), uma nova leva de “americanos havia chegado em Paris e novos rostos logo encheram o seu apartamento térreo, entre eles Sherwood Anderson, Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Robert McAlmon e Ford Madox Ford.

A casa de Gertrude Stein (1874-1946)

A casa de Gertrude Stein (1874-1946)

A tradição do velho salão de Stein seria substituída nos anos 1920 por essa ‘geração perdida’ (um termo mais tarde atribuído a Gertrude mas que ela alegava lhe ter sido dito por um gerente de hotel francês). Stein, então aproximando-se dos 50 anos, era tida por alguns desses jovens escritores como a ‘mãe de todos nós’, em parte pelo seu papel de mentora”. Consta, para dar um exemplo, que Hemingway lhe era grande devedor na formatação dos seus primeiros contos.

Nunca entrei no endereço da Rue de Fleurus. Apenas sonhava com o café e a conversa naquele salão avant-garde, de ideias radicais e geniais, numa Paris de outrora. Paciência. Devo me contentar em reler “A autobiografia”. Há muitas fofocas e meias-verdades no livro, dizem. Os americanos adoraram. Alguns ilustres franceses também. Outros nem tanto, Braque, Matisse e Tzara entre eles. Amigos romperam com a autora. Bom, eu não tenho nada com isso. Acreditarei em tudo. E vai ver Miss Stein, assim como fez com Hemingway, procede à minha instrução.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 29/10/2023 - 08:24h

Cachorros grandes

Por Marcos FerreiraCachorros grandes – CRÔNICA – Marcos Ferreira

Temos consciência de que o nosso país não é a oitava maravilha do mundo. Longe disso. Bem longe mesmo. A distribuição de renda, por exemplo, é uma lástima de proporção continental. A desonestidade política (salvo exceções) é outro problema crônico e nem sempre vale uma crônica. Há poucos dias, infelizmente, a imprensa em peso noticiou que um vereador potiguar, presidente da Câmara de Ceará-Mirim, foi preso em Natal por haver subtraído uma escova de dentes em um supermercado. Isso é nonada! Foi somente uma fraqueza, uma tentação, coisa do coisa-ruim.

O homem pagou uma fiança equivalente a dez vezes o valor do produto afanado e se encontra em liberdade, gozando da indulgência e do conforto de familiares e amigos. Nessas horas esse tipo de apoio é muito importante. Decerto o edil, contra o qual não pesa (até onde se sabe) nenhuma outra falta, está deveras arrependido de sua atitude cleptomaníaca. Que ninguém, portanto, atire pedras contra o senhor Kaio César Carneiro. Só o Todo-Poderoso é quem pode absolver ou condenar.

Apesar dos pesares, o Brasil é uma nação promissora e, no geral, topograficamente tranquila. Aqui, à exceção da fúria das enchentes em algumas regiões e do flagelo da seca noutras, não padecemos com terremotos nem amargamos as desgraças de uma guerra. É verdade que a bandidagem está em toda parte e o punguismo político costumam roubar a cena, porém não temos chuva de foguetes e mísseis desabando sobre as nossas cabeças. Não ouvimos a todo momento sirenes nos afugentando para abrigos subterrâneos. Embora ainda sejamos uma espécie de pigmeu diante das superpotências bélicas, a nossa diplomacia e soberania são reconhecidas e respeitadas.

O atentado a Israel, com a matança e sequestro de civis, é indiscutivelmente abominável e os israelenses têm o legítimo direito de se defenderem e contra-atacar. Pena que a contraofensiva de Israel já tenha provocado a morte de milhares de palestinos inocentes. Ao contrário de várias nações, não temos conflitos com ninguém. Estamos de boa com os Estados Unidos há muito tempo, embora nossa pusilanimidade diante da barbárie que a Rússia impõe à Ucrânia decepcione os ianques.

A China também joga no nosso time. Xi Jinping ama os brasileiros e o nosso futebol masculino de pernas de pau. Só a Rússia e a Coreia do Norte é que vêm tumultuando o meio de campo. Na cara dura, Vladimir Putin defende um cessar-fogo entre Israel e o Hamas enquanto ele próprio sustenta uma guerra covarde contra a Ucrânia. Por sua vez, com seu corte de cabelo que lembra a crista de uma galinha-d’angola, Kim Jong-un intimida os norte-americanos com armas nucleares.

Cada vez mais a condição habitável da Terra depende da psique beligerante de políticos e militares. O planeta possui oito bilhões de pessoas à mercê, principalmente, de quatro cachorros grandes: Rússia, Estados Unidos, Coreia do Norte e China. A guerra fria nunca esteve tão aquecida. A impressão é de que a qualquer instante um desses brigões pode disparar uma de suas ogivas e instaurar o Armagedom. Será um deus nos acuda. É quase certo que o Brasil, assim como na Segunda Guerra, seja obrigado a sair de cima do muro e tomar uma posição no embate ecumênico.

Mas o Altíssimo, que tudo vê, tudo pode e tudo sabe, há de impedir que o mundo se converta em fogo e cinzas. Pacificará o coração dos homens belicosos.

A seguir, abolindo a lei de Moisés, que pregava o apedrejamento de adúlteras, determinará que mais nenhuma mulher seja morta a pedradas nem de modo algum. O Papa Francisco também chegará junto com as suas poderosas orações. Os cachorros grandes enfiarão o rabo entre as pernas e ficarão mansinhos como cordeiros.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 29/10/2023 - 04:30h

Antes que tudo lá fora seja sol

Por Carlos Santos

(Foto: Produção do BCS)

(Foto: Produção do BCS)

Você nem percebeu antes: meus olhos fitavam-na há tempos. Ô! Nem lhe conto.

Viam cada detalhe daquele rosto delicado, branquinho, quase encoberto pelo grosso lençol.

Cabelos desdenhados faziam véu sobre sua fronte; uma respiração quase inaudível dava sinal de vida interior. De repente…cílios e pálpebras fazem movimento contínuo e sincronizado, num abrir e fechar lento. Hesitante.

Como “cortinas” que se elevam, eles deixam à mostra o brilho do seu olhar, que espelham o meu. Sob o traçado de lábios sinuosos e semifechados, você sorrir sem jeito. Parece incomodada.

Descubro a luz num quarto que teima em não amanhecer, antes que tudo lá fora seja sol.

Fecham-se as ‘cortinas’ outra vez. Ao que tudo indica, sem direito a “bis”. Mesmo que eu pedisse em silêncio, não seria igual.

Segundos depois, um leve olhar se forma de novo. Agora, mais cauteloso e de viés, como a perscrutar se ainda estou ali à espreita e de modo tão impertinente.

Assumo a felicidade contemplativa, aquela que vê tudo com a alma. Posso até virar estátua de sal, mas não largo a tentação de espiar o que me cativa.

Seu corpo rola para o outro lado num esforço sobre-humano, sem que quase nada saia desse casulo de algodão.

“Huumm!” A preguiça se enrosca na própria manha de menina que quer colo. Só isso.

Em posição fetal, se defende do mundo, do meu olhar e dos meus instintos. Mas não se queixa dos meus braços.

Faz do meu pulso extensão do seu, apertando-o firmemente com a mão presa ao próprio peito.

Está na hora de irmos embora.

– Vamos!

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos (Canal BCS)

*Crônica originalmente publicada no dia 1º de junho de 2014, há quase nove anos e quatro meses (veja AQUI).

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domingo - 22/10/2023 - 10:48h

O caso da madame

Por Marcelo Alves

Ilustração de Fernando Vicente/Doméstika)

Ilustração de Fernando Vicente/Doméstika)

Madame Bovary” (1857), de Gustave Flaubert (1821-1880), é uma obra-prima. Está entre os melhores romances já escritos. Para alguns, é mesmo o melhor. E eu ainda me lembro das sensações que tive quando o li, lá pelo final da minha adolescência, começo da vida adulta. Foram de um realismo de fazer corar os mais pudicos.

Parcialmente inspirado em um caso real, o enredo conta as aventuras e desventuras de Emma Bovary, nascida Roualt, uma jovem francesa que se casa com o médico provinciano, extremamente trabalhador, Charles Bovary. Apesar da paixão do marido por ela, Emma sente muito pouco por ele.

À própria falta de amor, ela compensa imaginando os amores que lê em livros/estórias românticas. Ela lê Walter Scott (1771-1832) e outros menos votados. Quando um dia Emma frequenta um baile promovido pela nobreza de então, ela ali se mistura, entre nobres e ricos, e imagina que nasceu para viver aqueles sonhos. E esses ideais românticos acabam por destruir seu casamento e sua vida (já paro por aqui, para não fazer mais spoiler).

Madame Bovary” não teve uma vida fácil. Não falo aqui da personagem, mas, sim, da obra/romance de Flaubert. Ela tratava abertamente de adultério, de suicídio, era anticlerical, era feminista. Como era praxe à época, ela foi antecipadamente publicada em folhetins, já em 1856, na Revue de Paris, de Maxime Du Camp (1822-1894). Fez escândalo. “Obscena, imoral”, gritaram. Tentaram proibi-la. Era o reacionarismo, o puritanismo, o machismo e um monte de outros “ismos” que vemos ainda hoje, infelizmente, pipocar em algumas cabecinhas coroadas.

Em fevereiro de 1857, a revista, o seu editor e Gustave Flaubert, este até então desconhecido do grande público, foram processados e julgados na França, por um tal “ultraje à moral pública e religiosa e aos bons costumes”. Apesar da insistência da procuradoria, embora criticados pelo “realismo vulgar e frequentemente chocante” da personagem principal, eles foram absolvidos. Aliás, anos depois, como informam Nicholas J. Karolides, Margaret Bald e Dawn B. Sova, em “120 Banned Books: Censorship Histories of World Literature” (Checkmark Books, 2011), o editor inglês de Flaubert também veio a ser processado no Reino Unido.

De nada adiantou essa zoada toda. Talvez tenha até surtido um efeito contrário ao pretendido. Publicado integralmente em 1857, alguns meses após o processo francês, o romance fez um sucesso retumbante. A madame ganhou o mundo.

Como obra literária, “Madame Bovary” inaugura o realismo. E talvez isso já bastasse para garantir seu lugar na história. Mas a sua qualidade artística é também inconteste. Como anota Jean-Claude Berton, no pequenino mas interessantíssimo “50 romans clés de la littérature française” (Hatier, 1993), ao polir cada frase, Flaubert desejou – e conseguiu – “fazer da linguagem a matéria do romance”.

Quanto ao conteúdo, é uma obra libertária. Fez um bem enorme ao feminismo. Trouxe para debate o divórcio, que, antes previsto no Código de Napoleão (1804), a Restauração na França havia abolido. Uma nova consciência do drama, em especial para as mulheres, de uniões viciadas, levou em 1884, após lutas parlamentares e de opinião, à reintrodução do instituto no país, independentemente do consentimento mútuo dos cônjuges, embora limitado a causas específicas. Gradualmente, foi-se impondo, em outros aspectos, a proteção da autonomia da mulher e do seu patrimônio. Botem isso também na conta, em boa parte, da Madame Bovary.

Por fim, a estória de Emma é interessantíssima sob o ponto de vista filosófico, notadamente quanto ao denominado livre arbítrio. Ela nos mostra que, quando se busca a felicidade, podemos pegar o caminho que nos leva à tragédia.

Bom, repito: de nada adiantou censurar o caso de Emma. A história ensina que é proibido proibir uma obra-prima. O escândalo fez-se sucesso. E o legado da madame é enorme.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 22/10/2023 - 09:32h

Cosmovisão

Por Bruno Ernesto

Cena de O Pianista (Reprodução do Papo de Cinema)

Cena de O Pianista (Reprodução do Papo de Cinema)

Durante o período escolar, quem de nós nunca brincou antes do início da aula?

Sabemos que certas vezes havia um exagero. Beirava mesmo à agressão física. Sim, isso mesmo.

Certamente você já ouviu falar no corredor polonês. Uma brincadeira que conheci no início dos anos 90.

Consistia a tal brincadeira, no enfileiramento dos alunos da turma no corredor de acesso à sala de aula, fazendo, literalmente, um corredor de alunos, para que o coleguinha de turma passasse até ingressar na sala de aula e, que, no trajeto, levava uns bons tapas. Era a recepção para um dia de aula.

Quem não era simpático às brincadeiras da turma, passava incólume pelo corredor polonês e ia guardar o material na sala antes de iniciar a aula.

Quem era dado às brincadeiras ou mesmo tido como fraco e indefeso, nesse trajeto, recebia uns bons tapas até conseguir entrar na sala de aula. E, claro, após guardar o material, reforçava o corredor polonês para recepcionar o próximo coleguinha de turma e, já bem acordado com os tapas que acabara de receber, elevava o tom da brincadeira. Quem chegava por último, certamente sofria mais.

No início, essa recepção era engraçada. Todos entraram no clima do corredor polonês. Quem apanhava, também batia.

Passados entusiasmo e a euforia do início da dita brincadeira, o corredor polonês passou a ser um terrível problema para a direção do colégio.

Lembro que a diretora Raimunda Almeida, a querida e eterna Tia Mundinha, ficou transtornada com a escalada do corredor polonês. Padre Sátiro ficou horrorizado. Foi iniciado um plano de contenção e de dispersão pela direção do colégio e o corredor polonês acabou.

Faço um parêntesis para quem achou o corredor polonês violento.

Lembra da brincadeira de derrubar um palito de picolé fincado num pequeno monte de areia no pátio do colégio? Infeliz daquele que derrubasse o palito e não conseguisse correr rápido para se salvar.

Hoje em dia esses tipos de “brincadeiras” renderiam muito problema para a escola e, em especial, para os pais dos alunos brincalhões.

O interessante dessa história, é que brincávamos de corredor polonês e, no fundo, sequer sabíamos a origem do termo corredor polonês. Isso, na verdade, pouco importava.

O termo corredor polonês tem origem quando da assinatura do Tratado de Versalhes em 28 de junho de 1919, no qual a Alemanha assinou os termos de rendição e, assim, pôs fim à Primeira Guerra Mundial e celebrou a paz mundial.

Como na história nem tudo é coincidência, foi lá, no dito corredor polonês, que em 1º de setembro de 1939, que o primeiro tiro de canhão da Segunda Guerra Mundial foi disparado contra a cidade de Danzig (Cidade-estado, semi-autonônoma), que a Alemanha dizia ser seu território.

Guerras sempre foram abordadas de inúmeras formas, pontos de vistas, narrativas e, não por onde, são temas literários recorrentes.

Umas das histórias de guerra que mais me chamou atenção foi a do polonês Władysław Szpilman.

Szpilman foi um pianista clássico, nascido em 5 de dezembro de 1911 e falecido em 6 de julho de 2000, e cuja dramática história de sobrevivência em Varsóvia, durante a ocupação alemã da Polônia na Segunda Guerra Mundial, foi eternizada no filme O Pianista, de Roman Polanski, lançado em 2003 e brilhantemente interpretado por Adrien Brody, e cuja música tema é Nocturne nº 20, de Chopin.

Frédéric Chopin não foi escolha de Polanski. Era uma predileção de Szpilman. Confira aqui o registro dele tocando no vídeo incluso nesta postagem):

Antes de assistir ao filme, li o livro por volta do ano 2000, cuja autoria é do próprio Władysław Szpilman – ou, apenas Wladek -, e que foi lançado originalmente em 1946.

Fiquei fascinado pela história, e a forma direta e crua como foi narrada no livro.

A adaptação do livro para o cinema, efetivamente, mostra toda a dramaticidade dos anos de agrura pelos quais ele passou no Gueto de Varsóvia. De fato, foi surreal.

A representação visual e sonora de um drama potencializa o sofrimento e desperta uma maior sensibilidade do espectador.

Porém o livro, quando lido detidamente, também passa a mesma impressão que o filme potencializa nos nossos sentidos.

A diferença é que a leitura atenta desperta em nós uma impressão apenas nossa. Sem estímulo externo. Nossa cosmovisão.

Assim, fica mais fácil compreender o motivo pelo qual tomamos certas atitudes, sem compreender o contexto e a nossa visão de mundo. O que pode ser uma brincadeira para uns, pode ser um sofrimento para outros.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 22/10/2023 - 08:10h

Escrever crônica

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa de Patrick Fore

Foto ilustrativa de Patrick Fore

Sexta-feira passada, ao topar comigo numa clínica do Centro, um leitor me disse que todo domingo lê o que escrevo neste Blog. Ora! Fiquei satisfeitíssimo com tamanha fidelidade. Acrescentou que me segue no Instagram e acompanha meus textos desde minha época de jornal O Mossoroense e Revista Papangu, aumentando assim meu regozijo. Senti-me uma espécie de Rubem Braga falsificado.

Meu leitor se anunciou como José Mota, professor aposentado da rede estadual. Deu-me um aperto de mão e informou que é mineiro de Juiz de Fora e que veio para cá na década de 1960, ainda adolescente, em companhia dos pais, que eram mossoroenses.

Tipo simpático, esguio, cerca de um metro e oitenta, mais velho que eu uns dez anos, ostentava uma farta cabeleira quase intocada pela calvície. Daí a pouco, entre uma coisa e outra, perguntou-me como é escrever crônica. Sim. Foi bastante específico, de maneira que pude concluir que eu não estava perante um leitor despreparado. O homem tinha ciência sobre o referido gênero literário.

José Mota poderia ter perguntado, por exemplo, como é escrever um conto, talvez um artigo, um poema ou um romance, no entanto não fez isso. O que interessava a ele era um macete, uma fórmula ou receita acerca de como trazemos à luz essa gema prosaica alojada entre o artigo e o conto. Então, descambando para o lugar-comum, tentei explicar que a crônica é essencialmente elaborada a partir de notícias e imagens do cotidiano, uma equilibrada mistura de imaginação e realidade, e que nem sempre dispomos da primeira nem da segunda. Aí, à falta de assunto e imaginação, confessei que a gente cava um pênalti, ou seja, inventa uma história qualquer.

Notei que José Mota, que em certo ponto da conversa me revelou que era professor de língua portuguesa, fez a pergunta já conhecendo a resposta. Achei que estivesse apenas realizando um teste, avaliando a minha teoria sobre o assunto, recordando seu tempo de sala de aula. Não sei qual nota me deu, mas gostei de tê-lo conhecido. Torço que algum dia apareça no espaço reservado à opinião do leitor. Ao contrário de alguns, ele sabe distinguir conto de crônica e crônica de artigo.

Assim como outras peças do artesanato linguístico, escrever crônica não cabe em truques ou manuais. Está acima de teorias, de ensaios e currículos. Toda hora nos deparamos na internet, nas redes sociais, com indivíduos vendendo segredos de escrita criativa, prometendo glória e sucesso àqueles aspirantes a escritores. A propaganda é boa e decerto mexe com a cabeça de muitas pessoas.

Sei que nem tudo é tempo perdido. Alguns desses mestres caça-níqueis têm muito o que ensinar a quem tenha capacidade de aprender e possua, digamos assim, um talento inato. Escritores famosos e bem-sucedidos deste país já passaram por essas escolinhas, por esses cursos virtuais. É justo dizer, portanto, que sempre é possível tirarmos algum aprendizado até mesmo de quem, aparentemente, não tem o que nos ensinar. Tudo pode servir de mote e também resultar em nada.

De repente um sujeito estica o beiço na calçada do Mercado Central e afirma que vai sair o cavalo no jogo do bicho; outro discorda, assegura que será a vez do peru, e isso pode ser matéria para se escrever uma crônica enriquecida com a mais autêntica trivialidade do dia a dia. É verdade que a escrita tem vontade própria e, às vezes, somos governados ao invés de governar. Uma tarde dessas sentei na intenção de produzir uma crônica, mas findei parindo um conto. E vice-versa.

Hoje, motivado por aquele encontro com o professor José Mota, entrei nessa enrascada de opinar sobre o que é escrever crônica. Sei que alguns desses teóricos da escrita criativa apontarão um monte de defeitos no meu texto. Talvez porque não tive a inegociável paciência de reler e reescrever esta página umas dez ou vinte vezes. Segundo Ruy Castro, escreve bem quem reescreve bem.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 22/10/2023 - 06:48h

Desaforismos ao pé do chope

Por François Silvestre

Foto ilustrativa do Jornal Novo Horizonte

Foto ilustrativa do Jornal Novo Horizonte

I- Se em cada cabeça, uma sentença; em cada bunda, uma sentada.

II- Tolstói disse que “certas pessoas ao entrarem numa floresta, só veem lenha para a fogueira”. Hoje, muita gente olha para para a multidão e só vê cadáveres.

III- Marx foi o maior conhecedor e decifrador do capitalismo. Ninguém o conheceu mais do que ele. Mas, ao prever como sucedâneo salvador o comunismo, errou profundamente. Do capitalismo, que conhecia, sabia tudo. Do comunismo, que previu, sabia nada. Sobre o capitalismo, sua obra é um monumento. Sobre o comunismo, sua previsão foi um monumental equívoco.

IV- Pela boca ninguém aprende nada. Pode até ensinar; aprender, não. De aprender, os olhos e os ouvidos. Ao ler ou observar, ouvir ou escutar.

V- Mesmo um sendo e o outro saindo do mesmo lugar, não são a mesma coisa o olho e o olhar. O dono tem o olho, o olhar é o dedo duro do dono.

VI- No Brasil, o comunismo nunca teve chance de poder. Foi sempre irrelevante e minoritário. Sempre. Porém, também sempre foi usado como pretexto para golpes ou tentativas de golpes. Os espertos golpistas o usam, como espantalho, para assustar os idiotas. E estes acreditam exatamente pela idiotice que os agasalha.

VII- O fascismo existe, mas não é uma ideologia. É um atributo comportamental por deformação moral. O progressista que, na rua, defende a diversidade e, em casa, reprime os diferentes, é fascista. Seu progressismo é de mentira. Stálin e Hitler eram fascistas.

François Silvestre é escritor

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domingo - 22/10/2023 - 04:30h

O bem volta!

Por Carlos Santos

(Imagem: Reprodução/Shutterstock)

(Imagem: Reprodução/Shutterstock)

Costumo dizer que “o bem volta.” Muitas vezes nem o percebemos, porque ele é simples, espontâneo e de coração. Não tem fatura, não precisa ser visto. Vem do fundo d’alma.

“E o mal?” – podem me perguntar. Fico com o ensinamento ancestral que a vida tem-me confirmado: “O mal por si só se destrói.”

O que nos confunde muito é a crença de que ele, o bem, deva voltar pelas mãos de quem de algum modo ganhou nossa generosidade ou compaixão. Teve o ombro. Por gratidão, digamos.

Seria uma espécie de reconhecimento ou materialização espiritual do toma lá, dá cá.

Ele pode bater à sua porta por outras mãos e formas, não necessariamente por quem você socorreu.

É comum que nem o identifiquemos de imediato ou jamais.

Mas, ele volta.

Mais ele volta.

E se a propaganda do que é feito não for a essência do gesto, para não se revelar um negócio, falso, eis o bem se preparando para retornar;

Principalmente, se nos sentimos mais felizes em ofertá-lo do que aquele que o recebe.

O bem está nas mãos de quem acolheu meu filho com carinho no seu primeiro dia de emprego, mesmo sem saber de minha existência;

Aparece no estresse do trânsito, quando o outro em vez de buzinar de ódio ao perceber uma manobra indevida, se aquieta – compreensível. Perdoa-nos;

Chega no sorriso sincero de quem me atende na lanchonete simples, não apenas por obrigação ou marketing, mas porque vê um rosto angustiado;

Está na oração reservada e sem voz de quem lembra de mim, de você, sem que saibamos, colocando-nos em seu pedido de proteção espiritual;

O bem tem a cara dos que me elegeram pai, não por orfandade, mas porque minha carência era bem maior;

Surge de supetão, assim mesmo de repente, de onde você menos espera, para dividir aquele restinho de refrigerante e o cachorro-quente contigo, na porta da escola;

Acolhe-nos através do amigo que nos faz irmão, pois nosso sangue é universal no sentimento;

Esse bem que conheço não estica o braço diante do semáforo, no vermelho, para deixar tilintar algumas moedas nas mãozinhas encardidas da criança faminta;

Nem pense em encontrá-lo no Instagram, Facebook, Twitter… Lá ele não aparece, por não ter necessidade de se exibir;

E fique certo: jamais existirá na primeira pessoa, visto que não aprendeu a conjugar a vida desse jeito;

O bem volta.

Às vezes a gente nem desconfia…

Mas, ele volta.

Mais ele volta.

O bem vai voltar, mas não porque doei o que me sobrava inútil: a camisa desbotada, o tênis esfolado ou o restante da quentinha que não consegui comer por completo;

Ele voltará porque resolvi dividir para lhe suprir, me desnudei para lhe vestir, renunciei para permitir que brilhes, estiquei o tapete em vez de puxá-lo à sua passagem, à sua vez, ao seu direito de vencer.

E se o bem não voltar?

O bem volta.

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos (BCS) e autor dos livros “Só Rindo – A política do bom humor do palanque aos bastidores (I e II)”

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domingo - 15/10/2023 - 08:46h

A ética do governante

Por Marcelo Alves

Ilustração Folha BV

Ilustração Folha BV

Apelidamos jurídica a ficção cujos enredos têm forte ligação com o direito, porque, entre outras coisas: (i) abordam temas da filosofia jurídica – incluída a ética das profissões do direito –, que são, como na filosofia em geral, quase infinitos em sua variedade; (ii) são inspirados em casos reais ou em grandes eventos da história do direito; (iii) boa parte das estórias se passa perante um aparelho judicial em funcionamento.

Permeando tudo isso, temos as “personagens” do direito, sobre quem os enredos também costumam focar: o réu, a vítima, o advogado brilhante, o promotor que busca a “justiça”, o juiz “justo”, o controverso júri e por aí vai.

Dito isso, doravante relacionaremos clássicos da literatura universal e do cinema com as profissões/personagens do direito, focando, tanto quanto possível, nas suas respectivas éticas.

Comecemos por aquele personagem que exerce o papel de soberano, governante ou legislador. Já em “Antígona” (441 a.C.), talvez a mais famosa peça de Sófocles (497-406 a.C.), encontramos uma lição para todo aquele que governa um Estado (ou faz parte desse governo): o poder tem limites. Nessa peça, em meio à guerra entre Tebas e Argos, a personagem-título, filha do incesto entre Édipo e Jocasta, opõe-se à proibição do rei de Tebas, Creonte, de enterrar o seu irmão Polinices, considerado um traidor da pólis tebana. Alegando um direito natural, ela dá exéquias ao irmão. E é condenada à morte, “enterrada” viva em uma caverna/túmulo. A partir daí, mil tragédias se sucedem, até que se cumpram os “destinos” de todos.

Vejamos trechos da peça, na tradução de Millôr Fernandes (Paz e Terra, 1996), que servem como lição para qualquer governante: “Dizem que a justiça é lenta, mas não existe nada mais veloz do que a injustiça”; “A tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram”; “Sábio é quem não se envergonha de aceitar uma verdade nova e mais sábio é o que a aceita sem hesitação. (…). Domina a tua cólera e cede no que é justo”; “Nenhum Estado pertence a um homem só. A cidade então não é de quem governa? Pensando assim serias um bom governante, mas de um deserto”; “Não deixem que meu coração fraqueje vendo a destruição que causei por não reconhecer que havia leis antes de mim”.

Os versos de Antígona assumiram um status único, na civilização ocidental, na busca pela justiça em uma sociedade de homens e mulheres. Como aduz Otto Maria Carpeaux (citado por Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto, em “O teatro e a história do direito: a experiência da tragédia grega”, no livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, Livraria do Advogado, 2008), Antígona “anda pelos séculos, sombra comovente, e em tempos de tirania volta ao palco para consolar-nos, fortalecer-nos pelo exemplo”. Nenhum poder deve ser absoluto! Aqui grito!

Lição complementar nos é dada em “Medida por Medida” (1604), de Shakespeare (1564-1616), que tem o seguinte enredo: o Duque de Viena, preocupado com a frouxidão das leis e a corrupção generalizada, anuncia que irá deixar a cidade temporariamente (embora continue ali disfarçado de frade) e põe no poder seu homem de confiança, Ângelo, conhecido pela rigidez de conduta. Ângelo ordena o fechamento de todas as casas de prostituição e também condena à morte Cláudio apenas por ele ter engravidado sua noiva Julieta.

A irmã de Cláudio, a casta freira Isabela, vai interceder junto a Ângelo em favor do irmão que espera o dia da execução. Ângelo apaixona-se e propõe perdoar Cláudio se tiver Isabela em sua cama. Sabedor de tudo, o Duque/frade participa de uma trama para enganar Ângelo, fazendo-o dormir com Mariana, pensando ser ela Isabela. Ao final, o Duque reaparece, desmascara a hipocrisia de Ângelo e obriga-o a casar com Mariana. O Duque, perdoando a todos, ainda casa Cláudio e Julieta, enquanto espera ter Isabela para si mesmo.

Na peça, em que nenhuma personagem é inteiramente boa ou má, enxergamos a “ética” do Bardo (na tradução de Carlos Alberto Nunes, Edições Melhoramentos): “Que lhe perdoe o céu, como a nós todos! Uns sobem pelos crimes; outros caem pela virtude. Alguns vivem impunemente, nos vícios atolados, outros por uma falta são julgados”; “Não podemos medir nossos vizinhos pela nossa bitola; os poderosos riem das coisas santas; o que neles é espírito, não passa de disforme profanação nos outros”; “antes de a alguém castigar, deve seus erros pesar. Vergonha para quem pune pecados sem ser imune”; “Leis para todas as faltas (…): são motivo de zombaria mais que de advertência”; “Dizem que os melhores homens hão de conter sempre defeitos e que chegam a ser melhores quando alguma coisa de ruim contêm”.

Numa terra onde o vício floresce, a justiça implacável parece ser a solução. A “justificada” tirania de um só “incorruptível”, que se acha o próprio direito, há de reparar o dano que a frouxidão tem causado. Mas aí é que surge a hipocrisia dessa justiça absoluta aplicada pelos homens. Essa justiça, no mundo real, de paixões e fraquezas, simplesmente porque não funciona, não é a medida certa. Pelo menos não na visão do grande conhecedor da alma humana que foi Shakespeare.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 15/10/2023 - 06:50h

Corpo fechado

Por Bruno Ernesto

Ilustração da Champion Dog

Ilustração da Champion Dog

Recentemente, li uma excelente crônica do grande Marcos Ferreira, na qual ele passou por uma quizomba daquelas (veja AQUI)! Quase parou no hospital. Um aperreio.

Tem quem não acredite em mau-olhado, olho gordo, quebranto, inveja, mandinga, enguiço, mau agouro e outras coisas.

Na última sexta-feira 13, pipocaram publicações na internet (que Xangô me perdoe), sobre essa data simbólica.

Eu mesmo publiquei a foto de Liev, meu gato preto da sorte.

Quando li a crônica de Marcos Ferreira, que falava sobre um mal súbito, possivelmente um mau-olhado, de súbito (desculpem o trocadilho), lembrei do mestre Luís da Câmara Cascudo e seu livro Meleagro, no qual fala de magia, catimbó, superstição, religiosidade e fechamento de corpo.

E, veja, Cascudo era católico fervoroso.

Quem já não teve medo de alguém lhe varrer os pés?

Certamente, você, leitor, já desvirou a sandália para proteger sua mãe. Talvez tenha colocado uma vassoura atrás da porta, batido na madeira três vezes e levado seu filho para rezadeira.

Minha mãe, católica fervorosa, me levava para Dona Mafisa me benzer com arruda e vassourinha quando era criança. Talvez para me livrar de uma pneumonia. Nunca esqueci.

Até Lampião, para a surpresa da volante que o matou na Grota do Angico, levava no seu bolso a oração da Pedra Cristalina. Talvez tivesse também a oração das 13 palavras ditas e retornadas. Quem sabe?

No aperreio ou por hábito, todos nós, consciente ou inconscientemente, consideramos certos rituais importantes para nossa saúde espiritual.  Sexta-feira 13 passada, vi muita gente demonstrar isso, e achei excelente.

Afinal, tem quem não acredite. Mas não duvida.

Incenso, trabalhos de amor e outras mandingas também são populares. Bem, mas isso é outro assunto.

Há quem coma churrasco à noite, mas compre sal só durante o dia; não tenha medo de coruja, mas horror a rasga-mortalha e urutau; adore chá de arruda, faça figa, tenha olho grego pendurado na porta e reze um pai nosso antes de dormir.

O sincretismo religioso é tudo.

Já escolheu sua roupa anil, renovou sua folha de louro na carteira e passou desinfetante de lavanda?

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 08/10/2023 - 12:14h

Ética jurídica e literatura – uma boa mistura

Por Marcelo Alves

Ilustração da página Direito ao cinema

Ilustração da página Direito ao cinema

Havendo proposto, na semana passada, o estudo interdisciplinar da ética jurídica com a literatura/cinema (veja AQUI), venho hoje fazer uma defesa dessa curiosa mistura. Especificamente, pretendo responder à dúvida básica que deve estar na cabeça de vocês: por que os profissionais do direito devem estudar ética jurídica através da literatura/cinema? Há alguma utilidade nisso?

Sem titubear, minha resposta é sim. E por vários motivos.

Antes de mais nada, o contato com a boa literatura é fundamental para o aprimoramento do discurso jurídico, sobretudo a capacidade de escrever dos profissionais do direito, incluindo aqui bacharelandos, advogados, promotores, juízes, legisladores e por aí vai. Para escrever bem, é preciso, ou pelo menos muito recomendável, ler bem. Isso sem falar que ler boa literatura é algo muito – muitíssimo mesmo – gostoso (certamente bem mais que os enfadonhos tratados jurídicos). Aqui já ganhamos duplamente.

Ademais, já sendo mais específico, a literatura/cinema testemunha a visão sobre o mundo jurídico existente em determinada sociedade em certa época (embora marcada, em boa medida, pela ótica particular do autor da obra estudada). Esse testemunho é bem mais acessível/compreensível aos leitores (com ou sem formação jurídica), para fins de reconstrução da imagem que a sociedade tem de seus atores/profissionais do direito, do que os áridos estudos jurídico-sociológicos de caráter estritamente científico.

Mesmo em se tratando de obras estrangeiras, podemos nos valer da análise comparativa para conhecer melhor a imagem que a literatura e a sociedade brasileiras fazem da nossa atividade jurídica e dos seus profissionais. E vale a pena estudar ética jurídica através da literatura/cinema porque a (re)construção ficcional dos operadores jurídicos pode ser um incentivo para que os estudantes e os profissionais do direito reais (juízes, promotores, advogados, policiais etc.) repensem – e, por consequência, reconstruam com aprimoramento – os seus papéis e as suas imagens na sociedade.

Doutra banda, na literatura/cinema, há inúmeras estórias que enfrentam e resolvem eticamente problemas jurídicos. Os grandes autores/diretores relatando a casuística da vida forense, dos escritórios de advocacia ou das prisões, em linguagem mais elegante e acessível do que a linguagem técnico-jurídica, são frequentemente excelentes professores de direito. Aliás, vale a pena estudar o direito/ética jurídica através da literatura/cinema porque, na medida em que haja uma correspondência entre a obra estudada e a realidade do mundo jurídico (o que nem sempre se dá, já que estamos falando de obras de ficção), o estudo do direito, partindo da casuística narrada, torna-se menos abstrato.

Outrossim, a ficção, ao mesmo tempo em que reproduz (além da concepção particular de seu autor) o direito posto e o imaginário popular acerca das diversas temáticas ético-jurídicas, também influencia, em graus variados, a construção desse direito e, sobretudo, desse imaginário. Nesse ponto, como se dá com outras interfaces da literatura (com a religião, com os costumes, com a moda etc.), a literatura e o cinema são subversivos, tanto para a filosofia do direito como para o direito positivo. Não é de causar espanto que esses “críticos” tenham antecipado muito das modernas teorias e tendências do direito (tais como a ética jurídica, o ambientalismo, o biodireito, o feminismo, a transexualidade etc.).

De fato, muitas das ideias inovadoras no direito, assim como boa parte das críticas à mentalidade jurídica consolidada, historicamente encontraram sua mais vívida expressão nesse popular e imaginativo meio de expressão, denominado por nós de romance, mas que, poeticamente, o mesmo William P. MacNeil chamou certa vez de “lex populi” (na obra “Lex Populi: The Jurisprudence of Popular Culture”, Stanford University Press, 2007).

Por fim, concluo afirmando que, com os grandes autores, com suas belas estórias, aprendemos que o direito não é um fim em si mesmo, isolado do mundo; ao contrário, ele faz parte da vida cotidiana, que é carregada de dramas bem reais. Alguns até acreditam ser essa a principal razão pela qual a literatura – e a arte em geral – interessa ao direito.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 08/10/2023 - 11:24h

Fé e devoção

Por Odemirton Filho

Devotos do 'santo' popular em Juazeiro do Norte (Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste)

Devotos do ‘santo’ popular em Juazeiro do Norte (Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste)

Ao pé da estátua do Padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro do Norte, Ceará, centenas de pessoas, sob um sol escaldante, sentindo o mormaço, olham para o alto, escrevem seus nomes no monumento, e pedem a benção do Padim Ciço. São crianças, jovens, adultos, idosos; gente de todos os recantos do país, principalmente do Nordeste.

Romeiros andam pra lá e pra cá. Vários ônibus lotados de fiéis sobem ao local onde se encontra o monumento, algumas pessoas fazem o percurso a pé. Lojinhas vendem os mais variados produtos, terços, rosários, chaveiros, imagens etc. Visita-se à casa azul, na qual os romeiros fazem os seus pedidos, pagam suas promessas, veem fotos e objetos que pertenceram ao Padre Cícero.

A cidade do Juazeiro vive e respira a memória do Padre Cícero. Em quase todos os estabelecimentos comerciais se vê uma estátua ou foto; creio que em boa parte das residências   também seja assim, apesar do Padim não ter sido declarado Santo pela Igreja Católica.

No livro Padre Cícero, Santo dos Pobres, Santo da Igreja, de autoria da religiosa Annete Dumoulin, o Bispo emérito de Crato, Dom Fernando Panico, diz que em 2006 foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé um pedido de reabilitação histórica e canônica do Padre Cícero. O Pedido, segundo ele, foi sustentado em sólidos argumentos, fruto de profunda reflexão dos membros de uma comissão, composta por doutos em várias ciências.

Por outro lado, não vi nenhuma menção ao encontro entre o Padre Cícero e Lampião, no qual o sacerdote concedeu uma falsa patente de capitão ao cangaceiro, quando este visitou o município. Além disso, como sabemos, há outros fatos que maculam a biografia do Padre.

Entretanto, para a maioria das pessoas que visita o Juazeiro nada disso importa. O que vale é a fé e a devoção no Padim.

Consta que dois milhões de pessoas visitam anualmente a cidade. Há um forte turismo religioso, movimentando a economia da região metropolitana do Cariri, pois as acolhedoras cidades de Barbalha e de Crato são vizinhas do Juazeiro do Norte.

A região é quente, abafada; até mais que Mossoró. Lá estando, aproveitando a mítica do lugar, com a alma leve, também fiz as minhas orações. Agradeci a Deus pelo dom da vida; roguei aos céus saúde e paz para mim e os meus.

Lembrei-me da pretensão de se construir em Mossoró um monumento em homenagem à nossa padroeira Santa Luzia. Será que conseguiremos? Quem sabe. Sendo assim, socorro-me do Evangelho: “Homem de pouca fé, por que duvidastes”?

Aliás, a fé alimenta a alma de milhões de pessoas, sejam católicas ou não, por isso a tolerância religiosa deve ser cultivada em uma sociedade que pretende ser plural e inclusiva, pois de acordo com a Constituição Federal é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Devo confessar que achei agradável conhecer Juazeiro do Norte (calor para mim não é novidade), presenciando a fé e a devoção das pessoas. Será ignorância do povo? Ora, quem somos nós para julgá-lo?

Talvez, as palavras do Bispo Fernando Panico, um dos arautos do Padre Cícero Romão Batista, lancem luzes para explicar tamanha devoção:

“Pelo testemunho perene dos romeiros e romeiras na Terra Sagrada do Juazeiro do Norte, não era possível acreditar que Padre Cícero fosse o “heresiarca sinistro” que Euclides da Cunha descrevia no seu livro Os Sertões. Certamente Padim Ciço tem algo de muito especial para ser objeto da” devoção de milhões de pessoas que vêm a Juazeiro para “visitá-lo”. 

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 08/10/2023 - 10:20h

Ponderação

Por Bruno Ernesto

"O leitor", filma a partir de obra de Bernhard Schlink (Reprodução)

“O leitor”, filma a partir de obra de Bernhard Schlink (Reprodução)

Tenho por hábito, revisitar certos livros, autores e assuntos do meu interesse. São escolhidos de forma aleatória. Às vezes, escolho uma editora para iniciar esse ritual.

Muitas vezes passo a vista na prateleira, vejo minha lista de desejos literários, lembro de um autor, de algum tema, e daí sigo.

Dia desses, apareceu no meu celular um álbum de lembrança que reúne fotos da galeria dos arquivos e gera uma pequena apresentação no formato de lembrança sugerindo uma  postagem nas redes sociais.

Dessa vez, apareceram umas fotografias de uma palestra que o programa de pós-graduação que a faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires estava promovendo e cujo palestrante foi o renomado jusfilósofo alemão Robert Alexy.

Além das fotografias, tenho meu livro de Teoria dos Direitos Fundamentais dedicado por Robert Alexy e ainda conversei com ele um pouco. Realizei um sonho.

Para quem se aprofunda no estudo do Direito Constitucional, certamente já ouviu falar dele.

Grosso modo, em sua técnica da ponderação dos princípios, ele utiliza uma fórmula matemática para contrabalancear os princípios. Em resumo, ora um princípio se aplica, ora outro o contrapõe. Porém, nenhum princípio anula o outro.

Sempre tive a curiosidade de saber se esse jusfilósofo, conhecido e respeitado mundialmente, tinha conhecimento em matemática aplicada para elaborar essa Teoria dos Direitos Fundamentais.

Pois bem. Por volta da metade da palestra, quando falava de como elaborou essa técnica da ponderação, admitiu que contou com a ajuda de um colega matemático da Universidade de Kiel. Dúvida desfeita.

Essa história me remeteu a um outro jurista alemão, o também constitucionalista Bernhard Schlink. Ele ainda  não conheço pessoalmente. Mas, fui aluno do professor Leonardo Martins, que é amigo dele. Inclusive escreveram um livro juntos.

O ponto que trago no presente texto é o de que, mais que o conhecimento, é a habilidade individual que uma pessoa pode ter, ou mesmo desenvolver, em distintas áreas.

Bernhard Schlink, por exemplo, ao longo de sua trajetória, além de um reconhecido e respeitado jurista, traçou uma carreia paralela como escritor.

Escreveu diversos romances, dentre eles, O Leitor, um dos mais aclamados da literatura alemã e mundial, tendo sido, inclusive, adaptado para o cinema mundial.

Nesse romance, em específico, Bernhard Schlink, talvez com seu conhecimento filosófico, traz à tona um verdadeiro dilema cujo pano de fundo foram os crimes de guerra cometidos pela namorada do personagem principal durante o período do regime nazista.

Ele traz à discussão, um tema que, mesmo quem não tenha conhecimento jurídico, saberá interpretar e chegar a uma conclusão.

Afinal, deve-se perdoar em nome do amor?

Será que podemos, como na teoria de Robert Alexy, fazer essa ponderação?

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 08/10/2023 - 06:48h

Saudade dos amigos

Por Marcos Ferreira

Ilustração do Buscapé

Ilustração do Buscapé

Hoje acordei assim, com saudade dos amigos. Isto não quer dizer que me esqueceram, que estou abandonado e muito menos me sinto para baixo, melancólico. Não. Significa apenas que o relógio, o calendário e a geografia têm jogado contra nós nos últimos tempos. Alguns estão a quinze, vinte, trinta minutos de distância. Outros, a muitos quilômetros, em cidades e estados por este país afora.

O telefone também parece sem muita eficiência no estreitamento dos laços. Não toca desde a sexta-feira. Exceto pelas chamadas entre mim e Natália, o silêncio é predominante. Não duvido de que as operadoras, por má vontade e atentando contra o próprio faturamento, tenham formado um conciliábulo para favorecer a deslembrança e prejudicar a memória.

Assumo minha responsabilidade em cinquenta por cento pela falta de comunicação. E não estou agora culpando ninguém por nada. Existem dias, semanas e meses em que os compromissos aprisionam a gente.

Hoje, então, penso nos amigos. Desejo que todos, apesar da correria, dos afazeres, estejam em paz e com saúde. Porque não existe, como sabemos, nenhum patrimônio mais importante do que saúde e paz. O resto é o resto.

Há pouco escutei a simpática vizinha da casa 30, bem aqui do lado, cantando uma música do Benito Di Paula. A mulher não é uma profissional do ramo, claro, no entanto possui uma alma de passarinho feliz. Acompanha a letra vinda de uma tal de Alexa.

Interage com esse equipamento enquanto realiza as suas tarefas, e o resultado é extraordinário. Pois uma pede o que deseja ouvir e a outra obedece com notável precisão. Aí fico com essa ideia boba de que às vezes temos melhor relação com certas máquinas e menos afinidade com a nossa complicadíssima espécie.

Percebo que sobrei na curva, capotei para outro assunto. Perdoem minha digressão. Estou certo de que mais cedo ou mais tarde estaremos juntos. Um aperto de mão e um forte abraço matarão a saudade.

Vai ser bom.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 01/10/2023 - 12:42h

Fundação estuda como alcançar a felicidade

Por Ney Lopes

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Confesso que não conhecia a Fundação Mundial da Felicidade, instituição vinculada às Nações Unidas.

O objetivo da instituição é convencer os países que o sucesso não pode ser medido somente por índices economicos, mas sim pelo grau de felicidade do povo.

Por istoa felicidade nacional deve se tornar um objetivo dos governos.

Afinal, o que seria a felicidade?

Os dez relatórios já publicados, da Fundação Mundial da Felicidade revelam conceitos desse estado de espírito das pessoas, que se irradia pelo país onde vivem.

A felicidade seria algo que as pessoas procuram encontrar, mas o que define a felicidade pode variar de uma pessoa para outra.

Normalmente, a felicidade é um estado emocional caracterizado por sentimentos de alegria, satisfação, contentamento e realização.

Embora a felicidade tenha muitas definições diferentes, é frequentemente descrita como envolvendo emoções positivas e satisfação com a vida.

Psicólogos e outros cientistas sociais normalmente usam o termo “bem estar subjetivo”.

A felicidade está no centro das ambições humana

O sociólogo espanhol, Luis Gallardo, presidente da Fundação Mundial da Felicidade, que virá ao Brasil em novembro, em entrevista declarou, que “a felicidade é o óleo do motor. Todos nascemos com ela, é parte do nosso ser.

Mas precisamos ativá-la”.

Sobre se a felicidade depende das pessoas, a resposta é sim.

Porém “ para apenas quem pode escolher. Há pessoas que não têm essa facilidade, porque podem ter problemas mentais, depressão, podem ter sofrido traumas muito fortes e não conseguir tomar decisões. E essas pessoas precisam de ajuda”.

Ainda é Luis Gallardo que alerta para a “ditadura do medo”.

Completa: “Há pessoas que têm medo de ser felizes. A humanidade decidiu definir o sucesso através do poder, do dinheiro, da fama. E para chegar a ele se adotam as três piores ações para a felicidade: comparar-se, queixar-se e competir”.

ESTUDOS da Fundação Mundial da Felicidade revelam que as pessoas felizes sentem toda a gama de emoções humanas – raiva, frustração, tédio, solidão e até tristeza – de tempos em tempos. Mas, mesmo diante do desconforto, eles têm um sentimento de otimismo de que as coisas vão melhorar, que podem lidar com o que está acontecendo e que serão capazes de se sentir felizes novamente”.

Aristóteles distinguiu a felicidade em dois tipos. Um, que é derivada do prazer.

Outro, da busca da virtude e do significado.

De tudo que os cientistas e pesquisadores concluíram sobre a felicidade, destacam-se os elementos a seguir citados.

Cultivar estado de calma, paz, esperança, perdão, compaixão, que ajudam a gerir nossos pensamentos e emoções, integrando espírito, postura, intenção.

Comer bem, dormir, não se ater ao passado, respirar, contemplar, meditar, estar na natureza.

Dizem os especialistas, que a felicidade é uma técnica, e se deve praticá-la.

Há consenso de que líderes políticos entendem que, se o objetivo da humanidade é ser feliz, precisamos olhar para isso.

As cidades somente são felizes, se os cidadãos são felizes.

As empresas são felizes, se os funcionários são felizes.

Escolas e universidades são felizes, se professores e alunos são felizes.

Países ou comunidades com mais estabilidade, confiança, menos corrupção, mais segurança e acesso à educação podem ter mais condições de promover a felicidade de seus cidadãos.

Segundo o Relatório Mundial da Felicidade, conduzido pela consultoria de dados Gallup, a pedido da ONU, a Finlândia foi reconhecida, pelo sexto ano consecutivo, como o país mais feliz do mundo, seguido pela Dinamarca, Islândia, Israel e Holanda.

O Brasil caiu 11 posições no estudo anual e foi do 38º para a 49º lugar.

Afeganistão  foi eleito o país mais infeliz do mundo, em 2023

Já que temos uma noção científica do que seja felicidade, só resta semeá-la, no dia a dia das nossas vidas.

Assim seja!

Ney Lopes é jornalista, advogado e ex-deputado federal

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domingo - 01/10/2023 - 11:36h

O renascimento do Clube da Poesia em Mossoró

Por Aldaci de França

Ilustração do G1

Ilustração do G1

O Clube da Poesia, que tem como principal objetivo difundir a poesia popular nordestina, através do repente e de manifestações culturais afins, como o cordel, a declamação, oficinas e cursos, surgiu na década de 1990, no então restaurante “O Sujeito” (Mossoró). Seu cartão de apresentação foi uma boa cantoria, seguida de outros bons desafios poéticos, com repentistas de Mossoró e Região, e de diversos estados do Nordeste.

Com a mudança de nomenclatura de O Sujeito para “Clube Carcará,” o projeto Idealizado e coordenado pelo poeta Crispniano Neto transferiu-se para o  Clube do Sindicado dos Trabalhadores da Educação do RN (SINTE/RN), e em seguida para o Clube Aceu/Uern. Dessa feita, essa ação cultural passou a ter a minha coordenação em parceria com o professor Josué Damasceno.

Para a realização desses eventos culturais, contamos com o apoio  do próprio Sinte, Universidade do Estado do RN (UERN), além da Unimed Mossoró. Sem esse amparo cultural, provavelmente teríamos tido mais dificuldades para a viabilizarmos o projeto

Sob a nossa coordenação, foram realizados 23 cantorias de grande êxito, com renomados repentistas nordestinos e cantadores bem referenciados regionalmente.

DEPOIS DO INTERVALO de alguns anos com essa ação cultural paralisada, resolvemos tentar a sua revitalização, com o propósito de realizar cantorias de forma itinerante em nossa cidade, objetivando contemplar  admiradores(as) da poesia popular nordestina. Assim, o caminho foi percorrer diversos bairros de Mossoró,  como também acreditando  nas presenças de apologistas do repente de toda a nossa região.

O retorno do Clube da Poesia, se justifica na ausência de um calendário anual de boas cantorias, em Mossoró, onde o interesse maior seja fortalecer a cultura de raiz em nossa cidade. Precisamos destacar a sua valorização com a realização do Festival de Repentistas do Nordeste no Mossoró Cidade Junina (MCJ), por exemplo. E, neste 2023, chegou à XXI edição.

Outros eventos procuram difundir a poesia popular, no entanto, se faz necessária uma maior visibilidade em relação ao repente – que é patrimônio cultural do Brasil desde 2021, caso você não saiba. É referência da identidade da região Nordeste.

Com a pretensão de colocarmos em práticas esse objetivo, neste 06 de outubro de 2023, às 19h, estaremos na rua Juvenal Lamartine, 1676, na residência do poeta Zé Teles, Bairro Santo Antônio, à reabertura do Projeto Clube da Poesia. Vou me apresentar ao lado dos Irmãos Bessas, Antônio Domingos, o próprio Zé Teles e outros convidados.

É hora, ou passa da hora, de recomeçarmos. Então, vamos!

Aldaci de França é professor, poeta repentista, escritor e coordenador do Projeto Clube da Poesia em Mossoró.

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domingo - 01/10/2023 - 10:46h

Extramuros

Por Bruno Ernesto

Cemitério de São Sebastião (Foto: Glauber Soares)

Cemitério de São Sebastião (Foto: Glauber Soares)

Trago na memória, desde tenra idade, a imagem do cemitério público municipal São Sebastião, localizado no centro de Mossoró. Desde sempre, passo diariamente em frente a ele. Várias vezes ao dia.

Tive a tristeza de ir me despedir de vários amigos que lá estão sepultados. Até visitei os túmulos algumas vezes tempos depois.

Falar da morte pode não soar muito bem para a maioria das pessoas. Penso que é um assunto que deve ser tratado com naturalidade. Porém, reconheço que quando ocorre próximo da gente, sempre cabe uma reflexão. Como disse Manoel Bandeira: “Tudo é milagre. Tudo, menos a morte.”

Na nossa tradição cristã, especificamente católica, até meados do Século XIX, ante a inexistência de cemitérios como estamos acostumados a ver hoje, os sepultamentos se davam nos adros.

Com o crescimento populacional e a ocorrência de epidemias e, por vezes, desastres, que passaram a vitimar mais pessoas num curto espaço de tempo, os adros já não mais comportavam as inumações como antes a tradição católica exigia. A partir de meados do Século XIX foram construídos os primeiros cemitérios nos moldes que ainda podemos ver, com túmulos ornamentados, alamedas, epitáfios e, por vezes, esculturas.

Com o passar do tempo, além do seu propósito, também passaram a ser local de grande expressão artística, aliado ao aspecto religioso que, desde o início, guardam. Veja-se, por exemplo, que suas administrações eram feitas por congregações religiosas, notadamente católicas.

No caso de Mossoró, com a construção do cemitério público São Sebastião no ano de 1869, o cemitério velho, idealizado pelo Vigário Rodrigues, os sepultamentos que se davam nos adros da igreja da Mata Fresca, Capela de Santa Luzia, Casa de Oração do Bairro da Igreja Velha e, por fim, na Matriz, passaram a ser feitos no mesmo. Suas dimensões atuais se estabeleceram nos anos de 1877-1879, ampliação feita em razão de uma grande seca que vitimou grande número de pessoas em Mossoró, havendo registros de que centenas de pessoas eram sepultadas diariamente em grandes valas abertas detrás da capela do cemitério.

Cemitério de São Sebastião (Foto: Glauber Soares)

Cemitério de São Sebastião (Foto: Glauber Soares)

Retomando o raciocínio inicial, os cemitérios passaram a ser não apenas um local de despedida e repouso final dos nossos entes queridos e amigos, cujo aspecto religioso ainda guarda forte traço de espiritualidade – afinal, o grande dogma do cristianismo é a ressureição -, passando após, a ser um verdadeiro centro de expressão artística. Vem daí a construção de túmulos e mausoléus que são verdadeiras obras de arte, com seus significados e representações, e que nos levam a refletir sobre a própria morte; como podemos constatar nos famosos cemitérios da Recoleta, da Consolação e do Père-Lachaise.

Em verdade, os cemitérios revelam o que pensa determinada sociedade sobre a morte.

Hoje, independentemente do porte, das personalidades enterradas, da importância e representatividade dos construtores e artistas que, verdadeiramente, assinaram suas obras de artes nesses antigos cemitérios, e, até mesmo da religião de quem lá está sepultado, o que se revela é que a morte vem sendo ressignificada para nós. Porém, a simbologia se mantém inalterada, posto que tem por função perpetuar a memória de quem deixou a vida terrena.

Razão disso, há pessoas que visitam regularmente os cemitérios para orar pelo ente querido, para refletir sobre a própria existência, ou mesmo contemplar o cemitério, como é o caso daqueles famosos cemitérios ou daqueles mais modestos, que, no entanto, cumprem fielmente sua função, especialmente a espiritual.

A morte sempre possuiu uma simbologia. Para uns, de irresignação. Para outros, de reflexão.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 01/10/2023 - 06:34h

Mau-olhado

Por Marcos FerreiraMau-olhado – CRÔNICA – Marcos Ferreira

Algumas vezes por vontade própria, outras por cautela financeira, esta nossa Mossoró me tem visto muito pouco. Então, sendo um indivíduo com baixa quilometragem, quase não frequento as rodas intelectuais, os cafés, os saraus literários. Sei que já falei mais ou menos sobre isso em data recente. Entre outros endereços, estou devendo visitas a familiares e amigos. Hei de revê-los em breve.

Este rodeio é para contar a pequena e distante história de um mau-olhado. Também conhecido por quebranto. Calculo que foi no início de 2018, antes da pandemia. Nesse tempo, ao contrário de hoje, eu batia pernas por aí com maior frequência. Ia ao cinema do shopping, entrava em alguma loja, dava um pulo na livraria, tomava um cafezinho ali por perto. Acontecia de comprar um sorvete ou uma barrinha de chocolate amargo. Não dava importância ao ruído, ao vaivém das pessoas. Gente habituada àquele passeio tão apreciado por famílias e namorados.

A classe média se achava. Continua se achando. Da mesma forma os pseudorricos. O espaço naquele empório parece elevar o espírito, a autoestima dos seus frequentadores. Em maior número, claro, está a população com menor poder aquisitivo. Esses dão pouco lucro aos comerciantes. Alguns deixam os seus veículos do lado de fora. Pois o preço que cobram por aquele estacionamento é uma facada.

Bom. Não quero enrolar. Vamos logo ao referido mau-olhado. Num domingo, portanto, começo da noite, de cabelo cortado e barba bem escanhoada, lá estava este pequeno cronista de bobeira. Eu acabara de sair da livraria quando topei com uma escritora desta cidade. Encontrava-se em companhia de certa mulher, cujo nome ignoro até hoje. Notei que a desconhecida empalideceu diante de mim. Achei que fosse desmaiar. Era uma jovem senhora bonita, de cabelos loiros e olhos verdes. Tive vontade de perguntar se ela estava se sentindo mal, contudo fiquei na minha.

A escritora cuidou de me apresentar e decerto informou o nome da amiga, detalhe este do qual não consigo lembrar. Daí a pouco a mulher readquiriu o sangue das faces. Suspirei. Eu temia que ela fosse ter um troço, uma síncope. Em seguida observei que ela, após balançar a cabeça lateralmente, como buscasse repelir o mal-estar, lançou-me um olhar feroz. Nesse minuto tremi de cima a baixo.

A explicação para aquele estranho comportamento não tardaria. A desconhecida resolveu abrir a boca e, ainda com ar de quem recebera uma ofensa, disse que eu era um sósia, que eu tinha a cara do seu ex-marido. Não revelou o nome do sujeito, que torci para que não fosse meu xará. Ressentida, a voz meio trêmula, acrescentou que o dito-cujo a havia trocado por outra dez anos mais nova: “Uma piranha de Grossos”, disparou. Fiquei desconfortável. Só não pedi desculpas. Mas falei que lamentava e que, salvo exceções, não se pode confiar nos homens, espécie inferior.

Foram embora. De imediato uma náusea me sobreveio. Tomei o rumo de casa já suando frio. Acordei de madrugada tremendo o queixo. Febre. Recorri à dipirona. O estômago não tolerou o comprimido. Vomitei. Repeti o medicamento. A febre me largou. Mal o dia amanheceu, porém, fui atacado por cólicas e diarreia. Escapei fedendo. Espero nunca mais me deparar com uma mulher traída.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 24/09/2023 - 14:48h

Café com Henry Koster

Livro pela Cia Editora Nacional - 1942 (Foto: reprodução do BCS)

Livro pela Cia Editora Nacional – 1942 (Foto: reprodução do BCS)

Por Bruno Ernesto

Sou mossoroense de coração, criação e, recentemente, cidadão por titulação da Câmara Municipal, o que muito me orgulha.

Independentemente disso, sou apaixonado pela sua história. Aliás, quem não o é?

Há diversas obras que falam sobre Mossoró, sua gente, seus personagens, seu nascimento, desenvolvimento e seu futuro.

Entretanto, quero falar do seu passado. Um passado que já dista mais de duzentos anos, cujo personagem principal é quase que desconhecido pelos próprios mossoroenses de nascença: Henry Koster.

Tal figura, um inglês, ao que se consta, foi o primeiro a colocar Mossoró no mapa da historiografia, quando ainda era chamado de arraial de “Santa-Luzia”, ao passar por Mossoró em 07 de setembro de 1811.

Podemos citar diversos viajantes estrangeiros no período colonial brasileiro que descreveram suas aventuras, passagens e andanças nas terras do Novo Mundo, relatando sua fauna, flora e o povo – já dito brasileiro-, como diria Darcy Ribeiro. Dentre eles, podemos citar Arséne de Paris, André Thevet, George Marfraff, Cuthbert Pudsey, Hans Staden, Pierre Moreau e muitos outros.

Porém, Koster difere dos demais por ter descrito com maior fidelidade o então arraial, que contava à época com pouco mais de trezentos habitantes e era formado basicamente por choupanas; formação típica do interior do Nordeste brasileiro naquele período.

Partiu do Recife/PE em 11 de outubro de 1810 a cavalo, tendo como destino a cidade Fortaleza/CE. Atravessou os Estados do Pernambuco e Paraíba antes de chegar a Mossoró.

Ao chegar, causou um certo alvoroço, tendo, inclusive, sido abordado por uma dita autoridade policial local que, desconfiada de que era Koster um mensageiro de Napoleão Bonaparte, forçou sua partida na mesma manhã.

Apesar do pouco tempo de sua estada em Mossoró, foi o suficiente para descrever o arraial como sendo um quadrângulo de casas pequenas e baixas, indicando, inclusive, a igreja recém-construída.

E onde entra o café nessa viagem? Deve você, leitor, estar se perguntando.

Bem, os dois volumes da obra Viagens ao Nordeste do Brasil, de Henry Koster, traduzida brilhantemente pelo mestre Luís da Câmara Cascudo, e cuja primeira edição foi impressa em 1816 em Londres, já é uma raridade.

Há alguns anos, saí cedinho para ir para universidade de Buenos Aires e, como de costume, me apressei para tomar um bom café espresso antes da aula.

Dessa vez, não lembro por qual motivo, tomei outro caminho do habitual e me deparei com um sebo. Minúsculo, quase imperceptível, cuja especialidade eram primeiras edições de livros dos mais variados assuntos e autores: Kardec, Marcel Proust, Borges e Koster. Para minha surpresa!

Fiquei fascinado, claro. Pedi à atendente para folhear a primeira edição do original de Koster. Após uns instantes, achei o que procurava. Estava escrito: “A 7 de setembro, às dez horas da manhã, chegamos ao arraial de santa-luzia, situada na margem setentrional do rio sem água, num terreno arenoso.”

Só fui tomar o café após o almoço!

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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  • Cachaça San Valle - Banner Rodapé - 01-12-2024
domingo - 24/09/2023 - 08:38h

Qual será o seu legado?

Por Odemirton Filho gramática, portugues, escrita, letras, jornalismo, imprensa,

Há algum tempo minha filha mais nova me presenteou com um livro. Um presente para ser devolvido, segundo ela. O livro apresenta várias perguntas, pedindo-me para escrever sobre a minha infância, sobre ser pai, sobre meus hobbies.

Achei interessante a proposta e, aos poucos, estou respondendo. Em cada resposta, resgato um pouco do meu passado; da minha infância. Infância de brincadeiras e sonhos. Infância vivida ali, nos arredores da Igreja de São Vicente e da praça do Codó, sentindo o calor do forno da antiga padaria de meu pai; comendo pão d’água e bolachas sete-capas.

Nos idos de 1980 o mundo era outro. Não havia internet nem redes sociais. O nosso mundo, real, eram as brincadeiras, o jogo de futebol na rua, o andar de bicicleta. A chegada de um parque de diversão, onde hoje se localiza o Teatro Dix-huit Rosado, era uma alegria para nós, crianças. A Festa de Santa Luzia era um acontecimento esperado durante todo o ano. Nas férias escolares, em janeiro, o mergulho no mar de Tibau.

Já ser pai é ficar “abestalhado” vendo os filhos nas apresentações da escola. É lutar diariamente para que os filhos possam seguir o caminho do bem. É se alegrar com suas vitórias, chorar com suas derrotas. É convencê-los que perder e ganhar faz parte da vida. Ensiná-los a serem honestos, principalmente, pelo exemplo; é entregá-los aos cuidados de Deus.

Os hobbies não são muitos. Fazer minhas leituras, escrever para o Nosso Blog (escritor, de verdade, é Marcos Ferreira, François Silvestre, Honório de Medeiros), viajar até onde minha grana permite; curtir uns shows; ficar ao lado da minha família. E, claro, tomar umas, ouvindo as músicas da década de oitenta, lembrando-me dos tempos da juventude.

Para finalizar, trago uma pequena história escrita por Martha Medeiros no seu livro Conversa na Sala. Conforme narrou, um dia estava em um velório e ouviu quando uma criança se aproximou do caixão onde estava o seu avô e disse: “obrigado, vô.”

Talvez, o menino estivesse agradecendo pelos momentos que curtiram juntos, pelos jogos do time do coração que assistiram no estádio de futebol, pelo sorvete de chocolate que tomaram, pelas brincadeiras, sorrisos e ensinamentos.

E continua a cronista:

“Nem o dinheiro que acumulou, nem a big casa que construiu, nem seus títulos e prêmios, nem seu sobrenome, nem suas postagens, nem sua pele sem rugas, nem as festas, nem a fama, nem seu passaporte megacarimbado, nada, nada, nada disso vai sobreviver.  

Nossa vida pode ter sido preenchida por muitos convites e conquistas, pode ter sido rica em experiências curriculares e sensoriais, mas só o que dá real sentido a ela é a nossa ampla e franca generosidade, é a visão amorosa e humanista sobre tudo o que nos cerca, é o esforço em deixar o mundo um pouco melhor do que quando aqui chegamos.  

Se não merecermos um “obrigado” verdadeiro ao final, aí sim pode-se dizer: que perda. Nossa vida terá sido em vão.

Um dia, quando minha filha folhear o livro, verá que fui um homem comum, com inúmeros defeitos e alguma virtude, mas que tentou legar algo de bom.

E você, qual será o seu legado?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 24/09/2023 - 06:46h

Periscópio

Por Marcos Ferreira

Imagem do Freepik

Imagem do Freepik

Gosto de ficar em casa. Aliás, para ser franco, tenho medo de sair. Sei que a violência me espera do lado de fora. Ela pode estar à minha espreita, que sou presa fácil, sem armas, saúde nem estrutura para certos enfrentamentos. Não me arrisco nem mesmo em bate-bocas, discussões. Não tenho nervos, sangue-frio. Exceto escrevendo. Até isso tornou-se muito raro hoje em dia.

Então, repito, gosto de ficar em casa. Aqui me sinto a salvo, a menos que seja atacado por um infarto ou derrame cerebral. Mas aí não será culpa desse bicho imprevisível chamado sociedade.

As ruas estão cheias de cães e gatos abandonados. Os governos municipal e estadual não se mobilizam, não fazem nada para mitigar o sofrimento desses animais. É triste. Como não bastasse, surge um vereador de Apodi (sem alma nem coração) propondo criminosamente que os infelizes sejam abatidos. Imaginem se fôssemos abater os políticos desocupados e inúteis que vivem soltos por aí.

O trânsito me assusta. Monstro de metal, carne, ossos e fúria. Um sujeito qualquer, desses que se autoproclamam cidadãos de bem, pode sair possesso de seu automóvel com uma arma de fogo e cometer um assassinato tão somente porque não tolera receber uma reprimenda ou reclamação de outro condutor.

Não me interesso por frequentar lugares públicos, cheios de pessoas potencialmente agressivas. Viajar também não é para mim. Sobretudo se a viagem for de avião. Instigado por amigos, fiz apenas duas viagens aéreas em toda a minha vida. Para receber premiações literárias. Uma vez no Rio e outra em Salvador. Não tive coragem, porém, de comparecer à solenidade de premiação em Manaus. Depositaram o dinheiro, e os livros vieram pelos Correios. Sou um animal terrestre. Deixo o céu para as aves, os seres alados. Embora também haja perigos, prefiro o solo.

Contudo, nesta pequena e agradável casa, projeto da querida amiga Miriam Ferreira, algo me preocupa: tremores em excesso. O problema só aumenta, apesar de meu psiquiatra ter substituído e retirado alguns medicamentos. Estou aqui me organizando para consultar um neurologista particular.

Esse tipo de profissional não está disponível na saúde pública de Mossoró. Atemoriza-me a possibilidade de não mais dominar o teclado, entre outras limitações. É trabalhoso tomar uma sopa, manejar um barbeador, uma caneta. Quase não consigo manuscrever o meu nome.

Talvez seja apenas coisa da minha cabeça. No mais estou muito bem. Não sinto a menor falta de multidão, palco nem holofotes. Negociei um armistício com os meus fantasmas e a nossa convivência tem sido respeitosa. Recebo alguns amigos que ainda me visitam e me alegro com o carinho e consideração que me transmitem.

Sei que esses não estão interessados em todo o meu dinheiro, ao contrário daquele moço remediado conhecido por Elon Musk. Esse está me devendo uma grana que tomou emprestada e que eu já dei por perdida. Que ele me perdoe a indiscrição.

Submerso em meus silêncios e recolhimento, observo este município com um periscópio que aponto especialmente para os blogues e redes sociais. Todavia não demoro. Receio me deparar com notícias abomináveis como essa do vereador apodiense que prega a matança de cães e gatos sem um lar. Assim, prejudicando meu equilíbrio, noto que perco um pouco da paciência, o sangue esquenta. Os nossos gestores precisam dar um tempo no populismo e agir em benefício dessa causa.

Era o que eu tinha para contar e dizer por hoje. O domingo está calmo. Ao menos neste recorte da periferia. Minha paz doméstica não será afetada pelo leve ruído da vizinhança. Hora de tomar um banho, esfriar a moleira, fazer um café. Quero esquecer essa malvadeza proposta contra os bichinhos de rua.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
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