domingo - 22/08/2021 - 07:50h

Querido Texto…

Por Marcos Ferreira

Bom dia, querido Texto. Ou boa tarde ou boa noite, a depender do momento em que você se faça presente ao longo destas páginas.

Aqui estamos, mais uma vez, neste encontro ameno e silencioso. E é sempre assim, você comigo e eu com você, sujeito às suas conveniências. Escrevo, porém, com o mesmo carinho, com renovada alegria e prazer. Exatamente, querido. Toda vez é uma grande satisfação colocar-me diante deste velho notebook, sentado a esta escrivaninha já bamba, e estabelecer contigo este diálogo. Jamais um solilóquio. Porque sei que da sua parte, com as suas particularidades, interagimos.

Como percebe, hoje amanheci coberto de lirismo. Sinto a alma leve. Estou de bem com a vida, aqui tomando o meu cafezinho escoteiro e ouvindo a passarada trinando na copa da mangueira, no quintal da residência aos fundos da minha. É uma beleza essa trilha sonora. Isso ocorre, sobretudo, cedinho.escrita, texto, escrever, diálogo,

Nessas ocasiões sequer aciono a playlist com oito horas de blues. Dou preferência à maviosa e diversa música dos cantores alados. Sei que isso não é novidade, recordo que falei sobre esses artistas outro dia. No entanto, como costumo dizer, não faz mal recordar o que faz bem. Ao menos a mim, que desafino até batendo palmas, a música propicia um lenitivo, um bem-estar indescritível.

Então, querido Texto, ouçamos mais o que nos têm a dizer os passarinhos. Quanta poesia existe em suas vozes polifônicas! É um privilégio poder ouvi-los, “mal rompe a manhã”, como no verso de Drummond. Quisera eu ter maior engenho, um tanto mais de poeticidade na escrita para homenageá-los.

Há ainda o farfalhar dos ramos da grande árvore, expostos ao sabor do vento. Isso, de repente, lembra-me “as folhas de coqueiro amareladas pelo tempo” aqui e acolá referidas pelo cronista Inácio Augusto de Almeida, visão de que usufrui deitado em sua cama, através da janela do quarto. Inácio, não nos enganemos, é um enfeitiçador de palavras. Possui o que contar e faz isso com qualidade.

— Canta, canta, passarinhos — murmuro aqui, como se eles fossem capazes de ouvir e de entender o que eu digo. Não é, Bilac?

Após um bocejo leonino, tomo mais um gole da rubiácea. Estalo os dedos, conserto os óculos no alto do nariz, e me aprumo na cadeira giratória. Penso em soltar o blues, porém o trinado do passaredo continua em alto e bom som. Gudãozinho, minha grácil e trêfega gatinha, aninha-se aos meus pés.

— Oi, Gudãozinho? — converso com ela, como de costume. Isso ocorre o dia todo. Ela ronrona, comprime os olhos azuis. Adora deitar-se sobre meus chinelos. Arranha de leve meu pé esquerdo, ameaça mordiscar-me o tornozelo. É brincalhona à beça. Mas só comigo. Quando recebo alguém, ela foge, vai se esconder no banheiro, atrás do vaso sanitário. Fica lá encolhida até a visita ir embora.

— Quer seu sachê? — aí ela arregala os olhos.

Permita-me uma digressão, ou um parêntese.

Imagine você, querido Texto, o estado em que Gudãozinho me apareceu. Certa manhã, quando abri o portão para colocar um saco de lixo na calçada, era dia de coleta, notei aquele vulto branco invadindo o quintal. “Um gato!”, concluí imediatamente. Larguei o saco e voltei para expulsar o suposto invasor.

Coisa nenhuma. Ao me inteirar da situação da felina, não tive coragem de jogá-la de volta na rua. Quando me aproximei, Gudãozinho correu para o fundo do muro. De tão fraca, entretanto, ela tropeçou nas próprias pernas e caiu. Não mais se ergueu, abdicou da fuga. Encontrava-se às vascas da morte. Era tão somente pele e ossos. Consegui uma xícara de ração com uma vizinha e dei à gata.

Estimei que tivesse uns três meses de idade. Comeu deitada, as patas dianteiras sob o colo. Não conseguia ficar de pé. Adotei Gudãozinho, que é felpuda e branquinha. Então apliquei essa corruptela à palavra algodão. Era abril. Daí para cá Gudãozinho dobrou de peso e, agora, esbanja saúde e boniteza.

Bom, fechemos o parêntese, retomemos a pauta. Penso em você, querido Texto, a cada palavra inserida nesta crônica adocicada. Sim. Um pouco de doçura não faz mal. Vivemos tempos tão amargos, nefastos. Viu aquele bizarro desfile bélico em Brasília? Pois é. Que ridículo! Felizmente, sempre combativo, temos aqui um François Silvestre, que já entra dando uma voadora nesses fascistas.

Basta! Não quero (por higiene mental) discorrer acerca de política. Não pelo menos nesta crônica, que desejo oferecer exclusivamente a você, meu querido Texto. Que estas páginas, ao fim e ao cabo, adquiram algum brilho, exibam algo de belo, quem sabe como os lindos olhos azuis de Gudãozinho.

— Não é, Gudãozinho? — ela nem liga.

Repito, com alguma variação, o que falei ao meu editor Carlos Santos e à amiga Rozilene Ferreira da Costa: você, querido Texto, dignifica estas publicações dominicais. As pessoas (leitores) me vêm saudando, parabenizando por nossa parceria. Isso tem feito valer a pena cada minuto, cada hora que dedico a esta sadia relação; eu que passei longos quinze anos sem publicar em periódicos.

Portanto, querido Texto, tenho recebido muitos incentivos de leitores também queridos e gentis. Vem-me à lembrança a amiga Cristiane dos Reis, que domingo passado me brindou com este gratificante comentário: “Por favor, não ouse me deixar sem crônica no café da manhã. Já estou acostumada”.

Como posso não me inspirar com essas pessoas? Daí a pouco surge alguém do quilate de um João Bezerra de Castro, autor de Pegadinhas da Língua Portuguesa, rica obra publicada em três volumes, e declara isto:

“Com o texto ‘Hoje não tem crônica’ o autor esbanjou talento e nos encantou. Sem dúvida, é um craque do gênero crônica. Estou na fila aguardando o livro com todas as crônicas já publicadas porque, pela excelente qualidade, precisam ficar registradas na história da Literatura Brasileira”. Obrigado, João.

Nesse exato domingo, no espaço do leitor, Luiza Maria escreveu a certa altura: “Alguns clientes batiam na mesa para chamar minha atenção para poder pagar… eu estava totalmente enfeitiçada… e esse mesmo feitiço se repete toda vez que leio Marcos Ferreira. Continuo encantada!” Gratíssimo, Luiza.

Desculpe se, porventura, exibir tais vozes lhe parece cabotinismo. Não é cabotinismo, tão só orgulho. Orgulho de ser lido, entre outros, por um Odemirton Filho, um Marcos Rebouças, uma Vanda Jacinto, um Rocha Neto, uma Simone Martins, um Aluísio Barros, uma Rizeuda da Silva, um Jessé Alexandria, um Airton Cilon, um Marcos Aurélio, um Fabiano Souza, um Marconi Amorim.

Gente de lugares diversos. Daqui: Mário Gaudêncio, Francisco Nolasco, Zilene Medeiros, Elias Epaminondas, Vanda Maia, Misherlany Gouthier… De fora, uns mais longe, outros menos: Túlio Ratto (Natal); Clauder Arcanjo (Fortaleza), e Alcimar Jales (Rio). Sinto-me honrado com a leitura de todos.

— Esqueci-me de alguém, Gudãozinho?

Mirando meus olhos, ela balança a cabeça afirmativamente. Bom, fiquemos por aqui. Receba o meu abraço, querido Texto. Aproveito para erguer um brinde com café a este nosso antigo e prazeroso convívio. Tim-tim!

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 15/08/2021 - 12:38h

Diário de um voluntário – XLIII

George foi um dos vários médicos que morreram em meio à batalha contra a Covid-10 no RN (Foto: cedida)

George foi um dos vários médicos que morreram em meio à batalha contra a Covid-10 no RN (Foto: cedida)

Por Francisco Edilson Leite Pinto Júnior

O padre Fábio de Melo tem o dom da palavra, aquilo que ele nas suas missas tanto afirma: “Senhor, dizei uma só palavra e serei salvo”. No seu livro É sagrado viver, há momento de pura salvação:

– “A vida tem cores cinzas quando vista a partir das retinas do porto. Navios em espera cumprem o destino de sacramentar partidas e chegadas”.

Um sábado de junho de 2020. Chamada de vídeo, logo cedo. Era George Bezerra, um amigo que a pandemia da Covid-19 nos aproximou mais ainda: um tentava aliviar a angústia do outro, todas as noites. Ele tinha sido meu colega contemporâneo de medicina e quando entrei na UFRN, logo assumindo a coordenação da residência de cirurgia, tive o prazer de ser o seu tutor.

Ele informava que estava indo para UTI e logo seria realizada a tão temida IOT (Intubação orotraqueal). Ele lutou bravamente, conseguiu até sair da UTI, o que nos deixou extremamente alegres, mas a Covid-19 mostrou a sua verdadeira face traiçoeira e George não resistiu.

Acordei hoje lembrando dele. E como a sua morte foi decisiva para minha decisão de ser um voluntário da pesquisa da vacina de Oxford/AstraZeneca.

Imaginem, há um ano, com tantos absurdos colocados por uma seita de fanáticos negacionistas, divulgando vídeos de chips e jacarés: não era fácil ser um voluntário da pesquisa…

Mas, o que dá significado a vida, tem que dá significado a morte. E isso só se consegue através do amor. E a amizade é o amor philia dos gregos.

O escritor Hermann Hesse, no seu livro Demian, tem uma bela passagem que reflete isso:

– “Os mortos permanecem vivos entre nós, com essencial de suas influências, enquanto nós seguimos vivendo. Às vezes podemos falar com eles, conversar e pedir conselhos, melhor do que com os vivos”.

Lembrar de George, hoje, após um ano de sua partida é a certeza de que só há morte, quando há esquecimento.
George, portanto, vive.

Vive em cada um dos seus amigos. Vive em cada vacina aplicada nos braços dos brasileiros que acreditam que só o amor vencerá o ódio e a ignorância.

Francisco Ediilson Leite Pinto Júnior é professor, escritor e médico

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domingo - 15/08/2021 - 10:30h

Ler para não crer

Por Marcelo Alves

A sábia menina Mafalda, do cartunista Quino (1932-2020), tem uma frase fantástica, que vivo repetindo por aí: “viver sem ler é perigoso. Te obriga a crer no que te dizem”. Não sei de quando é essa sentença, já que a tira de quadrinhos foi criada lá nos anos 1960. Mas a ideia por detrás dela nunca foi tão atual.Fake News - tecla

Hoje, a desinformação proposital, que batizamos de “fake news”, ganhou o mundo e, para atender aos interesses dos nossos milicianos digitais, fez casa no Brasil, sobretudo por meio do WhatsApp. Li na Internet dados estarrecedores. Em 2018, o instituto francês Ipsos divulgou o estudo “Fake news, filter bubbles, post-truth and trust” (“Notícias falsas, filtro de bolhas, pós-verdade e verdade)”, realizado em 27 países, que revela o buraco em que nos metemos: 62% dos entrevistados brasileiros disseram ter acreditado em fake news, valor bem acima da média mundial de 48%.

Já o “Reuters Institute Digital News Report” (relatório anual feito pelo Instituto da Universidade de Oxford), na versão 2021, constata que o WhatsApp é, com o Facebook, uma das principais redes de notícias no país. 47% dos brasileiros pesquisados usam o WhatsApp como fonte de informação. E isso é muito superior – muito mesmo – à média dos países desenvolvidos, a exemplo do Reino Unido e dos EUA, onde se tem 14% e 6%, respectivamente.

Embora “a incerteza trazida pela pandemia tenha encorajando o apetite das pessoas por informação confiável” – e esse é o dado positivo de 2021 –, vocês podem imaginar, por comparação, a borda/precipício da “terra plana” em que a milícia do WhatsApp nos pendurou.

As fake news crescem a partir da divulgação criminosa por gente de má-fé. Mas também na medida do compartilhamento, sem a leitura questionadora, das pessoas de boa-fé. Uma coisa que sempre me indignou, agora muito mais, é a capacidade do ser humano de repetir lugares-comuns e cretinices.

As sofisticadas fake news são um plus em relação a isso. Com títulos ou imagens sensacionalistas, distorcendo a verdade, apelam ao emocional do divulgador. Corroboram os seus preconceitos inconfessáveis. Fazem-no divulgar aquilo que acredita mas não tem a coragem de assumir com suas próprias palavras. As leis da imitação, de Gabriel Tarde (1843-1904), nunca encontraram terreno tão fértil como no estrume iletrado do WhatsApp.

O caso dos movimentos antivacina ilustram tragicamente a situação. Amalucados criminosos, contrários às vacinas, espalham falsidades, sugerindo que as vacinas podem ser ineficazes ou mesmo prejudiciais à saúde. Coisas sutis como provocar autismo nas crianças ou conspirações como modificar o nosso DNA. De mentira em mentira, volta o sarampo ou temos uma explosão de Covid nos não vacinados, perigando o fim da pandemia em prejuízo de todos.

Há gente como Pierre Lévy (1956-) e Yuval Harari (1976-) que veem na Internet e na inteligência artificial, em contrapartida ao lado positivo, um perigo enorme à democracia e ao mundo civilizado. O controle imperceptível que as fake news – e as bolhas de informação criadas por elas – podem ter sobre o que pensamos e compartilhamos é imenso. E acabam nos dando de volta sempre mais do mesmo, insuflando os nossos – às vezes, terríveis – preconceitos. Peter Sloterdijk (1947-) nos fala de um mundo ou vários mundos forjados a partir de “bolhas”. Bolhas cheias de “idiotas da aldeia”, como dizia Umberto Eco (1932-2016).

A pergunta é: existe solução para isso no estado democrático de direito? Não queremos um big brother, por óbvio. Há dicas para não se cair nas mentiras das redes sociais.

Desconfie de títulos milagrosos ou sensacionalistas. Eles são criados para gerar robotização. Confira a data da publicação. Notícia real, mas antiga, distorce a verdade. Confira e investigue a fonte. Ela existe ou é apenas um print de WhatsApp? A fonte tem credibilidade? Aliás, é bom consultar os sites de verificação gratuitos. Existem vários.

Sinceramente, eu não sei a solução. Apenas acredito no infinito poder das palavras. Das bibliotecas, dos livros e da leitura questionadora, assim como o autor de “O nome da rosa”. E que “viver sem ler é perigoso”, como diz a Mafalda.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 15/08/2021 - 09:42h

De volta ao inferno

nimitz-de-volta-ao-inferno-blu-ray-luxo-caixa-de-papel-16543-MLB20122115926_072014-F (1)Por Inácio Augusto de Almeida 

Assisti ao filme NIMITZ e me deixei influenciar.

O filme mostra um porta-aviões nuclear de volta ao dia do ataque japonês a Pearl Harbor.

Filme que nos leva a reflexões profundas e mexe demais com a sensibilidade das pessoas que conseguem ver no filme mais que combates aéreos. Filme terminado e mal me estiro na cama já me vejo entre escravos numa grande senzala.

Um feitor, com um enorme chicote a gritar que, ruim não era a vida na senzala, onde existia comida, que ruim era a vida fora da senzala onde só havia fome, miséria e perseguição.

Olho os outros escravos e todos com os olhos fixos no chão, mostrando seus espíritos caídos, abatidos, vencidos.

Vejo o retrato em preto e branco do total desânimo.

Desânimo causado por nada conhecerem além da vida na senzala.

Tento falar da existência de um mundo diferente, um mundo onde nenhum homem é propriedade de outro. Um mundo de liberdade.

O feitor me bate com o chicote.

Observo que os escravos me olham como se eu fosse um louco.

Mais tarde, com quase todos já dormindo, digo para um escravo próximo, ainda acordado, que eu conhecia este mundo de liberdade.

Ele apenas virou-se para o outro lado, convencido de que, realmente, eu era um louco.

Nem lhe dizer que em breve a escravidão seria abolida, consegui.

Terminei dormindo e acordado fui pelo apito do carro elétrico a me avisar que a bateria estava com a carga completada.

Levantei-me e fiquei a matutar acerca do sonho que tivera.

Lembrei-me dos que continuam trabalhando em troca de um salário que não dá sequer para cobrir as necessidades básicas. Salário que chegava a sofrer atraso de pagamento de até oito meses e quem reclamasse era sumariamente demitido.

Recordei-me do feitor a me bater e fico a me perguntar se eu não estava enchendo a cabeça dos escravos de fantasias.

Na senzala os escravos tinham comida.

E LIBERDADE?

Tinham os escravos liberdade?

E hoje?

Hoje os trabalhadores têm liberdade?

Que liberdade têm hoje os trabalhadores?

Liberdade de escolher seus governantes?

Ou não vivem submetidos a um falso dilema, onde são condicionados, por uma propaganda massificante, a escolher entre o ruim ou o pior?

Têm os trabalhadores liberdade de expressar suas preferências sem sofrer retaliações do grupo vencedor, grupo que passa a ter a chibata na mão?

Que liberdade é esta que os trabalhadores hoje têm?

O que mudou da época do feitor para agora?

Lei do Ventre Livre?

Com o ensino público que temos de cada mil crianças apenas uma escapa da senzala.

Aparências, apenas aparências.

Olho para o carro elétrico na garagem e imagino quantos mecânicos começam a ficar desempregados. Quantos que faziam troca de óleo, correias, velas, filtros de ar e de óleo e agora não mais têm o que fazer…

Lembro dos operários das fábricas de velas, juntas, correias; cujos empregos foram extintos.

Sei que a adaptação acontece de forma lenta.

Lenta e dolorosa.

Foi assim com a modernização da produção agrícola, quando o desemprego gerado no campo por máquinas que passaram a fazer, com o uso de um só homem o trabalho de centenas de   lavradores, tangendo para a periferia das cidades levas e mais levas de despreparados para a vida longe da enxada.

O preço cobrado pelo progresso

Busco consolo no brutal aumento da produção agrícola.

Não desconheço que isto levou ao inchamento das cidades, surgimento de favelas e geração de mais miséria e atraso, com consequente aumento da violência.

Mas como imaginar com produção de alimentos no cabo da enxada ser possível alimentar os já oito bilhões de bocas?

Assusto-me ao perceber que o aumento da produção só fez agigantar a desigualdade social e gerar mais famintos nos campos e nas cidades.

O problema não é a maior ou a menor produção.

O problema e sempre TER mais e mais.

O problema é a falta de amor.

Resolvo não mais pensar.

O tempo já nos mostrou que trocamos senzala por gueto.

Em mim a dúvida se ontem era pior do que hoje…

Volto a me lembrar do filme Nimitz.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 15/08/2021 - 06:30h

Saudades do Menino do Poré

Por Marcos Ferreira

Quando meu pai e minha mãe morreram, exatamente nesta ordem, ele com apenas cinquenta e quatro anos de idade e ela com sessenta e dois, demorei alguns anos até conseguir escrever umas linhas (versos, aliás) sobre a partida e a ausência de ambos. Uma ausência irremediável e nunca confortada.

Senti algo semelhante, no sentido de me ver bloqueado, sem palavras, por ocasião do passamento dos mestres Dorian Jorge Freire, Raimundo Soares de Brito e Vingt-un Rosado. Pois é. Foram estes os três primeiros indivíduos de grande representatividade nos meios intelectuais de Mossoró que enxergaram o meu então microscópico talento naqueles começos da minha aparição nas letras.O Menino do Poré - livro

Raimundo Soares de Brito (carinhosamente sintetizado Raibrito) recortava todas as poesias e croniquetas que eu publicava aos domingos no caderno de cultura do Jornal O Mossoroense. “Você precisa publicar um livro com essas produções”, disse-me ele uma vez. Algum tempo depois, com apoio financeiro de Vingt-un, lancei o meu primeiro livro, Um Poema de Presente. Isto em 1996.

Dorian Jorge Freire, por mais de uma vez, brindou-me com notas de estímulo à minha escrita em sua coluna dominical na Gazeta do Oeste. Até que um dia, quando a Petrobras se ofereceu para relançar um livro de crônicas do emérito estilista, Os Dias de Domingo, o próprio Dorian fez este pedido a Clauder Arcanjo, então gerente da Base-34: “Quero que Marcos Ferreira seja o revisor”.

Ou seja, uma demonstração e tanto de prestígio, uma enorme honra e carinho para com um ex-sapateiro e Dom Pixote da literatura. Que me perdoe o prezado leitor Amorim, que há poucos dias me deu um carão aqui no Canal BCS (Blog Carlos Santos) por eu haver me autoproclamado Dom Pixote.

Todo este nariz de cera, chamemos dessa forma, é para evocar a memória de outro grande homem, filantropo e mecenas da cultura mossoroense, embora sempre discretíssimo nas suas ações: Milton Marques de Medeiros, o Menino do Poré, falecido aos 22 de abril de 2017, “a pouco menos de três meses de completar 77 anos”, conforme noticiou o Blog Carlos Santos no último 3 de julho.

A exemplo de Vingt-un, Raibrito e Dorian Jorge Freire, o Dr. Milton Marques não tardou a conquistar minha admiração e benquerença. Sobretudo após nos tornarmos mais próximos devido à nossa participação enquanto articulistas da Papangu, no início de 2004. Milton assinava a coluna Entrelinhas.

Assim como Dorian Jorge Freire, o Menino do Poré confiava a mim a revisão dos escritos que enviava, por e-mail, à revista do Túlio Ratto: “Ferreira, dê uma olhada aí, por favor. Escrevi meio à pressa. Deve ter algum escorrego”, dizia-me, vez por outra, algo desse tipo em telefonema para a redação da Papangu. Dificilmente eu encontrava qualquer escorrego. Texto limpo, de boa sintaxe.

Um pouco antes, véspera da minha estreia na Revista Papangu, Milton me convidou a entrevistar, junto com ele e o jornalista Marcos Antônio, da Rádio Rural, o professor João Batista Cascudo Rodrigues, de saudosa memória, para o canal TCM – TV Cabo Mossoró. Foi uma das seis primeiras entrevistas do marcante programa “Mossoró de Todos os Tempos”, apresentado por Milton.

Imaginem uma coisa dessas, prezado leitor e gentil leitora. Eu, um tímido incurável, que nunca ousara pedir uma música no rádio, súbito me vi diante de uma câmera de televisão. Era manhã, 22 de novembro de 2003. Ouvimos o entrevistado na Fundação Ozelita Cascudo Rodrigues, situada no Centro.

O depoimento de João Batista, impelido pela boa atuação dos outros dois entrevistadores, eu entrei mudo e quase saí calado, foi de uma riqueza ímpar. Sobretudo pela vasta cultura de João e por sua enorme capacidade de juntar o passado com o presente, num belo desfile de experiências e recordações.

Transcorridos vários anos, no finzinho do primeiro semestre de 2016, os papéis se inverteram e passei à condição de entrevistado do “Mossoró de Todos os Tempos”. Uma noite, ao nos reencontrarmos num evento cultural nesta urbe, Milton me convidou. E lá fui eu, de novo, para diante das câmeras.

Houve outras oportunidades em que Milton demonstrou atenção e carinho para com a minha pessoa e meu exercício literário. Foi desse modo enquanto atuei como editor de cultura, durante três anos, à frente do caderno Universo, em O Mossoroense, como também durante os mesmos três anos que passei ajudando a editar a brava Revista Papangu, ora de volta em plataforma eletrônica.

Ainda em 2016, ao me envolver na arriscada aventura de realizar a edição comemorativa de dez anos do meu livro de poemas A Hora Azul do Silêncio, que em 2005 conquistou o primeiro lugar nos “Prêmios Literários Cidade de Manaus”, sendo lançado no ano seguinte pela editora da Universidade Federal do Amazonas, Milton tocou no meu ombro e disse: “Conte comigo, Ferreira”.

Não só me disponibilizou os jardins da TCM para a noite de autógrafos, isto no dia 11 de novembro, como adquiriu significativa quantidade de exemplares. Nessa noite, entre outras personalidades da cultura mossoroense, como Elder Heronildes, Wellington Barreto e o saudoso João Sabino, falecido recentemente, Milton pediu a palavra e fez uma tocante apresentação deste autor.

Esse notável Menino do Poré, cuja simplicidade e bom trato humano lhe eram apenas duas entre tantas características admiráveis, está fazendo enorme falta a esta província tão carente de figuras sensíveis às letras e às artes como um todo. Era um homem imprescindível o Dr. Milton Marques.

Esta pequena e extemporânea homenagem deságua do meu peito agora em que me chega às mãos, com afetuosa dedicatória da amiga Zilene Medeiros, viúva do homenageado, a edição póstuma de Memórias de Milton Marques de Medeiros — O Menino do Poré, obra organizada pela jornalista, youtuber e escritora Lúcia Rocha. Belíssima história de vida de um cidadão fora de série.

Hoje, portanto, decorridos mais de quatro anos do falecimento do médico, do pai amoroso e marido de toda uma vida, homem de letras e autêntico visionário Milton Marques de Medeiros, peço licença ao prezado leitor e à gentil leitora para ofertar este singelo e emotivo tributo a tão estimado amigo.

Assim, caro Menino do Poré, onde quer que você esteja, saiba que não esqueci de você. Um grande abraço e até qualquer dia.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 08/08/2021 - 12:38h

O menino e o parque de diversões

Por Odemirton Filho 

O menino corria de um lado para o outro no parque de diversão, indo a cada brinquedo, pula-pula, carrossel, carrinho bate-bate, entre outros. O parque estava lotado de crianças e adultos.

Eu acompanhava a minha filha nos brinquedos de sua preferência. Entretanto, não tirava os olhos daquele menino. Ele não sabia para onde olhava. Ora parecia feliz, ora triste.parque de diversões

Depois de um certo tempo percebi que o menino não brincava, nem lanchava. Num parque de diversão, como é natural, a criançada gosta de se lambuzar com algodão-doce, comer cachorro-quente e tomar refrigerante, além, é claro, de “rodar” nos brinquedos.

Todavia, aquele menino, não. Estava sozinho no parque. Ninguém o acompanhava. Eu continuava a observá-lo. Ele ficava alguns minutos em cada lugar e sorria com o sorriso dos outros meninos nos brinquedos.

Por um momento minha filha parou para lanchar. Como o menino passou próximo de onde eu estava, chamei-o. Perguntei se queria brincar e comer alguma coisa. Cabisbaixo, fez um gesto afirmativo.

Tentei “puxar” conversa, mas ele era tímido como a maioria dos meninos de sua idade. Morava na favela do “Pirrichiu”. “Tava” doido pra brincar, mas os seus pais não podiam comprar as fichas, pois tinham mais três filhos pequenos. Se comprassem para ele, era preciso comprar para os outros irmãos. Comprei duas ou três fichas e paguei um lanche para o menino.

Ele agradeceu, encabulado. Depois, saiu em disparada para “rodar” no brinquedo de sua preferência. Feliz da vida. Era apenas uma criança sendo criança. Nada mais. Ainda cheguei a vê-lo por um instante, com um sorriso no rosto, “rodando” nos brinquedos. Numa alegria só. Ele acenou para mim. Eu sorri.

Certamente muitas pessoas tiveram atitude semelhante. Ou fizeram algo mais. Mas o fato é que eu senti uma profunda paz na alma. Sim, sempre há algo a se fazer pelo outro, principalmente, nesses tempos difíceis. Nem que seja uma palavra de carinho e um pouco de atenção.

Por isso, dizem por aí que “a gente só é o que faz aos outros. Somos consequência dessa ação. Talvez a coisa mais importante da vida seja não vencer na vida. Não se realizar.

O homem deve viver se realizando. O realizado botou ponto final”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 08/08/2021 - 11:24h

Pasárgada existe

PasárgadaPor Inácio Augusto de Almeida 

E eu pensando ser Pasárgada apenas fruto da criatividade fulgurante do Manuel Bandeira.

Chegava mesmo a comparar a cidade, que julgava imaginária, com a Atlântida de Platão, onde a perfeição existiu até as paixões humanas influenciarem o comportamento dos reis mitológicos e terminasse tragada pelo mar para mostrar quão perigosos são os sentimentos humanos quando divorciados da razão.

Para minha alegria Pasárgada existe.

Pasárgada existe!!!

E lá ninguém precisa ser amigo do rei para ter direito a tudo que quiser.

Tratamento médico imediato e com especialistas. Exames realizados no mesmo dia. E se alguma cirurgia for necessária é feita imediatamente. Em Pasárgada equipes se revezam em plantões diuturnos. Tratamento odontológico a qualquer hora do dia e da noite.

Medicamentos distribuídos gratuitamente e nunca acontece de faltar um só.

Insulina existe em quantidade exagerada e para não perder prazo de validade Pasárgada faz doação de lotes deste medicamento para cidades circunvizinhas.

Em Pasárgada tem tanta creche que a matrícula das crianças é feita pelas mães enquanto cuidam dos afazeres domésticos.

Equipes da Educação vão de casa em casa e tudo providenciam.

Aulas iniciadas e crianças, já uniformizadas, esperam o transporte escolar na porta de casa.

Transporte escolar que funciona com pontualidade britânica.

Ruas tão bem cuidadas e iluminadas que lembram os salões onde valsas vienenses são dançadas nos contos de fadas.

Emprego sobra em Pasárgada.

Comitivas se deslocam a outras cidades e nos auditórios de bancos fomentadores de desenvolvimento   deixam claro que prescindem de qualquer tipo de financiamento público para desenvolver projetos de bilhões de dólares.

Com emprego pleno, saúde de primeiro mundo e educação de qualidade; a violência inexiste.

É comum ver pessoas nas madrugadas de Pasárgada com cadeiras nas calçadas.

Sinto a dor de uma picada de abelha ou de algum outro inseto.

Percebo o rádio ligado e me dou conta de que adormeci embalado pela propaganda oficial.

Não fossem os mosquitos, carro fumacê nem no sonho apareceu, eu ainda estaria em Pasárgada.

Olho pela janela e vejo o lindo céu azul de mais uma manhã cheia de luz e calor desta Mossoró tão bonita.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 08/08/2021 - 09:46h

O cão

Por Marcelo Alves

Günter Wilhelm Grass (1927-2015) nasceu na outrora Cidade Livre de Danzig, que, pelo Tratado de Versailles, de 1919, não pertencia nem à República Polaca nem à Alemã de Weimar. Coisas da Europa de então. Embora Danzig seja hoje parte da Polônia, Grass criou-se alemão. Lutou na 2ª Guerra Mundial. Foi ferido e feito prisioneiro de guerra. Trabalhou como pedreiro. Daí, estudando, virou escultor e desenhista.

Já pendendo à esquerda, participou da vida literária e política de seu país. E, sobretudo, escreveu poesias, teatro e romances. Fez-se um dos grandes escritores alemães de todos os tempos, arrebatando o Prêmio Nobel de Literatura de 1999.cão ferroz, lobo

A denominada “Trilogia Danzig” certamente representa o ponto alto na literatura de Günter Grass. É formada por “O tambor” (“Die Blechtrommel”) de 1959, “Gato e rato” (“Katz und Maus”) de 1961 e “Anos de cão” (“Hundejahre”) de 1963. São livros que misturam o realismo mágico com uma visível dimensão política. Mostram como o nazismo e a 2ª Grande Guerra afetaram aquela região da Europa. São fábulas, às vezes tristes, outras divertidas, que nos alertam para uma face cruel, mas por alguns negligenciada (quiçá simpatizada), da história. Dos três títulos, o mais badalado é “O tambor”.

Ele é considerado como um ponto de inflexão na literatura alemã. Como lembra a Academia Sueca do Nobel, “um recomeço após décadas de destruição linguística e moral”. É um romance ousado, agressivo até, que colocou Grass no pódio dos grandes escritores alemães e estabeleceu um altíssimo padrão para as suas obras (o que nem sempre é fácil para o trabalho subsequente). “O tambor”, claro, foi bater no cinema. O filme homônimo é de 1979, com direção de Volker Schlöndorff (1939-). Ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes no mesmo ano. E levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1980.

O “nosso” Otto Maria Carpeaux (1900-1978), em “A história concisa da literatura alemã” (Faro Editorial, 2013), já fazia rasgados elogios ao autor e sua obra: “Satírico autêntico é Günter Grass. Seu romance Die Blechtrommel (O Tambor), repelente e agressivo, já revelou todos os aspectos de sua personalidade literária: o estilo brutalmente naturalista em que conta um enredo fantástico, irreal, possível só como símbolo da realidade detestada; a agressividade contra todos os tabus caros à sociedade; a vontade do anarquista de épater le bourgeois. É uma farsa exuberantemente cômica e exuberantemente trágica”.

E chama a nossa atenção para o terceiro título da trilogia: “Tudo isso caracteriza também o romance Hundejahre (Anos de Cão), que fez logo sensação na Alemanha e no estrangeiro. Sátira violenta contra o nazismo e contra o novo regime de Bonn. Simbólica é a história do cachorro preferido de Hitler, que fugiu de Berlim antes da morte do Führer, chega à Alemanha Ocidental, procura novo dono e muda de nome”.

Acredito que é sobre uma parte da fábula de “Anos de cão” que devemos focar aqui. A estória do tal “cão de Hitler”. Um pastor alemão, por sinal. Lembremos que, na trama, alguns personagens são nazistas e, posteriormente, ex-nazistas, que simplesmente “mudaram de pele”. Tornaram-se homens respeitáveis. Como os tais “cidadãos de bem” de hoje. E isso se dá até com o cachorro de Hitler, lembremos.

Trata-se de uma literatura de “encontro com o passado”, é verdade. De alguém que foi criado e educado durante o Nazismo. O próprio Grass, chocando o mundo literário e político, no seu livro “Descascando a cebola” (“Beim Häuten der Zwiebel”), de 2006, autobiográfico, reconheceu expressamente haver sido membro, quando adolescente, do braço militar da SS.

Mas será que podemos transpor essa fábula cínica para o presente? E para a nossa terra? Histórias de criminosos nazistas que vieram parar na América do Sul pululam. Na Argentina, em especial, há até um mito do exílio de Hitler por lá. Os mitos são problemáticos. Mas às vezes são cruelmente reais. Josef Mengele (1911-1979), “O anjo da morte”, acabou no Brasil, isso é certo.

Será que agora até o “cão de Hitler” veio bater no Brasil? Tem tanto mito e pastor por aqui…

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 08/08/2021 - 08:38h

Pais heróis que vestem farda

José Américo e o advogado Cyrus Benavides (Foto: do autor)

José Américo e o advogado Cyrus Benavides (Foto: do autor)

Por Cyrus Benavides

Eu estava essa semana, no campus da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), em Mossoró, para uma reunião.

Parei meu carro e pedi uma informação.

Mesmo num sol quente, o servidor tinha um sorriso feliz que transbordava. O boné era seu escudo.

Dava para sentir que Seu Américo desempenhava suas funções com amor e dedicação.

Tomei conhecimento que ali estava o pai do prefeito de Mossoró.

E enquanto eu pedia para fazer essa foto, algumas conclusões vieram à minha mente:

O imenso valor daquele homem.

Não por ter um filho prefeito da segunda maior cidade do Estado do RN, mas sim pelos valores ensinados para uma estrela luminosa chamada Allyson Bezerra.

Seu Américo é referência.

É ensinamento que na vida não é necessário patentes para trazer ao mundo grandes filhos.

Que o exemplo continua sendo a melhor imagem para educar e formar o caráter da prole.

Pedi para fazer a foto. Seu Américo foi trocar a camisa para não usar a imagem da empresa.

Autoridade não é aquela pessoa que todos chamam de doutor.

Autoridade é quem ensina que o trabalho honesto dignifica o homem.

Autoridade é ser inspiração para mudar o mundo, começando por uma cidade.

Parabéns, seu Américo, pelas sementes plantadas e pelos frutos colhidos.

No percurso da vida, a arte de regar a planta com amor, faz a diferença no crescimento das árvores frondosas.

Cyrus Benavides é advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 08/08/2021 - 07:26h

Voa, minha passarinha, voa…

Bárbara de Medeiros fotografada atrás da janela por Diogo Mizael, seu irmão, no Canadá, Julho de 2021Por Honório de Medeiros

Quando nossa filha finalmente chegou em Montreal com o esposo e seus poucos vinte e três anos, depois de uma longa e cansativa viagem, lá a esperava seu irmão, hoje praticamente cidadão canadense.

Mas não foi possível abraça-lo, até mesmo vê-lo.

Cumprindo as regras impostas para o combate contra a pandemia, primeiro foi confinada, por três dias, em um hotel determinado pelo Governo. Exame de saúde feito, resultado favorável, mudou-se para o apartamento do irmão, que o desocupara, para novo período de confinamento, dessa vez por doze dias.

Impossibilitados de se abraçarem, conversarem, o irmão não hesitou: combinaram postarem-se defronte à janela do apartamento, um dentro e o outro fora, ela afastou a cortina, sorriu, acenaram um para o outro, beijos foram enviados, e o instante foi registrado.

Muito foi dito ali naquele momento, sem uma palavra sequer, e a escrita não consegue expressar!

Se isso não é amor, eu não sei o que isso é.

Voa, minha passarinha, voa…

* O irmão escreveu, abaixo da imagem:

They say:

There is always behind a window

You just need to open it

And I can’t wait for that

Love u sis.

(Eles dizem:

Sempre há atrás de uma janela

Você só precisa abri-la

E eu não posso esperar por isso

Amo você, irmã).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 08/08/2021 - 05:22h

A imortalidade

Imortalidade, tempo, relógio,Por Carlos Santos

Não sei o tempo que me resta aqui na terra.

Mais um dia? Alguns meses?

Podem ser vários anos.

O certo é que não farei, do tempo, um resto de vida.

Tem que valer a pena.

Tem valido.

Cada segundo é precioso. Respirar apenas, não me basta.

Preciso existir nos outros, pelos meus atos e não apenas com a palavra que lapido no meu trabalho.

A imortalidade é o que deixamos no coração dos que ficam. Enquanto ele bater, pulsará também pelo o que fizemos de bom e útil.

Imortal!

Crônica originalmente publicada há quase dez anos, no dia 23 de outubro de 2011, às 13h32 (veja AQUI), que à semana passada foi lembrada e reproduzida por um amigo-irmão, Eudson Lacerda, em endereço próprio na plataforma Instagram. Gostei do resgate. Tanto tempo depois, ela segue representando o que penso, sinto e faço.

Carlos Santos é criador e editor do Canal BSC (Blog Carlos Santos)

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Categoria(s): Crônica
sábado - 07/08/2021 - 23:18h
Declaração

Minha companheira

Dia todo com ela.

Temos convivência juntos há décadas.

Tentei sair dessa relação várias vezes, mas parece que estamos fadados à união estável e eterna.

Mesmo que eu não queira nem alimente essa relação, admito: ela não sai da minha cabeça.

Minha Sinusite, dê um tempo.

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 01/08/2021 - 11:00h

O antijogo

Por Marcelo Alves

Houve um tempo, lá pelo fim da minha adolescência e começo da vida adulta, que eu gostava de fazer apostas no futebol. ABC x América. No finado Castelão/Machadão. Coisa pouca, claro. E quase sempre o meu ABC ganhava. Mesmo assim, essa fase de apostador durou pouco. Acho que por temperamento. Dizem que sou econômico. E não gosto de arriscar nem muito menos de jogar dinheiro no mato.

De toda sorte, acho que um livro, nesse ponto, teve forte influência em mim: “O jogador”, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), de 1867. Trata-se de romance publicado logo após o célebre “Crime e Castigo” (1866). Embora seja um livro curto, escrito rapidamente para que o autor pagasse suas próprias dívidas de jogo, é um texto de maturidade.Casino-Estoril

Uma pequena obra-prima, na minha opinião. E dá para notar que é parcialmente autobiográfico. Dostoiévski esteve se arriscando nas mesas da cidade spa alemã de Baden-Baden (inspiração para o romance). Ele entendia bem – ou mal, a depender do ângulo – dos jogos. E não falo dos Olímpicos, que nos distraem hoje. Falo da roleta e assemelhados.

A trama de “O jogador”, narrada em primeira pessoa pelo protagonista, gira em torno de Alexei Ivanovich, jovem que trabalha como tutor em uma família russa decadente. Alexei apaixona-se pela manipuladora Polina Alexandrovna Praskovja, sobrinha do general patriarca da casa. Ele é introduzido no jogo a pedido dela. Vai ao cassino e ganha dinheiro para a sua amada. E perde-se, ele mesmo, obcecadamente, para ela. Há muitos exploradores em busca do dinheiro de uma tia/avó rica e (supostamente) doente.

Há diversos amantes na vida de Polina. Por amor e por dinheiro. Ganha-se e perde-se fortunas no jogo. Perde-se mais, claro. E, para além do jogo, Alexei perde dinheiro também com as mulheres, com os cavalos, com bebidas, jantares e festas. Alexei torna-se jogador “profissional”. Joga para sobreviver. E para “matar” a compulsão. Coisa viciante e perigosa mesmo. A desgraça chega. Ela vem rolando e a cavalo (com o perdão dos trocadilhos). No final, Alexei tem uma chance de redenção. Será que seu vício vai permitir?

Puxando pela memória, recordo-me de dois episódios meus em cassinos mundo afora. Ambos divertidos, cada um a seu modo.

Em Portugal, há muitos anos, minha mãe colocou na cabeça que queria ir ao Casino Estoril. Não ia jogar, disse. Mas queria conhecer. Fomos em reduzido grupo, solidários. Chegamos, circulamos e, não sei por que cargas d’água, a segurança resolveu nos introduzir num lugar reservado para os jogadores “profissionais”. Acho que foi por causa da minha mãe, já de idade e que parecia “animada”. Era um lugar de grandes apostas. E estava dominado por uma senhora, já idosa, que descobrimos chamar-se “Dona Rosa” e que apostava, concomitantemente, altos valores, em todas as mesas de roleta.

Matutos, quedamos acompanhando a jogadora. O clima era tenso. Ela perdia mais do que ganhava. Muito dinheiro. E tudo ficava mais tenso. Olhamos ao redor, e todos, em todas as mesas, estavam tensos. Ficamos coisa de uma meia hora sufocante. Até que minha mãe disse, decepcionada, seu “mundo” a desabar:

– “Vamos embora. Pensei que um cassino era como nos filmes de James Bond. Glamour. Bebidas chiques. Homens e mulheres bonitas. Essa Dona Rosa é horrível”.

Já recentemente, passei com minha mulher um dia em Baden-Baden. À noite, fomos ao cassino. Fui barrado na entrada. Não estava de paletó e gravata, vestimenta necessária, pelo menos naquele dia, para entrar no estabelecimento.

Li e disseram-me que poderia alugar um traje no local. Desconversei. Usei uma desculpa esotérica. Não tinha de ser. Era o destino. Minha mulher não fez questão. Fomos para o jardim do cassino. Havia uma festa com banda e tudo. Música grátis. E gastamos uns 50 euros com salsichas e cervejas. Pelo que me lembro do final. Acho que li e joguei certo na vida.

E agradeço agora a Dostoiévski e a “O jogador” por não me arriscar nas apostas. Aliás, hoje mais do que nunca, como diz a sábia menina Mafalda, do grande Quino (1932-2020), “viver sem ler é perigoso. Te obriga a crer no que te dizem”.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 01/08/2021 - 09:30h

Pobres mães

Por Inácio Augusto de Almeida

Quem nunca ouviu falar da felicidade de um casal que, por mais que tentasse, não conseguia ter um filho e de repente, não mais do que de repente, aparece em sua porta um bebezinho dentro de uma cesta?

Felicidade geral.

Risos, alegria, festa. Um milagre aconteceu.  bebê, pés de criança, recém-nascidoToda a família se reúne e traça planos para batizado, aniversário, primeiro dia na creche com direito a risos e choro da primeira separação.

Os avós e tios não se cansam de admirar a criancinha de olhos claros, cabelos louros, pele branca. Criancinha que não fica quieta um só minuto. Criancinha sempre a mexer os bracinhos, as perninhas e a cabeça a girar para que os lindos olhinhos tudo acompanhem.

Numa maternidade uma pobre mãe que, por ocasião do momento mais sublime da natividade, ouviu o choro da sua tão desejada criancinha, criancinha que dela foi separada para ser colocada no berçário, agora chora.

Sua criancinha morreu.

Recebe palavras de conforto. Alguém lhe diz que o seu neném nasceu com graves problemas cardíacos e com diversos outros órgãos comprometidos por má formação. Que tudo foi tentado para mantê-lo vivo.

E mesmo que conseguissem sucesso na tentativa de salvar o seu bebezinho ele não se manteria vivo por mais do que um dia.

A pobre mãe soluça ao lembrar o choro forte do seu filhinho ao nascer. Mesmo em lágrimas, consegue ouvir que tudo já foi providenciado, ela não precisava se preocupar com nada e que as despesas com o sepultamento já tinham sido pagas pelo serviço social.

O pai da criança, tinha passado a noite no trabalho de vigilante em um supermercado, chega e chora ao saber da notícia. E com a voz embargada pelas lágrimas que brotavam dentro do coração, agradece aos que tudo tentaram para salvar seu filho e resolveram todos os problemas junto ao serviço social.

Naquele mesmo dia, já quase noite, a pobre mãe, amparada pelo companheiro, deixa a maternidade levando numa cestinha as fraldas que seu filhinho usaria.

Na casa onde uma criança tinha aparecido na porta a alegria era total.

Num rádio ligado numa casa próxima a voz do Waldick Soriano a cantar JUSTIÇA DE DEUS.

“Justiça de Deus

 Justiça de Deus

Quem vos chama é um coração que está chorando.”

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 01/08/2021 - 06:38h

Espírito olímpico

Por Marcos Ferreira

Durante toda a semana, acometido por uma esterilidade que não largava o meu pé, ou a minha cachola, melhor dizendo, queixei-me com alguns amigos sobre tal indisposição para escrever esta crônica que, suponho, agora vai. Pois bem. Lamentei-me, por exemplo, com o amigo poeta Francisco Nolasco:

— Não sei o que escrever para o Canal BCS (Blog Carlos Santos) — principiei. — Eu considero que estarei de fora no próximo domingo.

(Foto: Miriam Jeske/COB)

(Foto: Miriam Jeske/COB)

— Não, meu amigo! — protestou logo.

— Já é sexta, boca da noite — destaquei.

— Seus leitores aguardam sua crônica.

— Possivelmente. Porém a situação…

— Segure a peteca! O seu público é fiel.

— Um público de quase vinte leitores.

— A qualidade compensa a quantidade.

— Você está correto — dei de ombros.

O poeta, comandante em chefe da “Bodega do Seu Zé”, no Alto de São Manoel, mais precisamente à Rua Kléber Dantas Bezerra, número 94, com mais de meio século de funcionamento, negócio que passou de pai para os filhos, foi atender um freguês e deixou o outro lado do balcão, em busca da mercadoria solicitada. Após despachar o cliente, um tipo de meia-idade que entrou com a máscara sob o queixo, Nolasco voltou-se para mim com os olhos rútilos e arregalados:

— Tenho uma ideia para você trabalhar.

— Estou aberto a sugestões — assenti.

— Fale sobre as Olimpíadas de Tóquio.

Desanimei, e saí com este argumento:

— Poeta, sou ignorante nesse assunto.

— Você jogava vôlei. Deve manjar algo.

— Tanto quanto de engenharia atômica.

— Que nada! Sei que vai tirar de letra.

— Tomara que você esteja com razão.

— Rapaz, essa vitória do Ítalo Ferreira, histórica medalha de ouro no surfe, é um estímulo valioso a qualquer cronista que se encontre sem inspiração. Além disso, ele é um Ferreira… Um Ferreira no topo do mundo.

— Pois é, meu primo Ítalo — brinquei.

Naquele instante, com o crepúsculo da sexta-feira ensanguentando o horizonte, e o barulho absurdo do trânsito a me deixar meio zonzo, despedi-me do poeta e rumei para a casa de Natália Maia, minha noiva e conselheira literária. A ela também me queixei do meu bloqueio, do meu embargo para escrever. Natália, enquanto botava a ração para a nossa gata Pepita, sem me voltar os olhos, pareceu-me ter a resposta na ponta da língua, tamanha a rapidez com que disparou:

— Olimpíadas!… Eis o tema da hora.

Desanimei outra vez, e falei baixinho:

— Hum, parece que estou em apuros.

— Onde está o seu espírito olímpico?

— Ótima pergunta. Comigo não está.

— Dê o seu jeito. Só não pode faltar.

Aqui de volta à escrivaninha, nesta manhã que mal principia, enquanto os pássaros pastam lá fora e o gado pula de galho em galho, perdoem o gracejo, eu penso vagamente na apoteótica conquista do meu “primo” Ítalo Ferreira e nas cenas inesquecíveis desse marco histórico do esporte brasileiro. Arrisco-me a discorrer sobre este assunto, porém alerto ao prezado leitor e à gentil leitora quanto ao meu desconhecimento acerca do tema. Não é minha praia nem minha onda.

Entretanto, como “manteiga” que sou, não nego que me emocionei com o triunfo do meu conterrâneo. Em linha oposta, contudo, irritei-me com o tratamento que parte da chamada grande imprensa deu à façanha do Ferreira. Galvão Bueno, ridiculamente, lastimou muito mais a derrota do paulista e queridinho Gabriel Medina do que festejou o ouro do nordestino e potiguar de Baía Formosa.

Duvido que Galvão tivesse se lamuriado tanto se, por acaso, houvesse ocorrido o oposto. Mas é do Nordeste, do Rio Grande do Norte e de Baía Formosa, até o momento, a única medalha de ouro vinda para o Brasil nestas Olimpíadas. Além disso, representa o primeiro ouro olímpico na história do surfe.

Embora campeão do mundo, respeitado internacionalmente, tendo inclusive derrotado o próprio Gabriel na final no Havaí em 2019, durante todo o trajeto da competição o potiguar era tratado como secundário, espécie de coadjuvante de Medina, sobre o qual os holofotes da imprensa se concentravam.

Midiático, garoto-propaganda requisitado por grandes agências de publicidade, parece que Medina foi para o Japão de salto alto. Assim, quebrou o salto, caiu da prancha e não ganhou sequer a medalha de bronze.

Enquanto isso, embora sempre depreciado e subestimado, o Nordeste aparece muito bem na fita com Ítalo Ferreira e outra nordestina arretada, a fadinha maranhense Rayssa Leal, de apenas treze anos de idade, que também faz história no esporte ao conquistar a primeira medalha de prata no skate.

Juro, entretanto, que não era essa a temática que eu desejava apresentar ao prezado leitor e à gentil leitora. Decerto dirão que estou sendo bairrista, até indelicado no tocante ao menino dos olhos do Galvão Bueno.

O meu desejo, acreditem, era escrever sobre algo leve, um texto paz e amor, sem entreveros nem potencial polêmico, a um só tempo belo e deleitante. Mas a coisa não fluiu, queimei neurônios e permaneci na estaca zero. Pensei, então, em pedir uma crônica emprestada ao Odemirton Filho, quiçá ao Clauder Arcanjo. Este último, concernente à literatura, possui uma fertilidade de coelha.

Sim. Nessas horas um cronista pode perfeitamente se valer dos amigos cronistas. Que é que tem? Rubem Braga, por exemplo, em semelhante aperto, certa feita socorreu-se com o Fernando Sabino, que lhe emprestou uma crônica. Braga deu uma arrumada no texto, trocou o título, e publicou como dele.

Tempos depois, como eram muito íntimos, Sabino se encontrava na mesma situação e foi pedir ajuda ao Rubem Braga, que entregou a Fernando Sabino a mesma crônica que recebera. O autor de O Encontro Marcado também trocou o título e republicou o texto, agora sob o risco de um autoplágio.

Quem conta essa história, de forma magistral e com relevantes detalhes, é o próprio Fernando Sabino na crônica “O estranho ofício de escrever”, do livro A falta que ela me faz (editora Record-1987). Então, prezado leitor e gentil leitora, se dois monstros sagrados da crônica brasileira desse porte enfrentaram esse tipo de pane seca, imaginem só um Dom Pixote das letras do meu naipe.

Peço, pois, que me levem na esportiva.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 25/07/2021 - 10:50h

Contos de fadas?

Por Inácio Augusto de Almeida

Pensamos ensinar nossos filhos a serem humildes e a perdoar. Até porque isto está em todas as religiões que conhecemos.

Nem desconfiamos que nas canções de ninar já falamos de violência, quando atiramos o pau no gato, e de medo, quando pedimos ao boi da cara preta para pegar esta criança que tem medo de careta. Contos de fadasDepois passamos a contar estórias que apelidamos de infantis, mas causadoras de inveja a qualquer hemocentro. Tente se lembrar de uma estória, dita infantil, sem sangue. Pobre do carneirinho em Branca de Neve e do lobo em Chapeuzinho Vermelho.

Arrogância e prepotência, inveja e vingança, sempre presentes no que chamamos de Contos de Fadas.

Perdão, humildade não encontramos nas fantasias que passamos a nossos filhos.

Nunca acontece o arrependimento da bruxa malvada que só enche de alegria as nossas criancinhas quando despenca para a morte ao cair de uma grande montanha e desaparece para sempre no despenhadeiro sem fim. O lobo mau com a barriga aberta dá seu último suspiro e a vovozinha abraça a netinha feliz e sorridente.

Em algum Conto de Fada o casamento acontece entre um lavrador e a heroína? Não!

Sempre aparece um Príncipe para que vivam FELIZES para sempre, como se a felicidade só fosse possível se a união for com um membro da realeza.

Não existem nas histórias infantis o PERDÃO, a HUMILDADE, o ARREPENDIMENTO.

Vingança existe e muita.

E já crianças crescidas nós as estimulamos a VINGAR a morte de Jesus Cristo quando fazemos judas de pano, cheios de bombom e de chocolate, para serem espancados até se transformarem em frangalhos.

Depois os jovens se tornam adultos e passam a praticar e a aceitar a violência como um fator normal da vida.

Receberam durante sua formação alguma influência da importância do perdão, da humildade e de que é possível felicidade sem riqueza e poder?

Fico sem entender porque nos assustamos tanto com a agressividade e a ambição das novas gerações se nós é que as preparamos, desde a mais terna idade a buscarem riqueza, poder e vingança.

Por que não contarmos estórias de trancoso com as bruxas arrependidas e regeneradas? Por que não mostramos que felicidade existe também em casas humildes e não apenas em ricos palácios?

Por quê?

Porque projetamos nos nossos filhos os sonhos perdidos, as quimeras desfeitas.

Transferimos para eles nossas ambições e os nossos valores distorcidos.

Terminamos criando seres angustiados, infelizes. Pobres coitados sofrendo cobranças descabidas.

Depois nos espantamos com as drogas, movimentos de rebeldia etc. Os hippies dos anos 60/70 deram o grito de alerta, mas não foram ouvidos.

É hora de repensar a educação, a religião e partir para um novo mundo.

Ou fazemos isso ou vamos desaparecer como seres que se dizem filhos de Deus.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 25/07/2021 - 08:38h

Amante

Por Marcelo Alves

Recebi da amiga e confreira da Academia Norte-rio-grandense de Letras Lalinha Barros, emprestado (e devolverei, asseguro), o livro “Memórias esparsas de uma biblioteca” (Coedição Escritório do Livro e Imprensa Oficial, 2004), do bibliófilo José Mindlin (1914-2010). Genibaldo e Lalinha são meus vizinhos. Em tempos de pandemia, ela me disse: “Vou dar um pulo na porta do seu apartamento. Para emprestar um livro. Você vai gostar”. Eu adorei.

José Mindlin, falecido em 2010, na maior biblioteca privada do país (Foto: O Globo/arquivo)

José Mindlin, falecido em 2010, na maior biblioteca privada do país (Foto: O Globo/arquivo)

Mindlin, que exerceu muitos papéis na vida – de jornalista a advogado, de empresário a escritor e membro da Academia Brasileira de Letras – foi o nosso mais célebre bibliófilo. E nos dois sentidos da palavra, como colecionador de obras raras e como amante/amigo dos livros. Gente boníssima, portanto. Muito embora, cá entre nós, até para evitar mais gastos de que já tenho com livros e assemelhados, eu suplique, para a minha singela pessoa, ser apenas dotado da segunda qualidade, a de amante (de livros), sem os custos, digamos, do “casamento”.

As “Memórias” de Mindlin são cheias de histórias sobre livros que eu desconhecia. Sobre tipografias, editoras e edições raras. Sobre livrarias, sebos e antiquários. Interessantíssimas. Mas trata-se também de um livro sobre pessoas. Sobre tipógrafos/editores. Sobre bibliotecários. Sobre livreiros. Do Brasil e do exterior.

Na verdade, sobre amantes de livros. Afinal, o que seriam destes se não fossem as pessoas para lê-los, mas, também, para guardá-los e adorá-los. Algumas histórias merecem destaque. E aqui o faço indo do mais distante ao mais particular.

Tocou-me a narrativa sobre os livreiros/antiquários ingleses. A Maggs Bros, Quaritch e a Francis Edward, alguns deles situados na Old Bond Street, em Londres, cujos proprietários Mindlin enfaticamente elogia pela honestidade. É uma área que conheço razoavelmente. Morei não muito longe. Mas nunca me apercebi dessas casas. Ou não entendo de antiquários de livros ou eles já haviam fechado as portas no meu tempo. Talvez as duas coisas. De toda sorte, posso assegurar o bom preço e a honestidade dos simples sebistas da capital do Reino Unido.

Adorei as referências a vultos da história “livresca” do Brasil. Como Francisco de Paula Brito (1809-1861), empresário, editor, jornalista, escritor, tradutor, ativista e muitas coisas mais. Foi talvez o nosso maior “tipógrafo” (que, a seu tempo, fazia as vezes de editora). Foi o primeiro a publicar Machado de Assis (1839-1908), e isso já diz tudo. Como Rubens Borba de Moraes (1899-1986), grande bibliotecário, bibliógrafo e bibliófilo. Pioneiro no Brasil nessa coisa de ciência dos livros e assemelhados. Foi nada menos que diretor da biblioteca da ONU, em Nova Iorque. Escreveu uma “Bibliographia brasiliana” (1958), até hoje referência no tema, e o manual “O bibliófilo aprendiz” (1965), entre outros títulos. Como um “irmão mais velho”, Borba legou sua enorme coleção de raridades a Mindlin.

A passagem de Mindlin por Natal, que junta João Cabral de Melo Neto (1920-1999), Zila Mamede (1928-1985) e outras figuras da terra, merece eco. Zila preparava uma biobibliografia do poeta pernambucano. Ela “já tinha feito uma biobibliografia de Câmara Cascudo. Era bibliotecária de profissão, mas seu maior destaque no mundo intelectual brasileiro foi de excelente poeta.

Publicou vários livros que mereceram muitos elogios de Manuel Bandeira, João Cabral e Carlos Drummond de Andrade, de quem se tornou grande amiga pessoal. Infelizmente, faleceu ainda jovem, de um colapso cardíaco em pleno banho de mar. (…).

Zila, por sua vez, nos convidou para ir a Natal, levando uma exposição de desenhos de Di Cavalcanti que o MAC possuía. Fomos, e através de Zila fizemos outras amizades. Entre elas com Lalinha e Genibaldo Barros, Selma Bezerra e Fran Martins, que há anos vinha publicando uma revista literária – Clan, que eu conhecia mas não possuía”. Turma boa, incluindo meus vizinhos. E fato histórico.

Por fim, comoveu-me a lição: “Não se deve hesitar quando um livro desperta interesse, e é melhor se arrepender de ter comprado do que de não ter”. Há o risco de cair-se na bibliomania, desordem compulsiva de adquirir livros desvairadamente, é vero. Mas também já se disse – e que minha mulher não escute – que a melhor forma de livrar-se de uma compulsão é render-se a ela.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 18/07/2021 - 12:42h

Orações para os enfermos

oração, igreja, religião, bíblia, féPor Inácio Augusto de Almeida 

Acreditamos nos ensinamentos de Jesus Cristo? Somos bons cristãos?

Procuramos sempre deixar isto bem claro quando buscamos nas igrejas os primeiros bancos.

Confessamos nossos pecados e comungamos. E no outro domingo confessamos, quase sempre, os pecados já antes confessados. Não nos lembramos, ou fingimos não lembrar, que Jesus ao perdoar os pecados de uma mulher disse, não só para a pecadora, mas para todos, que os pecados estavam perdoados e não pecássemos mais.

Nos cultos gritamos Jesus, Jesus, cantamos hinos de louvor ao Senhor e prometemos não mais pecar.

Nas casas espíritas nos arrependemos dos pecados cometidos, mas na outra semana voltamos a nos arrepender dos mesmos pecados.

E assim seguimos, pecando e pedindo perdão, certos de que somos fiéis seguidores de Cristo.

Nem nos lembramos do VAI E NÃO PEQUES MAIS.

Juramos acreditar na vida eterna, mas pecamos como se o fim existisse e nada após a morte pudesse nos afetar.

Agindo assim, assumimos toda nossa hipocrisia.

O mais impressionante é que mesmo acreditando ser a morte o fim de tudo, permitimos o pavor nos dominar ao sentirmos que estamos, não perto do fim, mas do grande encontro.

Aí está a resposta do pânico que nos causa a morte.

Nosso inconsciente grita que a vida prossegue e que todos os erros terão que ser resgatados, não com um fingido arrependimento, mas com obras reparadoras.

Como exatamente isto se dá, não sei e desconheço quem saiba. Só sei que a reparação acontece.

E é da reparação que temos medo.

Os enfermos estão mais próximos da morte e por eles devemos orar com fervor.

Orar para que Deus, na sua suprema bondade, torne leve o fardo da reparação.

Devemos orar, também, para que os nossos corações aceitem a separação da pessoa querida. Separação de pouca duração.

Quem já conversou com pessoas em estado terminal, pessoas queridas, observou a tranquilidade existente nos olhos delas. O medo existe em nosso olhar. Medo da separação da pessoa amada.

Devemos rezar pelos enfermos e por nós. Pena ainda não estarmos preparados para esta separação.

E isto só conseguiremos alcançar quando formos, realmente, cristãos.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 18/07/2021 - 07:46h

Coisa dos números

Por Marcelo Alves

“O Terceiro Homem” (“The Third Man”), de 1949, é um clássico do cinema. Para a sua realização concorreu gente da mais alta patente do cinema e da literatura. A produção é de David Selznick (1902-1965) e Alexander Korda (1893-1956). A direção é de Carol Reed (1906-1976), com base em roteiro de Graham Greene (1904-1991), uma parceria que nos deu outros filmes, tais como “O Ídolo Caído” (“The Fallen Idol”, 1948) e “Nosso homem em Havana” (“Our Man in Havana”, 1959).

Robert Krasker (1913-1981) responde pela fotografia; Anton Karas (1906-1985), pela trilha sonora. No filme atua gente como Joseph Cotten (no papel de Holly Martins), Orson Welles (Harry Lime), Alida Valli (Anna Schmidt), Trevor Howard (Major Calloway), entre outros.O terceiro homem - cinema

Curiosamente, Greene expandiu o roteiro do filme, publicando, em 1950, uma novela/romance com o mesmo título. Em regra, o contrário se dá: o livro é adaptado para o cinema. Bom, “O Terceiro Homem” é por muitos considerado o melhor filme britânico de todos os tempos. E olhem que a concorrência ali não é fácil.

A estória é ambientada na Viena pós-Segunda Guerra Mundial, uma cidade destruída e dividida entre as quatro potências vencedoras do conflito (Estados Unidos da América, Inglaterra, França e União Soviética). Holly Martins é um americano, escritor de faroestes de segunda categoria, bebedor e bêbado às escâncaras, sem um dólar no bolso.

Ele chega a Viena para encontrar o seu amigo de longa data, o inescrupuloso Harry Lime, que lhe havia prometido um emprego. Logo descobre que seu amigo Harry está (ou, melhor dizendo, estaria) morto. As circunstâncias são suspeitas, e Holly cuida de fazer sua própria investigação. No meio disso, entre alguns porres, Holly é seguido de perto pelo Sargento Paine (das forças britânicas) e pelo superior Major Calloway, passa-se por escritor famoso, interage com os amigos/sócios de Harry Lime (Crabbin, “Baron” Kurtz, Dr. Winkel e Popescu) e, não por acaso, apaixona-se pela ex-amante do amigo. E, claro, há problema: o misterioso “terceiro homem”.

Dito isto – e tentando não fazer mais spoiler do filme –, ressalto que a trama gira muito em torno da personagem interpretada por Orson Welles, o tal Harry Lime. Ele é um criminoso, contrabandista e falsificador de Penicilina, que, na Viena pós-guerra, causou a morte e a invalidez física e mental de centenas de adultos e crianças. É um cínico, um sem-escrúpulos, cuja filosofia é arrotada em ditos como: “Atualmente, meu caro, ninguém pensa em termos de seres humanos. Os governos não pensam assim, por que deveríamos? Eles falam no povo e no proletariado, e eu falo em otários. É a mesma coisa”.

E ainda: “Ora, eu ainda acredito, meu caro. Em Deus, na misericórdia e tudo mais. Não estou machucando a alma de ninguém com minhas atividades. Os mortos são mais felizes mortos. Não estão perdendo grande coisa daqui, pobres coitados”. Isso sem falar na famosa frase do “relógio cuco suíço”, que deixo para vocês pesquisarem. A despeito dessas iniquidades, Harry Lime é ainda capaz de provocar, na sua “maldade atrativa”, a admiração de alguns.

Contrabando, falsificação e roubalheira de Penicilina, o antibiótico de então, que salvava vidas assim como hoje o fazem as vacinas da Covid-19. “Maldade atrativa”. Direto para o oitavo círculo do “Inferno”, de Dante (1265-1321). Parece coisa de filme, não?

Depois do sumiço de respiradores e de gente lucrando aos tubos com drogas ineficazes. Depois da “guerra” contra as vacinas, com mandatário esnobando e sabotando produtos cientificamente seguros e eficazes. Depois da aplicação de “vacinas de vento” por profissionais que deveriam zelar pela saúde da população. E, sobretudo, depois de negociações tenebrosas de outras vacinas, com denúncias de superfaturamento, propina, prevaricação e coisas mais, envolvendo gente de alto, médio e até baixo coturno, eu já nem sei mais.

Em terra ou casa onde os números prevalecem pode sempre haver um “terceiro homem”.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 11/07/2021 - 12:10h

Só cagão? Não…

Bater na madeira três vezes, mão, braço, punho cerradoPor François Silvestre

Azarão também. Cagou para a CPI e azarou a Seleção (veja AQUI).

Onde Bolsonaro põe a torcida o azar hospeda-se junto.

Torceu pro Trump, Trump lascou-se.

Torceu na eleição da Bolívia, a esquerda venceu. Torceu pela candidata do Peru, ela perdeu.

Torceu na eleição da Argentina, a direita perdeu.

Torceu contra a Constituinte do Chile, perdeu.

Torceu pelo aliado de Israel, o cara lascou-se, depois de décadas no poder. 

Torceu e cantou vitória do adversário de Maduro, na Venezuela, o dito cujo sumiu.

Torce contra a China, a China caga merda líquida na cabeça dele.

Agora, trouxe a Copa América para o Brasil, num momento em que nenhum país quis sediar o evento, para fazer pose e usar a Seleção como arma de propaganda. Ferrou-se, e junto com ele levou a Seleção ao vexame de perder a Copa, em pleno Maracanã, para a Argentina. 

Esse sujeito é um manancial de azar…Toda vez que fale nele, bata três vezes textura da mesa.

François Silvestre é escritor

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 11/07/2021 - 11:18h

Tempos do Pax

Filme Tambores da Morte de 1954Por Inácio Augusto de Almeida 

Nesta tarde longa, sem fim, que se vai preguiçosamente, fecho o livro que torna suportável este confinamento necessário, necessário, mas sacrificante, extremamente sacrificante.

Busco no meu Whatsapp notícias. Notícias que parecem ser de ontem ou de um mês atrás.  Sempre a fuxicaria da politicalha e da corrupção. Sempre a mesmice dos políticos que esquecem as promessas e quebram as juras feitas nos palanques.

Busco fugir procurando no Whatsapp alguma coisa interessante para ver.

 E achei.

TAMBORES DA MORTE.

Um faroeste que vi no PAX nos anos 50.

Revendo o filme e na minha cabeça lembranças e saudades se misturando com tanta força que aos poucos fui deixando de lado o filme sem nem mesmo perceber que o revólver do mocinho atirava e as balas nunca acabavam. Nem as balas nem os índios que ele matava para que a gloriosa conquista do Oeste se tornasse realidade.

Naquela noite em que vi este filme no PAX chovia. Lembro-me que o filme terminou e ficamos dentro do cinema. As ruas alagadas. Era a Mossoró antiga.

Quando consegui chegar em casa, todo molhado e com os sapatos nas mãos já passava da meia noite. Mas em momento algum senti medo. E não existia nenhuma razão para ter medo. Era uma época em que se podia colocar cadeiras na calçada e ficar conversando até a noite findar e a madrugada, com sua brisa agradável, chegar.

Tiros e mortes só nos filmes do PAX.

Só percebi que TAMBORES DA MORTE tinha terminado porque o clássico beijo do mocinho na mocinha e a palavra END apareceu na tela do Whatsapp.

Fiquei a matutar acerca dos desafios que o avançar do tempo nos traz.

No filme a ocupação do Oeste americano exigiu a matança, verdadeiro genocídio de uma raça. Tudo em nome da criação de uma grande nação.

Hoje, em nome deste mesmo desenvolvimento, milhões são mortos, não só por tiros, mas, principalmente, por total falta de condições de sobreviverem a uma injustiça social que mata de uma forma mais cruel.

Os cara pálidas de hoje, menos de 10% da população, abocanham, por vias lícitas e ilícitas, toda a riqueza de um país tão rico que tem 90% do seu povo mergulhado na miséria e no atraso.

Com a miséria vem o desespero, cresce a criminalidade, agiganta-se a insegurança. A qualidade de vida decai e os que provocam toda a desgraça não perceberam ainda que estão se condenando a viverem em eterno confinamento.

Interessante é todas estas reflexões surgirem após ver um velho filme de bang-bang.

Mas que nesta tarde senti muitas saudades e lembranças dos filmes do Pax, senti.

Percebi que perdemos muito da ternura que havia em nossos corações.

Mais do que o tempo, mudamos nós.

Estamos condenados por um pragmatismo que nos tira toda sensibilidade.

Só me resta ver mais uma vez TAMBORES DA MORTE e me sentir dentro do PAX.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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domingo - 11/07/2021 - 07:34h

Ao mesmo tempo

Por Marcelo Alves

Estes dias, num papo sobre a mistura entre literatura e cinema, um amigo fez a seguinte observação: “eu mesmo li livros depois de ver o filme. É outra experiência”. “Experiência”, essa é a palavra. E ela me fez lembrar da ventura que tive, até mais imersiva, de ler um livro e ver a sua adaptação em filme (quase) ao mesmo tempo.

Bom, e antes que alguém me chame de mentiroso, rogo atenção para o “quase” acima, uma vez que ainda estou para conhecer alguém que consiga ler um livro, pelo menos daqueles que “ficam de pé”, em duas horas de filme, ainda mais ao mesmo tempo.o-nome-da-rosa-ogA coisa é mais sutil e gira em torno de “O nome da rosa”, de 1980, romance de Umberto Eco (1932-2016). Basicamente, li o dito cujo quase ao mesmo tempo em que assisti a cenas do filme homônimo, de 1986, dirigido por Jean-Jacques Annaud e estrelado por Sean Connery, Christian Slater e F. Murray Abraham.

Essa experiência visual, que muito indico, me fez enxergar, de uma maneira especial, ao percorrer o livro, o cenário onde se passam os sete dias de “crimes e castigos” imaginados por Eco, sobretudo a antiquíssima abadia da Itália Medieval e sua labiríntica biblioteca. Com a mistura livro e filme, sensorialmente vivi na abadia e na sua biblioteca. E mais: dei rostos às personagens.

O protagonista Guilherme de Baskerville virou Sean Connery; Adso de Melk, Christian Slate; o abade, Michael Lonsdale. E o inquisidor da Igreja, Bernardo Gui (1261-1331), figura histórica, virou F. Murray Abraham, assim como outros nomes do Medievo, como Michele de Cesena (1270-1342) e Ubertino de Casale (1259-1329), ganharam os rostos dos atores que os interpretaram. Foi aqui uma aventura sensorial nas vidas religiosa e ideológica do século XIV, com suas heresias e ortodoxias, que, a partir dali, passam a ter nomes, rostos e vozes.

Mas essa mistura livro e filme, apreciados ao mesmo tempo, é sempre possível? É factível se ler uma parte do livro, parar um instante e assistir a cenas da sua adaptação em filme, como fiz com “O nome da rosa”. As imagens enriquecerão as palavras a serem lidas. Mas acredito que em “O nome da rosa” isso foi ampliado, para mim, pelo caráter semiótico (cheia de signos) da obra de Eco, por sua vez famoso semiólogo.

De toda sorte, a partir da observação de outro amigo, acho que a mistura livros, imagens e sons, quase ao mesmo tempo, é perfeitamente factível em se tratando das franquias do cinema, compostas por vários filmes. Que tal intercalar as leituras de “Harry Potter” ou do “Senhor dos Anéis” com os seus filmes? O espaçamento entre os lançamentos permitiu isso a muita gente. Ou as aventuras do meu amigo James Bond com as suas dezenas de filmes. Que me perdoe Ian Fleming (1908-1964), mas quando o leio, Bond é para mim Sean Connery ou Roger Moore.

E isso se dá com mais razão com as séries de TV ou mesmo as nossas novelas. Elas se espalham num certo tempo. E a gente pode misturar tudo. Se não assisti à novela “O Bem-Amado”, de 1973, eu me deliciei com o seriado homônimo, da década de 1980. Dias Gomes (1922-1999), a quem devemos peça e roteiro, pode ter certeza: Odorico Paraguaçu será para mim sempre Paulo Gracindo; Zeca Diabo, Lima Duarte; Emiliano Queiroz, Dirceu Borboleta.

Já Gabriela, a novela de 1975, que assisti anos depois em reapresentação da TV Globo, me levou a ler concomitantemente “Gabriela, Cravo e Canela” (1958), de Jorge Amado (1912-2001). Para mim, Ilhéus e a cultura do cacau de Amado são, visualmente, o que eu vi nas telas da TV. Gabriela, seus coronéis e seus amantes, serão sempre Sônia Braga, Paulo Gracindo, Armando Bógus, José Wilker, Fúlvio Stefanini e outras estrelas da nossa melhor arte cênica.

Dito isso, encerro fazendo um convite. Vou ver a série “O nome da rosa”, de 2019, que é uma nova produção italiana, alemã e francesa. John Turturro faz o protagonista Guilherme de Baskerville. Soube que a série passa no Starzplay. Quem sabe se assistindo a um capítulo por dia dê tempo de eu reler “O nome da rosa”?

Topam viajar comigo?

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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