domingo - 19/04/2020 - 08:48h

Seu Chico Piu e a Teoria da Evolução

Por Honório de Medeiros

Não fossem as fotografias guardadas com muito carinho, nas quais apareço magro e sorridente, sem rugas e cabelos grisalhos, as lembranças daquele inesquecível passeio a cavalo, eu e um amigo que me hospedava, até a fazenda de café de “Seo” Chico Piu, serra acima na área rural de São Carlos, interior montanhoso de São Paulo, tudo seria apenas borrão na minha memória, algo como um filme antigo, com paisagens e pessoas esmaecidas pelo tempo.

Pego-as e sorrio, sempre. Depois, um toque de tristeza toma conta do espírito e lamenta a juventude passada, os amigos que se foram, os sonhos desfeitos, as promessas não cumpridas, os amores perdidos. “C’est la vie”, diriam os franceses.

Naquela tarde conheci “Seo” Chico Piu, homem sob todos os aspectos singular.

Em primeiro lugar vivia quase recluso, lá no seu pé de serra. Raras vezes descia à cidade. Bastava-lhe, para viver bem, estar pisando descalço sua terra rica e roxa, cercado por sua gente, que lhe margeava como uma tribo ao seu cacique.

“Seo” Chico era baixo, moreno gretado pelo sol, de braços e pernas fortes, espadaúdo, e com uma face como que esculpida em bronze, com traços muito demarcados. Mas o que impressionava eram seus pés. Estes, de fato, se viram sapatos, ou mesmo chinelos, foi em tempos muito idos, segundo suas próprias palavras.

Eram verdadeiros cascos, endurecidos por todos os invernos e verões aos quais “Seo” Chico os havia submetido. Segundo nos contou, e sua família confirmava, descia descalço até mesmo para a cidade, onde raramente ia. E, nos pés, não sentia frio ou calor, não era sensível à água ou à rocha mais dura.

“Seo” Chico era homem de pouca conversa quando no trabalho ao qual se entregava como qualquer um dos seus trabalhadores. Junto a eles, colhia o café, batia, ensilava, ensacava, derrubava as reses, ferrava-as… Um maestro em pleno exercício de sua arte, cegamente obedecido por seus músicos. Um general a conduzir seu exército com doçura, mas com firmeza.

Era, basicamente, dono de cafezais e de rebanho leiteiro, que se espargiam serra abaixo, tendo a Casa Grande como epicentro. Vivesse no Sertão nordestino e nele tivesse aquela terra e todo aquele gado seria um homem de posses, por assim dizer.

No final de uma tarde como aquela, no entanto, tempo esfriando ligeiro indicando noite gelada a chegar, visita no pátio da casa grande e rústica, a sisudez era deixada de lado e o café forte e a aguardente feita sob sua própria orientação lhe iluminavam o semblante e abriam seu coração e mente originando conversas recheadas de casos passados e argutas observações acerca da vida, dos homens e das coisas.

Mas tudo que é bom dura pouco.

Com a chegada da noite veio a hora de voltar sob a fria luz da lua, a passo leve, nas trilhas estreitas, para manter a compostura ameaçada pela bebida e a possibilidade de se envolver com a beleza da serra sob o luar.

Tomamos o último café, bebemos a última caneca de cachaça e ele, se despedindo, bateu na anca da mula mansa que me conduzia, apontou para mim e para si próprio, e como que refletindo, me disse para guardar comigo que o tempo havia lhe ensinado ser a vida, acerca da qual tanto havíamos falado, como uma serra de onde cada um descia na justa medida em que outro subia lhe tomando o lugar.

Dito isso, me lembrou que “seu pensamento” se tratava de um presente, assim como a garrafa da mais pura cachaça de sua moenda que me passou às mãos, deu um passo para trás, ajeitou o casaco de lã por sobre os ombros tocados pelo sereno da noite e lá ficou, a nos observar partindo, com seus pés indiferentes à temperatura que caíra bruscamente e, com certeza, desconhecendo meu conhecimento sorvido dos livros acerca da teoria da evolução que diziam, de forma muito pomposa e circunspecta, aquilo que ele concluíra somente observando, no seu pé de serra, a vida passando ao largo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Mossoró e Governo do RN

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sábado - 18/04/2020 - 19:48h
Saudades

Lá e cá, com turno e returno

Saudades do meu Caicó.

Caicó, na região Serido do Rio Grande do Norte, com turno e returno (Foto: Jorge Luiz)

Saudades do Seridó.

Saudades atenuadas à tarde deste sabadão, com prosa longa – mas não o bastante – ao telefone, com meu amigo Pituleira.

Inteligentemente, ele não tem zap-zap.

Depois dessa praga, vamos nos falar em carne viva – lá e cá.

Turno e returno.

Destá!

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sábado - 18/04/2020 - 15:26h
Confinado

Feliz

Saudades da manguaça eu não tenho.

É-me diária a vontade da prosa no café, com casos e causos que desfiamos, donos da verdade e sempre sem solução para nada.

No racha da conta ou na moganga para sacar a carteira, há um pouco da graça da confraria.

De ser feliz bobamente.

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domingo - 12/04/2020 - 08:54h

Dona Efigênia em sua teia

Por Honório de Medeiros

Dona Efigênia pontificava naquela rua onde morei. Muito gorda, um pouco surda – talvez por puro cálculo –, passava o dia sentada em uma cadeira de balanço com espaldar de palhinha na sua ampla sala de estar, que dava para um jardim lateral, onde ficava o portão de ferro batido, pintado de branco, a lhe separar do resto do mundo.

Casa antiga, senhorial, de esquina.

Sempre perfumada alfazema, penteada e bem vestida, ficava o dia inteiro, tirando as fartas refeições, colada a uma mesinha redonda cheia de quinquilharias, na qual reinavam o telefone e o rádio. Tempos antigos.

“Prefiro o rádio”, disse-me ela uma vez quando lhe perguntei qual a razão do eterno silêncio da televisão. “As pessoas participam”.

Eu cumpria fielmente o ritual de visitá-la quando ia à sua cidade. Que era a nossa. Tenho certeza de que ela gostava de minhas visitas. Prova-o o doce de coco verde sempre disponível e do qual eu gostava imensamente.

Acredito até saber a razão de sua simpatia para comigo: ao contrário da grande maioria dos que a procuravam, eu não estava interessado em fofocas, ou, melhor dizendo, meu interesse era secundário, existia apenas na justa medida em que ilustrava alguma opinião sua a respeito de fatos e pessoas, essa sim extremamente interessante, a revelar um agudo poder de observação e análise.

Pois Dona Efigênia, viúva, com pensão mais que razoável deixada pelo falecido, filhos dispersos pelo mundo, era uma renomada e rematada fofoqueira, na opinião de alguns.

Talvez fofoqueira não fizesse jus ao que de fato ela era. Como uma aranha postada no centro de uma imensa teia, ela recebia, analisava e devolvia informações ao longo do dia de uma imensa variedade de informantes: serviçais, comadres, afilhados, sobrinhos, primos, amigos, o carteiro – por quem tinha especial predileção, dado que vivia batendo perna pelos cantos – o leiteiro, as crianças da rua, os vizinhos, pessoas de outros lugares, o padre, o rádio e o telefone.

Devo ter esquecido alguma coisa, óbvio, mas não esqueço sua sala de visitas quase sempre cheia e ela em silêncio escutando, até que, em determinado momento, chamava alguém para sentar em um banco baixo estrategicamente colocado perto da cadeira de balanço, e cochichava algo durante alguns minutos após os quais a conversava era dada por encerrada.

Quando a conheci supus que aquela sua atividade começasse e acabasse conforme comentavam os maledicentes. Diziam que ela era o tipo acabado da velha fofoqueira.

Depois de algum tempo compreendi que criara essa camuflagem. Era assim mesmo que queria ser enxergada. A camuflagem ocultava o verdadeiro propósito de sua atividade diária.

Através da colheita de informações, ficava sabendo o que de errado havia acontecido no seu entorno. Talvez alguma gravidez indesejada, uma demissão inesperada, uma prestação do colégio atrasada, uma virgindade perdida, um exame médico além do alcance de quem dele estava precisando, uma traição que se consumava, uma despensa desabastecida, uma violência doméstica cometida, um recém-nascido abandonado. Pequenas grandes mazelas.

Então entrava em ação: chamava um, chamava outro, cobrava antigos favores, pedia novos, recebia dinheiro de quem lhe devia e repassava para quem estivesse precisando, e a perder de vista, dava carões, espalhava conselhos, apontava caminhos, indicava obstáculos, aproximava pessoas, afastava outras, mandava fazer, mandava desmanchar…

E, assim, disfarçadamente, realizava um metódico, complexo e minucioso bordado social. Bordado do bem.

Dona Efigênia, há muito, descansa em paz e, se existe Céu, nos braços do Senhor.

Ao longo da vida me pego, de vez em quando, lembrando de alguma observação sua.

Paro, componho em minha mente o quadro de sua presença naquela sala de estar hoje silenciosa, sentada na sua cadeira de balanço, abro seu breviário, e me ponho a ler, e essa é a minha oração em louvor de sua memória.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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quarta-feira - 08/04/2020 - 14:52h
Crônica

Minhas mãos alcoólatras

Por François Silvestre

Elas são tudo, mas sempre relegadas ao secundário imerecido. Pois é da condição do polegar opositor aos outros dedos que o ancestral nosso diferenciou-se dos seus primos macacos para evoluírem até onde chegamos. Sem esse polegar tocando a ponta dos outros dedos nós não existiríamos. Nem a tecnologia.

Mas, como tudo que parece fácil e simples, as mãos raramente ocupam lugar de destaque na preocupação médica. Elas pegam as coisas, sustentam a arrumação, tocam punheta. Tudo muito natural. Tão natural que são esquecidas. As unhas, que são os cascos dos dedos, as mulheres enfeitam, os homens cortam e os exóticos exibem.

Mas isso é outra história. Vou tratar das minhas mãos. Sou um dependente de bebida alcoólica. Não vivo sem o álcool. Melhor dizendo, sem cerveja. Bebo quando quero, mas quero todo dia. Não abro mão da cerveja da tarde.

Quando preciso não beber por qualquer motivo, tiro de letra a abstinência. Para tratamento médico ou cirurgia, que já fiz duas de catarata. E cumpro sem problema. Ou como dizia Aluzio Alves, nas campanhas que fizemos, do mesmo lado ou de lados opostos, “você é um bebo manso”. E sou.

Até agora reclamavam da bebida o fígado, o pâncreas, o pulmão, o intestino, o esôfago, o reto, os rins e até o fiofó. Hemorroidas que o digam.

As mãos? Só pra levantar os copos. Excluindo suas atividades eróticas. Mas em matéria de farra alcoólica, foram sempre secundárias. Chegou a vez delas. banhadas de álcool constantemente. Rindo dos órgãos de dentro.

E as vejo alegremente limpas pedindo mais…

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domingo - 05/04/2020 - 04:42h

A “metrópole” do livro “no metro” e seus valores fúteis

Por Carlos Santos

Como são estúpidos os parâmetros que o grosso da sociedade mossoroense tem adotado, para dimensionar sua ascensão social. Tudo baseado na superficialidade e babaquice do “parece ter”.

Estamos medindo esse novo status nos prédios que sobem, nos milhares de carros que invadem ruas, avenidas e ocupam até calçadas. Naqueles que muitas vezes para subir, precisam descer aos subterrâneos.

Ontem, eu tive mais um testemunho do atraso e da distância em que nos encontramos, da inversão de valores e confusão em que nos metemos, em nome do hipotético progresso.

Fuçando livros em um sebo, seu proprietário me fez um relato que fica entre o bizarro e o jocoso. Vamos a ele.Há algum tempo, esse sebista foi procurado por uma “nova rica”, interessada em comprar “um metro de livro”. Isso mesmo. Não era um título específico, coleção ou tomo de encadernamento especial. Tinha que ser no metro, sim.

Explico, reproduzindo o que ouvi: a deslumbrada precisava preencher um espaço em estante desenhada por sua arquiteta, sendo recomendada a colocar livros com a mesma dimensão estética. O espaço disponível pro “enfeite”? Um metro. Um metro de livros simetricamente alinhados.

Mossoró, até o início do século passado, vivia a influência europeia do movimento conhecido como “art nouveau” – daí nascendo até a corruptela de sua área de prostituição, transformada em “Alto do Louvor”, décadas depois.

Era uma cidade com requintes em roupas, moveis, arquitetura, mas também na cultura, desde o teatro ao hábito da leitura e música. Tínhamos cerca de 100 pianos. E as moças bem educadas tocavam. Eles não serviam apenas de ornamento na decoração.

Falar francês era normal para os jovens de ótima extração. Muitos eram poliglotas. Os janotas transitavam sempre impecáveis e ser rico, em verdade, era transformar dinheiro em bem-estar e referência de conteúdo.

Hoje testemunhamos a “Metrópole do Futuro” exultante com seu “crescimento” baseado em carrões pra exibição, TV de LCD e home theater na sala do apartamento, gente mal-educada saracoteando ao som de “lapada na rachada” e enchendo  sacolas com bugigangas de grife.

Os que se salvam dessa manada são tratados como estranhos e afetados, ou seja, anormais.

Portanto não é por acaso que da atividade produtiva à política, estejamos “dominados” pela ignorância que mesmo rica, não reluz.  É opaca ou furta-cor, mas certamente abobalhada e fútil.

Empobrecemos, em verdade, porque na ânsia de ser diferente, a grande maioria é apenas mais um nessa multidão pasteurizada, uniforme, feita em escala industrial: modelo standart. Faz da aparência a sua essência, da borra cosmética a sua alma.

Acredita que Paris é “a cidade luz” por ser muito iluminada; toma Old Parr com Coca-cola, mas preferia um legítimo “Odete”, por ser mais barato.

A propósito, bota uma bicada de Serra Limpa aí, amigo. O sertão é aqui.

* Texto originalmente publicado no dia 10 de Novembro de 2010.

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Categoria(s): Crônica
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quinta-feira - 02/04/2020 - 07:38h
Crônica

O mundo virou Paris?

Por François Silvestre

Dizia Newton Navarro, pintor de cajus sem travo, poeta de palavras e gestos, que em Paris todos os dias eram Domingo.

Completava aquele verso de Valfran de Queiroz, definindo Paris: “Uma maçã no meio do caminho”.

Pois bem. O mundo virou uma Paris opaca, a negar o apodo de Cidade Luz. Por que essa comparação?

Porque nesse tempo de isolamento, confinamento e distâncias você não sabe que dia é da semana, ao acordar.

Todos os dias são Domingo.

Assim mesmo no singular, posto que são dias igualmente chatos. E o Domingo só é alegre para as crianças. Para os vividos o Domingo é apenas o anúncio da Segunda-Feira.

Agora, nem isso. Porque a Segunda não vem. E da Terça-Feira em diante todos os dias sumiram da lembrança ao amanhecer do dia. E na televisão a novidade é a mesma do dia anterior.

Apelo a Albert Camus, “com tanto sol armazenado na memória como pude apostar no absurdo”?

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Categoria(s): Política
quinta-feira - 02/04/2020 - 04:38h
Em casa

Vivo

Meu isolamento por livre arbítrio passa dos 15 dias.

Saídas são episódicas para reposição de mantimentos e outras necessidades, com escassas interlocuções.Nada de BBB, Netflix, bater panelas ou vomitar xingamentos em redes sociais.

Não vi reprise de qualquer jogo e tenho trabalhado muito.

Leitura, rádio, documentários e aulas por diletantismo no YouTube, videoconferências por labor, muitas e muitas horas sem ouvir uma voz, nenhum sintoma de angústia ou depressão.

Não vi fantasmas, não desejei morrer nem fiquei indiferente às dores alheias.

Estou vivo.

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 29/03/2020 - 11:52h

De sintomas e paranoia

Pro François Silvestre

A mulher liga para um amigo médico e informa:

“Carlinhos amanheceu com o dedão do pé muito vermelho e inchado”…

O amigo não deixou ela terminar, interrompendo-a, e falou:

“É. Já foi reportado alguns casos do vírus que provoca inchaço e vermelhidão nos membros inferiores”…

Agora foi ela que o interrompeu:

“Não, doutor, ele tava jogando bola no quintal e deu um trupicão que arrancou a banda da unha do dedão. Quero uma pomada ou qualquer coisa pra aliviar”…

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 29/03/2020 - 08:10h

Minha sabiá-laranjeira

Por Paulo Menezes

Há quarenta e três anos, quando estava na construção do alicerce da minha morada, plantei no quintal da casa um caroço de manga e uma castanha de caju como sementes para o nascimento de uma mangueira e um cajueiro. Elas brotaram, se fizeram árvores e hoje me dão além de uma sombra grandiosa e fria, nesse clima tão quente, os frutos de delicioso sabor.

Há um ditado que diz: não aprisione pássaros, plante uma árvore que eles vêm. Pois bem. Hoje os frutos e a sombra, apesar de importantes, são para mim secundários.O grande valor que hoje atribuo à mangueira e ao cajueiro é que eles servem de abrigo, do alvorecer ao sol poente, com voos alternados de idas e vindas, a presença constante de uma sabiá-laranjeira que com seu belo canto, flauteado, faz do meu quintal um local extremamente bucólico e agradável.

Agrega-se a isso o zumbir das abelhas, o gorjeio de galos-de-campina, canários-da-terra, bem-ti-vis, rouxinóis e até os barulhentos e inconvenientes pardais que vêm se alimentar do xerém de milho que coloco para atraí-los.

Há também a visita frequente de algumas espécies de beija-flores que vêm sugar o néctar de algumas roseiras existentes nos canteiros.

É  nesse ambiente urbano em que a natureza está tão presente que tenho conseguido “tirar de letra” as preocupações cotidianas dentre as quais se inclui, no presente momento, o isolamento social da quarentena por conta do coronavírus.

Com essa sinfonia de pássaros e o manejo das jandaíras, além de não sentir o tempo passar ainda me livro do noticiário televisivo com suas veiculações voltadas exclusivamente para a tragédia que ora apavora todo o planeta terra.

Como diz o Zeca Pagodinho, é desse modo que vou vivendo e deixando a vida me levar.

Paulo Menezes é apicultor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
sábado - 21/03/2020 - 21:36h
Memória

Vá lavar as mãos

Não estou tendo maiores dificuldades para lavar as mãos várias vezes ao dia.

Essa mania exercito desde criança.

“Vá lavar as mãos. Só senta à mesa com as mãos lavadas”.

“Já lavou as mãos?”

Parece que ouço Minha Santa Mãezinha, Dona Maura.

Tô bem asseadinho, viu?

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Categoria(s): Crônica
sexta-feira - 20/03/2020 - 08:42h
Brasil

Dois analfabetos ignorantes

Por François Silvestre

Bolsonaro e seu Raimundo Cocada. Bolsonaro nunca leu um livro, não sabe o que é filosofia, nem teologia. Duvida dos movimentos dos astros e não acredita que o homem foi à lua. Eleito, não sabe sair da campanha e mantém o país em pastoril permanente; ele numa barraca, a do Azul, arrematando num leilão maluco e provocando a outra barraca, a do Encarnado, que incompetentemente aceita o jogo bruto.

Seu Raimundo Cocada também nunca pegou num livro. Não acredita que o homem foi à lua, nem que a terra gira. “Tudo mentira. Se a terra rodasse, eu acordava cedinho e pegava café barato quando São Paulo passasse puraqui”. E ainda completa, “A lua né grande não. É do tamãe duma arupemba“.

Ele é um dos últimos, se não o último, que ainda carrega água para casa num jumentinho com ancoretas. Vai todo dia à cacimba, na fonte da Marizeira.

Analfabeto e ignorante, igualmente ao presidente do Brasil. Mas há um adjetivo dessa ignorância aboletado em Bolsonaro, que não habita em seu Raimundo.

Seu Raimundo não é irresponsável. Ele torce por sua barraca, no pastoril da Padroeira. Briga, arremata, desfaz dos torcedores da outra barraca, mas passada a festa, a amizade volta, o convívio normal.

Durante a festa, nem se falam.

Quando informaram a ele sobre essa epidemia, ele passou a levar para a cacimba um pedaço de sabão. Antes de abastecer as ancoretas ele lava as mãos com sabão. quando chega em casa, repete o gesto. E ainda obriga todos da casa a fazerem o mesmo, após acordarem.

Seu Raimundo é analfabeto e ignorante, mas, diferentemente de Bolsonaro, não é irresponsável.

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Categoria(s): Crônica
  • San Valle Rodape GIF
terça-feira - 17/03/2020 - 15:46h
Confinado

Vivo

Tudo que eu tenho em casa, uso.

Nada é acessório, fica encostado ou é supérfluo.

Imprescindíveis? Não.

Apenas úteis.

Imprescindível é gente.

Nesse confinamento, nenhuma angústia.

Preocupo-me com o mundo lá fora, com os meus e quem não conheço.

Aqui sou minimalista.

Sobrevivo.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 08/03/2020 - 10:56h

Uma saudade a mais

Por Paulo Menezes

Há 18 anos, Antônio Menezes, o Tota, meu querido pai, partiu desta para outra dimensão. Nesse sábado (7 de março de 2020), completaria 102 anos. Viveu 84, bem vividos, com grande intensidade.

Feneceu deixando um legado aos 7 filhos, qual seja, um pai à toda hora presente, criando sua prole com a dificuldade de um orçamento apertado, mas dando aos filhos a educação necessária e um exemplo de vida.

Dele, guardo inúmeras e boas recordações, pois além do convívio doméstico, foi com ele que a partir dos 14 anos iniciei minha vida laboral na empresa “Menezes & Irmão”. Depois, o auxiliei como motorista do Jeep Toyota em nossas viagens semanais à salina de Jorge Moyse França, que ele gerenciava.

Antônio Menezes (Foto: arquivo da família)

O ajudei também na loja “A Preferida”, tendo sido ele o primeiro agente da Loteria Federal e Esportiva da cidade.

Nas férias escolares, conduzia toda a família para a encantadora praia de Tibau. Ali, no fulgor da juventude, vivi um período mágico de minha vida, construindo memórias afetivas tão profundas que nem o tempo conseguiu apagar.

O Tota, era amante das vaquejadas, e eu, pra variar, apesar de não gostar do esporte, estava sempre ao seu lado. Fui também seu companheiro das inenarráveis caçadas de nambu e avoete. Na verdade, nosso passatempo era mais um acampamento de amigos do que a caça propriamente dita.

Para ser franco, deixamos poucas nambus e avoetes viúvas em nossos finais de semana em que passávamos arranchados por esses sertões afora, sempre protegidos pela sombra de um juazeiro copado, uma catingueira florida ou uma oiticica de folhas largas e fria.

Chegávamos sábado à tarde, armávamos nosso rancho, uma lona de 10 x 8 metros, banheiro adaptado numa lata de querosene Jacaré, com direito a chuveiro e a um banho frio e reparador, após a caminhada matinal na caatinga verdejante e esplendorosa com o início da quadra chuvosa.

Estirávamos as redes, abríamos a garrafa de um bom vinho e o papo rolava noite adentro numa confraria em que limpávamos nossa mente do estresse da cidade grande, conturbada e violenta. Manhãzinha cedo, parafraseando o poeta e repentista Ivanildo Vila Nova, acordávamos com a natureza em festa, “pois no sertão quando rompe a alvorada, na floresta desperta a passarada, canta uma canção tão afinada que parece uma orquestra universal, num concerto de música diferente da orquestra sinfônica que Deus fez”.

Tendo como componentes o pio admirável das inhambus xintã e chororó, o canto sonoro das sabiás, galos de campina e corrupiões, o arrulho soturno da juriti, o cantar melancólico do anu-branco, cadenciado da rolinha fogo-apagou, belo e estridente da seriema, deixando a todos nós extasiados com tanta beleza.

Entre os participantes do lazer semanal havia um pescador arremessando a tarrafa e trazendo para a margem, do açude, curimatã, piau, tilápia e tucanaré, que cozidos ou fritos no fogo de chão, faziam parte do cardápio do almoço dominical. Final da tarde, hora de desarmar a barraca e regressar para nos prepararmos para a nova jornada na semana seguinte.

Dezoito anos se passaram de sua partida e em mim sua lembrança continua forte e muito presente.

Agora, com a chegada das chuvas e o prenúncio de um bom inverno, o vejo na calçada, início da noite, cadeira de balanço, rádio sobre o colo, olhar atento para os últimos raios do sol poente em fogo, afirmando:

– Hoje só me recolho quando o relâmpago “cortar” o céu do sertão.

Tempos bons. Saudades. Muita.

Paulo Menezes é apicultor

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domingo - 01/03/2020 - 12:30h

Carta às minhas filhas Lana e Patrícia

Por Inácio Augusto de Almeida

Eu tenho mania de criar aforismos. E já criei prá mais de 500 deles. Tem um que eu gosto muito.

Tempo é uma questão de preferência. A gente sempre tem tempo para as coisas que gosta.

Este pensamento nasceu da observação do comportamento das pessoas. Eu nunca vi um jogador de baralho sem tempo para o jogo, um corrupto sem tempo para maracutaias, um boêmio sem tempo para a bebida, um bom estudante sem tempo para a leitura. E por aí vai.

Mas a vida, minhas filhas, não se resume a fazer apenas o que se gosta. O sucesso está diretamente ligado à nossa capacidade de fazer, também, as coisas que não gostamos. Isto porque há uma tendência no ser humano, tendência natural, de buscar o prazer em tudo.

É bom, claro que é bom, mas é preciso ter consciência de que nem sempre nos é permitido só fazer aquilo que gostamos.

Aí entra uma coisa chamada disciplina.  Pois é através da disciplina que vencemos nossas paixões e, consequentemente, submetemos nossa vontade ao objetivo pré-determinado.

É preciso então separar um pouco do nosso tempo para as coisas que PENSAMOS que não gostamos, quando na realidade nós temos é MEDO de realizar estas coisas. Medo do desconhecido, medo de não sermos bem sucedidos, medo do medo. Medo que muitas vezes  é colocado para que nos tornemos escravos de determinadas situações.

Sabe filhas, nem sei por que estou falando isto para vocês. É que às vezes eu sinto vontade de externar estes meus pensamentos. E como gosto de conversar com vocês…

Mudando de assunto.

No ano de 1964 ia muito ao Rio. Tinha um irmão meu, o Laerson, que morava num hotelzinho bem perto do Palácio do Catete. Em frente ao Palácio havia um barzinho-restaurante que, aos sábados, servia uma feijoada muito boa.

Do barzinho a gente saía caminhando até o Largo do Machado, onde havia várias sinucas. Perto do hotel havia também um cinema, o Bruni Flamengo, se não me engano. Foi lá que vibrei com o James Bond, na época o grande sucesso de bilheteria.

Eu conheço esta área muito bem. O Rio é uma cidade linda. Uma cidade desenhada para o desfrute da terceira idade, já que a cada dia a pessoa pode inventar um passeio, tantas são as opções de lazer. Lazer, o Rio é a Cidade do Lazer, nada nessa cidade lembra trabalho.

Seu pai por lutar pelas crianças mais pobres e combater a corrupção em cidades do Nordeste terminou condenado a pagar danos morais a quem está condenado por prática de corrupção. O meu crime foi prática de calúnia, injúria e difamação, mesmo sem nunca ter dito uma só mentira.

O dinheiro que seria usado nas compras de Natal teve que ser destinado ao pagamento dos danos morais. Pior seria, minhas filhas se eu tivesse feito uma retratação. No Natal deste ano vocês ganharão os seus tênis e as suas novas mochilas.

Não consigo esquecer vocês gritando “a polícia veio prender o papai”, quando um agente de polícia bateu tão forte no portão e gritou tão alto POLÍCIA para me entregar uma simples citação. O objetivo era causar escândalo e assustar a todos. Vocês ficaram traumatizadas. Tão traumatizadas que toda vez que alguém bate na porta ainda pensam que é a polícia que vem buscar papai.

Peço perdão a vocês pelo que aconteceu. Eu poderia ter ficado caladinho ante a corrupção. Tão caladinho como os outros.

Sigo para uma hospitalização em Natal. Vou tentar o tratamento de uma doença que desconheço, mas que imagino ser grave. Deus sabe sempre o que é melhor para nós.

Estudem, estudem sempre. E nunca se esqueçam de que quem estuda tem tudo, quem não estuda não tem nada. Quem não estuda não tem nada, mesmo que consiga dinheiro através de meios espúrios. A história está cheia de corruptos que sustentam filhos e genros malandros.

Do seu pai,

Inácio.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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domingo - 23/02/2020 - 07:48h

Urso de Carnaval

Por Odemirton Filho

São apenas crianças e adolescentes que saem às ruas a procura de diversão.

Alguns andam com os pés descalços, roupas rasgadas e fantasiados com qualquer retalho de pano.

Às escondidas, longe do olhar dos pais, percorrem as ruas e avenidas das cidades, sem hora para voltar para casa, sendo costumeiro adentrar em alguns estabelecimentos comerciais.

O que querem é brincar e, quem sabe, conseguir algum dinheiro para comprar alguma “besteira”.

Há, talvez, os mais afoitos que levam escondido um pouco de bebida alcoólica.

Muitas vezes voltam para casa sob “chineladas” dos pais que não gostam da brincadeira.

À frente da trupe, se é que se pode chamar assim, sempre existe aquele mais desinibido, que não se preocupa em sair pulando e cantando, com as mãos estendidas, pedindo algum trocado.

É o “urso”, que causa medo em algumas crianças de tenra idade.

Não é incomum que muitos faltem à escola ou “gazeiem” as aulas a fim de, juntamente com os amigos, “desfilarem” pelas ruas e avenidas da cidade.

Gostemos ou não da “zoada” de seus instrumentos musicais improvisados, na maioria das vezes latas vazias, os ursos fazem parte do cotidiano carnavalesco.

Dizem os historiadores que a brincadeira surgiu pelas bandas do estado de Pernambuco, tendo origem nos ciganos da Europa que percorriam a cidade com seus animais presos numa corrente, que dançavam de porta em porta em troca de algumas moedas.

O fato que nada é mais característico no período que antecede os dias de carnaval do que a presença dos ursos nas ruas.

Contudo, nos dias de hoje, poucos são os ursos que vemos pela cidade, como outrora.

Atualmente o carnaval é uma mistura de sons e ritmos.

Os mais saudosos dizem que em tempos passados o carnaval era melhor, pois eram realizados nos clubes, ao som das marchinhas, essas, verdadeiramente, típicas do período momesco.

Hoje, ao contrário, brinca-se o carnaval ao som de vários ritmos, seja lá qual for.

Não importa.

Cada época e fase da vida tem seu brilho e alegria.

Que o folião brinque à sua maneira, inclusive no balanço da rede “solasol”.

Um carnaval de paz, caro leitor.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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sábado - 08/02/2020 - 08:32h
Eu

Uma reflexão sobre amigos e amizade

Não quero muitos amigos; quero amigos.

Se forem muitos, ótimo.

Se não, já estou satisfeito com os que tenho.

São bençãos em minha vida.

Amém.

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domingo - 26/01/2020 - 07:28h

Mossoró não me ama

Por Inácio Augusto de Almeida

Eu te conheci, Mossoró, quando ainda eras pequena e eu um menino mal saído das fraldas. Banhei-me no teu rio, pisei teu solo, cresci amando o Potiguar.

E vi tuas ruas de areia que levantavam poeira com o vento vespertino das tuas tardes quentes. E te amei, Mossoró.

À noite ouvi tuas histórias contadas por Fernando, Lopes, Luís Bandeirantes. Estes teus filhos legítimos me ensinaram a te amar. Eu te vi chuvosa e seca, e tu sempre me parecias linda.Com nuvens negras ou com sol radiante, tu, para mim, eras sempre como uma noiva. E assim, eu aprendi a te amar, a te querer bem.

E tu me traíste, Mossoró. Nunca vistes o amor que eu sentia e sinto por ti. Com Mário de Almeida e Bernardo de Almeida varei as tuas madrugadas. Mário, que de tanto te amar, ao falar de ti, chorava.

Preferistes dar teu reconhecimento a outra pessoa. Uma pessoa que nunca sequer olhou para ti. Por que, Mossoró? Por quê?

Eu e tantos outros que te amamos fomos postergados, esquecidos, feridos naquilo que temos de mais precioso: O amor que sentimos por ti. Por que, Mossoró? Por quê?

Que estarão a dizer os teus outros filhos? Os que te adoram tanto quanto eu, que de ti sou apenas filho adotivo? E isto, à tua revelia…

Talvez, minha querida, ela nem saiba a tua localização no mapa do Brasil. Talvez, minha cidade amada, ela te confunda com uma cidade qualquer do interior do Rio Grande do Sul, ou, quem sabe, até mesmo com uma cidade dos Estados Unidos. Não, não fiques admirada, não penses que é exagero meu; engenheira química nem sempre sabe muito de geografia.

Teus filhos estão sentidos, muito sentidos.

Mas nós continuaremos a te amar. O nosso amor por ti é mais forte do que a loucura que cometeste. E continuaremos sempre a te amar.

Mas, por favor, em respeito à nossa dor, não cometas outras loucuras iguais a esta.

Graça Foster pode ser tudo, menos tua filha.

Como pode alguém ser filha de quem nem sequer sabia a existência?

Eu e todos os teus filhos continuaremos a te amar e a te querer muito, muito mesmo.

Eu te amo, Mossoró.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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domingo - 19/01/2020 - 05:40h

Tibau (uma imensa saudade)

Por Paulo Menezes

Estou hoje, início de 2020, na varanda do meu “cantinho” na Praia do Meio em Natal, com uma vista privilegiada da ponte Newton Navarro, estuário do rio Potengi, dunas de Genipabu e das águas verde-azuladas do mar.

Curto uma boa leitura e sinto suave brisa numa rede branca com lençol bastante usado, bem macio, cheirando a guardado. A visão panorâmica de uma beleza sem par do majestoso oceano sempre me leva à Tibau dos meus sonhos. Esteja eu onde estiver.

Pois Tibau foi e sempre será a primeira sem segunda, musa dos meus encantos, razão maior dos meus devaneios.

De repente, incontinenti, surgem algumas interrogações motivadas pela grande desolação que senti. Por onde andam as falésias que na minha juventude eram conhecidas por “morros dos urubus” ?

E os pingas d’água doce?

Cadê as areias coloridas ?

E as redes três maio arrastando milhares de peixes e camarões para a praia nas primeiras chuvas de janeiro?

Qual terá sido a causa de não mais serem vistos os papagaios de papel que ao sabor dos ventos coloriam o céu e faziam a festa da criançada?

Para onde foram as velas brancas da mais frágil das embarcações?

Por onde andarão os vendedores de grude e de gelé?

Ainda há o galanteio das serenatas?

E as tertúlias no início das noites?

Os forrós no final delas?

É verdade que foram substituídos pelo barulho ensurdecedor e infernal dos “paredões de som?”

As reuniões no morrinho? Será que ele ainda existe?

As inúmeras mesas com panos verdes onde rolavam disputadas partidas de pif-paf ainda estão sendo formadas?

E as “peladas” antes do banho de mar?

Por que sumiram da areia branca da praia os caranguejos grauçás com seus deslocamentos laterais à procura de suas moradas?

A misteriosa “Furna da Onça” foi aterrada?

E os coqueirais, porque diminuíram tanto?

Será que foi o motivo do desaparecimento das graúnas com seus maviosos cantos nas frias madrugadas?

A luta para acabar com tanta coisa boa de um passado ditoso e feliz na linda praia tem sido grande. Vão terminar conseguindo. E para quem viveu como eu os anos dourados da antiga e encantadora vila, verdade seja dita: sente falta e saudade de tudo isso.

Sei que faz parte do progresso, mas até a areia fina e fria em que pisávamos nas caminhadas noturnas, trajeto de nossas inenarráveis serestas, foi substituída pela tarja negra e quente do asfalto.

Resistindo, mesmo assim um pouco desgastada pelas altas cíclicas das marés e intempéries inexoráveis, restou apenas a “Pedra do Chapéu”, símbolo maior e cartão postal da orla esplendorosa.

Apesar disso, Tibau continua sendo minha querida e preferida praia. As lembranças aqui relatadas vêm acompanhadas de uma imensa saudade. Muita. Incomensurável. Prazerosa.

Paulo Menezes é apicultor

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domingo - 12/01/2020 - 08:18h

Ano novo, velhas promessas

Por Odemirton Filho

Desde que me entendo por gente escuto a mesma cantilena político-eleitoral.

Entra ano e sai ano e as promessas são as de sempre.

Quais?

Os professores serão valorizados, terão dignas condições de trabalho e os salários serão melhores.

Na saúde não faltarão remédios, leitos hospitalares e insumos básicos para atender bem a população.

A segurança pública será dotada de equipamentos e armamentos para que possa desenvolver a contento o patrulhamento ostensivo e repressivo.

Eis, somente, algumas promessas.

Assim, já sabemos de cor e salteado, para usar uma linguagem coloquial, a retórica de alguns candidatos no próximo ano: irei lutar por saúde, educação e segurança. É a gravação no mesmo disco de vinil.

Não se observa qualquer mudança. É algo cansativo. Enfadonho.

Há tempos que a sociedade brasileira escuta a mesma conversa fiada. Todavia, não se vislumbra, de forma efetiva, qualquer mudança significativa.

São os mesmos vícios e as mesmas práticas. E a culpa, diga-se, não é somente dos políticos.

É, de igual modo, de alguns agentes públicos e do cidadão/eleitor.

Com efeito, o que se presencia, dia a dia, são escândalos de corrupção, em todos os níveis do Poder.

Não se pode negar que existem aqueles que têm bons propósitos, mas são engolfados por um sistema devidamente estruturado para manter o status quo.

O objetivo é levar vantagem. O jeitinho brasileiro é lugar-comum. Neste país ser “esperto” é a atitude correta. Quem assim não age é tachado de bobo ou de querer ser “santo”.

Quanto tempo ainda vamos presenciar a incompetência administrativa e a corrupção?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 05/01/2020 - 09:05h

Para tentar entender os homens

Por Inácio Augusto de Almeida

No bar do Wellington, Lopes, Sandoval e Izaías continuavam tomando cerveja. A noite já adiantada. No céu, as estrelas formavam uma linda colcha de retalhos. Apenas o barulho do motor da geladeira era ouvido, quando o Lopes, fechando a mão, pigarreou. E, respirando fundo, começou:

– E estava Kung Fu-tse sentado num banquinho de três pernas, quietinho, meditando sobre os homens e suas relações, tanto para com a família como para com o estado, buscando uma definição, quando sem mais nem menos adentra ao pequeno recinto um brutamonte, que vendo aquele homem franzino, resolve escolhê-lo para mostrar a todos o quanto era valente.

E espanca Kung Fu-tse.Ainda no chão, Kung Fu-tse não demonstra estar surpreso com aquela atitude. Entende o ato de covardia. Só não consegue compreender uma coisa. E pergunta ao brutamonte:

– Por que fizestes isto comigo? Eu nunca te fiz o bem.

Sem entender, o brutamonte renova a agressão.

Kung Fu-tse renova a pergunta:

– Por que fazes isto comigo. Quando eu te fiz o bem?

O brutamonte apenas gargalha. Sente-se vitorioso, um mandarim. E na sua ignorância festeja a vitória.

Esta pequena história aconteceu há mais ou menos 2500 anos. Sim, cinco séculos antes do nascimento de Cristo. E que grande lição nos deixou Kung Fu-tse.

Lopes, o grande Boêmio (faz questão da maiúscula no boêmio), terminou de falar e ficou a analisar a reação dos seus ouvintes. Izaías, apenas coçou a cabeça. Sandoval foi que arriscou um palpite de uma forma meio tímida.

– Lopes, este Kung Fu-tse não é o grande filósofo Confúcio?

– Aí, inteligência brilhante. Eu sabia que você conhecia o verdadeiro nome do maior pensador que já passou na face da terra.

Izaías, meio tímido, para não ficar calado, arrisca:

– Lopes, e a história? As pancadas que ele levou do brutamonte?

Lopes abriu o seu largo sorriso. E virando-se para Wellington, pede outra cerveja. É preciso fazer o suspense, e nisto o grande Boêmio é imbatível. Encheu o copo, respirou fundo, bebeu um gole e resolveu continuar.

– Izaías, não me diga que você estava pensando que eu estava falando do Kung Fu daquele seriado da TV. Por favor…

– Não, Lopes, eu sabia que era do Confúcio que você falava.

Sandoval riu. Um riso discreto, mas riu. Lopes observou o riso do Sandoval e muito bem humorado, continuou:

– Vou repetir as palavras do Kung Fu-tse.

Sandoval não agüentou e explodiu:

– Lopes, deixa de qualiragem. Chama o homem de Confúcio mesmo.

Izaías, enchendo-se de moral, emendou:

– Aposto como o Lopes aprendeu hoje o nome do homem e fica bancando o erudito.

O bom Boêmio passa a mão por cima dos olhos, descendo por todo o rosto até ficar apertando o queixo. No gesto mostrava que buscava o autocontrole.

– Então os meus amigos não entenderam a moral da história?

Sandoval, que já estava com mais de seis cervejas na cabeça, não agüentou:

– Deixa de ser besta, Lopes. Para com esta cascaria. Vai, diz logo o que tem de dizer.

– É, fala logo, disse Izaías.

– Não entenderam. Não entenderam. Mas eu vou trocar em miúdos.

Wellington ria a não mais poder. Pela pose do Lopes e por estar entendendo bulhufas daquela lengalenga do Lopes.

– O que acontece se alguém a quem nunca vimos nos agride?

– Ficamos surpresos, apressou-se Izaías.

– Pronto. Aí está a resposta.

– Pera aí, Lopes. Mas ele disse, Confúcio disse. Aliás, você disse que Confúcio disse que nunca tinha feito bem ao brutamonte. Ora, se ele tivesse feito o bem, por que o homem iria agredi-lo?

Sandoval ouviu a argumentação do Izaías e baixou a cabeça. Lopes percebeu que Sandoval já tinha alcançado o sentido da história.

E foi com ar professoral, falando mais do que pausadamente, que o grande Boêmio, não sem antes colocar a mão no ombro do Izaías, disse:

– Voltemos às palavras do grande Confúcio. Prestemos atenção no que ele disse: “POR QUE ME AGRIDES SE EU NUNCA TE FIZ O BEM?”

O bom Boêmio fez a pausa, Sandoval já não agüentava o riso preso.

– Você tem quantos anos, Izaías?

– Minha idade?

– Claro.

– Vinte anos.

– É por isso. Claro que é por isso. Quando você tiver quarenta, cinquenta, você não pedirá que lhe expliquem nada.

– Lopes, eu acho é que você não sabe explicar a fala do Confúcio.

Os olhos negros ficaram bem abertos, as sobrancelhas levantadas, o dedo em riste. Lopes era o retrato da indignação. Sandoval já não conseguia prender o riso.

– Quando você tiver os cabelos brancos, menino, vai saber o que acontece quando se faz o bem a alguém. O que se deve esperar. Entendeu agora a surpresa do Confúcio? Confúcio, claro, não é assim que vocês querem que eu chame o Kung Fu-tse. Mas não é por isso que devemos deixar de fazer o bem. Não devemos é esperar gratidão. Já a ingratidão, esta não deve causar surpresa a ninguém.

Sandoval parou de rir. Izaías começou a iluminar o rosto. E Wellington mostrou a sua dentadura mais do que branca. Aliás, a única coisa que tinha de branco, além da alma.

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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domingo - 29/12/2019 - 08:20h

Desabafo

Por Inácio Augusto de Almeida

Ah, minha cara amiga. Ah, minha adorável e paciente amiga.

E você me viu neste banco de praça.

E viu o meu desânimo.

É que tem dia que bate uma dor mais doída, daquela que vai cortando devagarzinho, moendo, como se estivesse nos esmagando com prazer, sadicamente. Dor que nos vai transformando num sei lá, como se somente o vazio ficasse dentro de nós.

E sentimos o cansaço da vida, a revolta dos julgamentos em que a defesa foi negada. Somente um gosto amargo fica em nossa boca.Talvez estejamos cansados do caminhar sem norte. Ou, talvez, quem sabe, tornou-se entediante o eterno assistir ao crescimento dos maus.

E por que isto sempre acontece? Por que o final é sempre o mesmo?

Atente minha cara amiga, atente para o fato dos maus sempre agirem em bando, enquanto que o bom sempre está sozinho, isolado.

Veja os super-heróis, minha amiga. Sempre sozinhos. Ah, o Batman e o Robin? Certo, mas viu o que os maus falam da dupla dinâmica?…

A realidade é que os maus se unem contra o bom. E os bons não se unem para combater o mau. Não, não estou me referindo à eterna luta entre o bem e o mal, não, não. Falo da silenciosa, às vezes, nem tanto silenciosa guerra não declarada dos maus contra o bom. Bom, sim, pois os maus na sua grande covardia selecionam os bons um a um, para destruí-los.

Com toda a certeza inspiram-se nas hienas. Talvez por isto vivam sempre a mostrar os dentes, como se estivessem rindo.

E assim vamos indo, buscando consolo na religião ou fantasiando a realidade, sonhando com um ajuste de contas que, sabemos, jamais acontecerá.

Na televisão mostram um assaltante de celular. Um tipo cuja imagem deixa claro tratar-se de uma vítima do nanismo famélico. E durante mais de 80 segundos este assunto, assalto de um celular é mostrado de forma debochada pelo apresentador do telejornal.

Engraçado, este mesmo telejornal nunca falou nada do caso dos corruptos, que condenados por peculato e corrupção, recorreram e conseguiram continuar exercendo cargos eletivos, fazendo licitações, votando leis e aprovando orçamentos.

E assim seguimos nós, assistindo a este eterno crescimento dos que se locupletam, dos que se cevam com o dinheiro arrancado sob a forma de impostos de um povo que não tem o que comer.

Será minha amiga, que Deus tirou umas longas e merecidas férias?

Será?

Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor

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