domingo - 20/10/2013 - 08:01h

Hélio Xavier de Vasconcelos

Por Honório de Medeiros

Quando Hélio Xavier de Vasconcellos assumiu a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, no Governo José Agripino, eu era recém-formado e tinha sido seu aluno na disciplina Direito do Menor, no Curso de Direito da Federal. Vivíamos o começo dos estertores da Ditadura.

Contratado pela Prefeitura Municipal do Natal, um pouco antes, gestão Marcos César Formiga, graças a instâncias de Avany Policarpo, a quem tinha sido apresentado por Eri Varela, para criar e desenvolver uma ação social por nós denominada “Projeto Juventude”, estava entregue à sonolência burocrática desde que a movimentação gerada pelos concursos literários, shows, recitais, teatro de arena, enfim, música, literatura e politização de lideranças jovens, e desenvolvida nos bairros populares, começou a incomodar os vereadores “da situação” e sua hegemonia ambulatorial.

Pediram minha cabeça.

Avany não admitiu.

Esvaziaram-me completamente.

Hélio, tão logo convidado para a Secretaria de Educação, me telefonou e convidou para fazer parte do que ele chamou de “meu gabinete”: eu, enquanto assessor “especial”, seu Chefe de Gabinete Virgílio Fernandes, hoje Desembargador do Tribunal de Justiça do RN, e Omar Pimenta, seu grande amigo e companheiro, Coordenador dos Núcleos Regionais e Educação.

Hélio fez uma gestão notável, apesar de todos os pesares, mesmo torpedeado pela esquerda e direita, incompetentes como sempre, do RN.

A esquerda dizia que ele se vendera; a direita, que não era confiável. Não preciso esmiuçar esse momento da história do nosso Estado.

Quem vale a pena saber, sabe. Espero que o tempo lhe faça justiça.

Daquele período, tirante o trabalho em si, dois momentos foram inesquecíveis, para mim.

No primeiro, Hélio me chama em seu Gabinete e diz:

“O Governador mandou me chamar para perguntar se era verdade que você estava trabalhando comigo. Confirmei e lhe perguntei se tinha algum problema. Ele me disse que um grupo de vereadores (os mesmos que boicotaram o Projeto Juventude) tinha lhe dito, em audiência, que você era do PMDB autêntico, tinha trabalhado na campanha de Aluízio, e era comunista. Eu respondi que, de fato, você tinha trabalhado na campanha de Aluízio, e integrava o PMDB Autêntico, mas era de minha inteira confiança. Quanto a ser comunista, eu disse se fosse por ser comunista, o primeiro a ter que sair era eu, que não negara esse fato quando recebera o convite para ser Secretário. Zé Agripino riu e mudou de assunto”.

Eu fiquei até ir para Brasília, integrar o Governo da Nova República.

O segundo momento foram vários, muitos, sempre com o mesmo feitio: terminava o expediente, tarde da noite, e lá íamos Hélio, Omar, eu e Virgílio tomar uns dois ou três uísques nos bares da noite, a repassar o presente, projetar o futuro, e rir a bandeiras despregadas das estórias que o “Vermelhinho”, como o chamava Virgílio, contava com uma maestria insuperável, “causeur” de primeira, como o era.

Duas delas, de tão boas, eu lamento muito não poder contar aqui…

Dos professores que tive, alguns foram muitos importantes; poucos, essenciais; muito poucos, além de essenciais, eu trago em meu coração com respeito, admiração e afeto. Jales já se foi. Hélio é um deles.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 13/10/2013 - 07:45h

Rio Grande do Norte, terra do nada!

Por Honório de Medeiros

Peter Pan vivia (ou vive) na Terra do Nunca. Nós, na Terra do Nada.

Aqui, nada funciona: abram a Constituição Federal e leiam acerca das atribuições dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Agora se perguntem: funcionam?

E o Tribunal de Contas, serve mesmo para quê?

E o Ministério Público? Não funciona a saúde pública (e a privada mal e porcamente); não funciona a educação; não funciona a segurança pública. Quem duvidar que percorra escolas, hospitais e postos de saúde, e delegacias.

Não funciona o trânsito: diariamente caótico, de quando em vez catastrófico, sem que vejamos um “amarelinho” sequer percorrendo as ruas da cidade do Natal.

Não funciona a limpeza do lixo. Embora tenha melhorado, somente consideramos assim porque sobrevivemos à administração de Micarla de Sousa.

Não funciona o serviço público básico. Percorram as repartições.

Não funciona o turismo. Ao contrário. O Rio Grande do Norte, às vezes lentamente, às vezes rapidamente, vai afastando o turista do Estado.

Não temos políticas públicas, planos, projetos, ações estatais, ou, se há, delas não temos conhecimento.

Não temos nada, nada. Aliás, temos sim: cada dia pagamos mais tributos.

Temos uma máquina arrecadadora feroz e desapiedada.

Não funcionam sequer as regras da ética: estamos nos tornando mal-educados, corruptos, grosseiros e imorais.

Estamos destruindo, lentamente, os antigos valores, sobre os quais se alicerçava o que de melhor ainda temos hoje, e os substituindo pela lei da vantagem.

Que tempos são esses, meu Deus? Não acabam mais?

Peter Pan pelo menos tinha Wendy. E Wendy tinha Peter Pan.

Ambos tinham a Terra do Nunca.

Nós, aqui, nem isso temos.

Temos a Terra do Nada, a Terra dos Homens Ocos.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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quarta-feira - 02/10/2013 - 11:09h
Omissão e cumplicidade

Por que não age a Assembleia Legislativa?

Do Blog de Honório de Medeiros

Nós, servidores públicos com a remuneração em atraso, ameaçados de nos tornarmos vítimas permanentes dessa prática nefasta que nos desonra pelos compromissos firmados e não cumpridos, nos arranca a possibilidade de planejarmos o futuro, e nos condena à submissão, deveríamos estar acampados em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.

Não apenas nós, para sermos sinceros.

Todos quantos, de uma forma ou de outra, somos contemporâneos do que ocorre no Estado do Rio Grande do Norte, em termos de Gestão Pública Governamental, deveríamos acampar em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte. Servidores Públicos, a Classe Produtora, os comerciantes, os agricultores, os intelectuais, os professores, os estudantes, as donas-de-casa, as crianças, claro, as crianças, todos, enfim, deveríamos estar acampados em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.

A exigir providências dos Senhores Deputados.

É dos Senhores Deputados a responsabilidade por tudo quanto aconteceu, está acontecendo e acontecerá política, econômica, social e administrativamente no Rio Grande do Norte.

Não é apenas o que eu penso. Está na Constituição Federal, no mais nobre de todos os seus artigos, o 1º, em seu parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Foram eles eleitos para assumirem, por nós, essa responsabilidade.

Não é preciso conhecimento profundo das Leis para entender essa afirmação. Qualquer cidadão comum, portador de bom senso, ao ler a Constituição Federal e a Constituição Estadual perceberá a veracidade do que afirmo.

Por que a Assembleia Legislativa não convoca o Tribunal de Contas e dele exige a verdade acerca das finanças do Estado?

Seus integrantes, os Deputados, não declaram que não têm informações precisas acerca dessas finanças? Não é o Tribunal de Contas do Estado órgão auxiliar da Assembleia Legislativa para o exercício do Controle Externo da Administração Pública?

Ou o Tribunal de Contas continuará tratando com o rigor da Lei as Prefeituras Municipais e com a omissão as gestões dos condutores do Estado?

Posso ajudar: artigos 70 e 71, incisos IV, IX, e XI da Constituição Federal; artigos 53, IV, VI e VIII, da Constituição Estadual; artigo 1º, IV, VI, XI, XIV, XV, XIX e XX, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado.

Os nobres Deputados não percebem o que está acontecendo no Rio Grande do Norte?

Não têm noção do que está se passando?

Não conseguem imaginar as consequências deste presente que se eterniza?

A falta de perspectivas, o atraso, o caos na segurança pública, na saúde, na educação?

Será que não querem tomar qualquer providência em relação a tudo isso?

Desejam abdicar do seu protagonismo?

Assumir, de vez, sua passividade?

Será que estamos condenados a sermos eternamente rebotalhos na História?

Não creio.

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domingo - 29/09/2013 - 11:07h
Cariri Cangaço 2013

Uma jornada pela história e identidade nordestinas

No carro, quatro ocupantes. Cada um de nós com seu jeito e aspirações, histórias e idiossincrasias.

Vamos para mais uma edição do “Cariri Cangaço”, cruzando parte do sertão do Rio Grande do Norte a partir de Mossoró e cortando terras da Paraíba até aportarmos no Ceará. De 17 a 22 de setembro (2013), o Ceará é nosso endereço. O Cariri, nossa pátria!

"Volantes" e "cangaceiros" em encontro com passado - e olhos no futuro (Sara Saraiva)

O Cariri Cangaço é um evento único. Há três anos estreei como ocupante dessa viagem ao passado, para conhecimento de nosso presente e reflexões quanto ao futuro. Foi em 2010.

De lá para cá, o mesmo caldeirão. Muitas interrogações, perplexidades, história, sociologia, antropologia, botânica, antropologia criminal, arqueologia, arquitetura e as mais diversas manifestações cientificistas ou leigas.

É um mergulho em nossas origens, feridas, desatinos e heroísmos quase desconhecidos no sertão nordestino.

Identidade nordestina

Bandidos x mocinhos; maniqueísmo x busca da verdade. Enfim, o incessante mergulho em fenômenos como o cangaço, coronelismo, a ousadia de Canudos, religiosidade e tudo aquilo que desenha o DNA de um povo e sua região.

O Cariri Cangaço nasceu do apetite desbravador de um cearense bonachão. Um fidalgo à moda antiga, na acepção da palavra. A nobreza em pessoa: Manoel Severo.

Mas ele já não é mais o dono do evento. Fugiu ao seu controle, foi assumido também por dezenas de apaixonados pelos temas variados que fazem parte da vida sertaneja e nordestina. Foi possível encontrarmos e interagirmos com gente do Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo etc.

Mais de 15 estados representados por escritores, pesquisadores, historiadores, advogados, jornalistas, engenheiros, arquitetos, professores, promotores de Justiça e gente das mais variadas atividades ligadas ou não ao tema cangaço.

Lançamento de livros, apresentação de documentários, palestras, debates, visita a pontos e prédios históricos, homenagens a pessoas que fazem parte da história e da cultura nordestina fizeram parte da maratona. E estrada, muita estrada… ufa!

O Cariri Cangaço é também prova de fôlego para físico e mente. Dias que se misturam com noites e escorrem pela madrugada.

O caipira de Poço Redondo-SE

Foi oportunidade para homenagearmos Alcino Alves Costa, o escritor, poeta, radialista, empresário, político e acima de tudo nordestino. “O caipira de Poço Redondo (SE)”, epíteto que ostentava em forma de galardão.

Ele, pela emoção que despertou nas homenagens recebidas, certamente é símbolo desse evento. Mesmo ausente, onipresente.

Alcino, de morte sacramentada ano passado, ganhou vida perene e a eternidade entre os amigos e familiares.

Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Missão Velha, Porteiras, Barro e Aurora formaram mais uma jornada do Cariri Cangaço, em pleno sertão cearense. A caatinga com suas árvores retorcidas e chão seco, contrasta com o sorriso de seu povo, além da conhecida generosidade.

Gastão, Honório, o editor deste Blog e Franklin Jorge: muitas histórias

A fé no “Padim Ciço” e os sinais de preservação da história podem ser sentidos nos casarões, igrejas e alma do cearense. Um orgulho que contamina a todos, sem se revelar como um sentimento opressor ou limitador das relações interpessoais.

Ficou a vontade de voltar.

Entre “volantes” e “cangaceiros”, temos a aspiração do reencontro com a paixão pelo Nordeste.

O carro com o professor e escritor Honório de Medeiros, médico-pesquisador Paulo Gastão, eu e o jornalista Franklin Jorge trouxe um monte de lembranças na boleia e na mala.

Hora de retornarmos ao cotidiano da cidade, nossa selva de pedras.

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sexta-feira - 27/09/2013 - 09:26h
Para bom entendedor...

Data do pagamento da remuneração do servidor do RN

Do Blog de Honório de Medeiros

Art. 28. No âmbito de sua competência, o Estado e os Municípios devem instituir regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

(…)

§ 5º Os vencimentos dos servidores públicos estaduais e municipais, da administração direta, indireta, autárquica, fundacional, de empresa pública e de sociedade de economia mista, são pagos até o último dia de cada mês, corrigindo-se monetariamente os seus valores, se o pagamento se der além desse prazo.

*ADIN nº 144-2 suspendeu a eficácia das palavras “municipais, (…) de empresas públicas e de sociedade de economia mista”.

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Categoria(s): Administração Pública
domingo - 22/09/2013 - 03:55h

O mundo é uma aldeia global

Por Honório de Medeiros

Dia desses, estando em Martins, aproveitei uma madrugada para caminhar. Saí da “Morada dos Ventos”, no Sítio Canto, e peguei a estrada de barro que o liga à cidade.

Um pouco mais à frente dois moradores do Sítio, de cócoras, tomavam canecas de café e conversavam. Quando passei ao lado deles, e antes de cumprimentá-los, escutei um fragmento de diálogo:

– E ele comprou como?

– Foi pelo computador. Pediu na internet.

Imediatamente evoquei minha adolescência em Natal, meados da década de 70,  recém-chegado de Mossoró e maravilhado com a biblioteca de minha tia, Elza Sena, professora da Ufrn, na qual encontrara dois livros muito estranhos, tanto em relação à forma com a qual foram escritos quanto ao seu conteúdo:

“O Meio é a Mensagem”, e “A Galáxia de Gutemberg”.

Eu os li várias vezes.

Não compreendia o alcance de suas hipóteses, mas intuía que eram extremamente significativas. Nunca os esqueci.

Já cinquentão pude comprovar, pessoalmente, quão revolucionário era o pensamento do seu autor. Pois foi McLuhan, o autor dessas duas obras, escritas sob a forma de apotegmas e inseridas em um meio gráfico sofisticado e diferenciado, que pela primeira vez tratou dos meios de comunicação enquanto extensões do Homem. Não somente isso.

De sua lavra também é, entre outras, a hipótese de que em algum momento uma “rede mundial de ordenadores tornará acessível, em alguns minutos, todo o tipo de informação aos estudantes do mundo inteiro.”

Estava lançado o conceito de “Aldeia Global”.

Dele decorre o ousado corolário de que com o surgimento da energia elétrica – leia-se, hoje, “internet” – as relações sociais passam, necessariamente, a ser tribalizadas, em decorrência da maior interação entre os indivíduos.

A compreensão de que os meios de comunicação são extensões de Homem ainda não foi plenamente assimilada, mesmo quando tratada à luz da Teoria da Seleção Natural. McLuhan chamava essas extensões de “próteses técnicas”.

Um computador, por exemplo, seria uma extensão do cérebro. As consequências dessa concepção constituem campo fértil para epistemologias evolucionárias.

Quanto à idéia de “Aldeia Global”,  McLuhan entende que é/será um “topos” de convergência, no qual  se permitiria, em qualquer circunstância a comunicação direta e sem barreiras. Ou seja, trocando em miúdos, a “internet”.

O mundo é/será uma imensa “Aldeia Global”, graças à possibilidade de comunicação instantânea entre seus moradores.

Esse evocar se desdobrou, enquanto eu caminhava, em uma série de conexões com leituras de outras obras, tal como “A Biblioteca de Babel”, uma metáfora acerca da Sociedade de informação, genial texto de Jorge Luis Borges, a “Teoria de Sistemas” de Ludwig von Bertalanffy, e a relação entre a “Sociologia de Marx e a Teoria da Seleção Natural”, de Darwin.

Tudo quanto torna fascinante o mundo dos livros e dos seus leitores, essa eterna tentativa de entender o que somos, e para onde vamos…

Mas essa já é uma outra história. Curioso, mesmo, é constatar o quanto anda esquecido McLuhan.

Honório de  Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 15/09/2013 - 10:51h

Do juiz enquanto intérprete da norma jurídica

Por Honório de Medeiros

Há cinco tipos de juízes-intérpretes da norma jurídica: o onisciente, o populista, o técnico, o cortesão, e o camaleão.

O onisciente se pretende intermediário entre uma verdade absoluta – o Justo, o Certo, o Bom, etc. – e os reles mortais, que a ela não têm acesso. Deles escutamos afirmações tais quais: a norma jurídica (a Constituição Federal) é o que nós dissermos que ela é.

O populista se pretende intermediário entre os anseios da Sociedade e os reles mortais. Deles escutamos afirmações tais quais: a norma jurídica (o Direito, a Constituição Federal) deve, concretamente, ser instrumento de transformação social.

O técnico se pretende intermediário entre o universo das normas jurídicas positivas e a realidade dos fatos, inatingíveis pelos reles mortais. É o rei da subsunção, da filigrana jurídica. Supõe que somente é possível o todo pelo conhecimento minucioso de cada parte; desconhece que o todo é algo além da soma de todas as partes. Deles escutamos afirmações tais quais: uma coisa é minha vontade, outra é a disposição da norma jurídica.

O cortesão anseia ser o intermediário entre a vontade da elite governante e os reles mortais. É o rei do sofisma, da omissão consciente, da deturpação, da manipulação dos fatos e normas jurídicas. Deles escutamos afirmações tais quais:  a interpretação da norma jurídica deve levar em consideração os princípios da Sociedade.

O camaleão não se pretende. Pretende. Busca, sempre, a zona de maior conforto. Adequa-se à circunstância. Cambiante, pode encarnar qualquer dos tipos acima, dependendo da necessidade. Deles escutamos afirmações tais quais: as circunstâncias exigem de nós, intérpretes da norma jurídica, que…

É claro que podem existir outros tipos.

Toda classificação é cavilosa. Não se esgota em si mesma. Sofre sempre nas mãos da realidade, que vive lhe destroçando sua arrogância. E, claro, existe o bom juiz…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 25/08/2013 - 07:16h

Os médicos cubanos e os grotões

Por Honório de Medeiros

Consta que estão vindo por aí os tais médicos cubanos para trabalhar nos grotões. Segundo alguns, um bom número, aliás, viriam para fazer proselitismo político para o PT, nos mesmos moldes acontecido na Venezuela enquanto parte da estratégia de Chávez para se perpetuar no Poder.

O PT e o Governo negam, claro.

Só o tempo dirá quem tem razão.

Se o projeto do PT é, realmente, utilizar os médicos cubanos para fazer proselitismo político nos grotões, sejam esses rurais ou urbanos, sejam nas grandes ou pequenas cidades, eu, particularmente, não acredito que seja bem sucedido. Esses grotões, eu os conheço bem. Meus pais são de lá. Meu pai nascido em São João do Sabugi, minha mãe em Pau dos Ferros.

Alguns anos atrás coordenei uma campanha para Governador no Alto Oeste, a de Geraldo Melo, e duas para Prefeito de Pau dos Ferros. E perdi as contas das campanhas das quais participei em Natal, indo aos seus grotões, lidando com seus eleitores e líderes.

Pois bem, há dois obstáculos, e grandes, a serem destruídos ou contornados, para que esse projeto de proselitismo, se é que ele existe, possa ser bem sucedido. O primeiro é quanto à infraestrutura para o atendimento do povo que será consultado pelos cubanos.

Hoje não existem remédios, exames laboratoriais, seringas, gazes, algodão, fio cirúrgico, luvas, e fico por aqui que é até onde sei, nos grandes hospitais, quanto mais nos postos de saúde, pequenos hospitais, casas de saúde, maternidades, espalhados por esse Brasil afora e adentro. O cubano vai examinar, depois receitar ou encaminhar, ou os dois, e então? O que se segue?

Das duas uma: o paciente procura a liderança a quem é vinculado, seja vereador, seja líder comunitário, seja Prefeito, seja qual liderança seja, e há de se repetir o mesmo processo que acontece no Brasil desde os tempos coloniais, qual seja a liderança condicionar a liberação do pedido à votação em seus candidatos, ou o paciente busca resolver seu problema gastando do próprio bolso.

Nesta hipótese do paciente bancar suas despesas do próprio bolso duvido muito que ele vincule seu voto a qualquer liderança da qual não depende.

E o segundo obstáculo diz respeito a como a “política” é concretamente realizada no Brasil, hoje, em seus grotões. Em uma ponta está o eleitor fragilizado economicamente; na outra, aquele do qual depende para a solução dos seus problemas de saúde, que é a liderança local, base de uma estrutura que se estende até o topo, e que detém, em suas mãos, a possibilidade de lhe conseguir ambulância, caixão-de-defunto, remédio, internação, exames, cirurgias, e assim por diante.

Esse eleitor vota em quem sua liderança pedir, digamos assim, eufemisticamente. E essa liderança segue, visceralmente, o Prefeito, nas pequenas cidades, ou o Vereador/Deputado, nas grandes.

E os Prefeitos e Vereadores/Deputados não necessariamente acompanham o PT. Nem permitirão, em qualquer momento, que haja proselitismo político, em suas bases, contrário aos seus interesses político-partidários.

E lá vem a consequência: os tais cubanos serão monitorados dia-a-dia, hora-a-hora pelas lideranças que são a base do “edifício” político-partidário brasileiro nos grotões. Se não se adequarem, adeus!

Tudo vai dar errado para eles, literalmente tudo… É uma questão de sobrevivência.

Sei como acontece. Vi acontecer. Portanto…

No mais é somente dizer o que até as pedras sabem: o SUS é uma farsa. E onde é seu elo mais frágil? Nos grotões.

Se o SUS funcionasse como planejado, não haveria esse encurralamento do eleitor mais frágil. Ele não dependeria do seu “coronel”. É por essa razão que os municípios dos grotões não acabam, nunca, com a “ambulancioterapia”. É simples assim.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 18/08/2013 - 07:41h

Falar mal dos políticos… essa conduta universal

Por Honório de Medeiros

Flanando pela Europa, mais precisamente no Leste Europeu, em abril deste, fiz uma anotação na minha agenda que tomo a liberdade de repassar para vocês:

“Todos os guias que contratamos nesta viagem, e foram quatro, falaram mal dos políticos de seus países. Será um fenômeno universal?

Às vezes tenho a sensação de que algo está para acontecer, ou seja, o desprezo, a impaciência, do povão vai se transformar em revolta – mesmo no Brasil, covarde, atoleimado – e muita desgraça acontecerá.

Nossa guia tcheca, quando lhe perguntei acerca do seu novo Presidente, respondeu: “vocês conhecem o modelo: é ignorante, demagogo e beberrão”.

Eu quis esboçar um protesto, mas deixei para lá em homenagem ao filho que ela teve com um nordestino.

A guia austríaca apontou-nos um belo prédio e comentou: “esta é a Casa do Absurdo, mais conhecida como Parlamento”.

O guia português, extremamente formal – usava o vós majestático de quando em vez – era mais sutil, mas desceu a peia verbal nos governos europeus, generalizando.

E a guia húngara, uma bela balzaquiana de pele de criança, loura, nariz afiladíssimo, olhos azuis, azuis, nos apontou a sede permanente do Circo Húngaro e nos apresentou a sua vertente irônica: “este é o segundo maior circo do País.”

“Qual é o primeiro”, perguntei. “O Parlamento”, respondeu.

Percebam que aqui as instituições funcionam, mesmo assim há essa irritação, esse desprezo, achaque constante em relação aos políticos. E esses sentimentos existem no Brasil, agravados pelo absoluto descompasso entre nossa elite dirigente, a se comportar como predador esfaimado ante o patrimônio público, e o resto do povo.

Desprezo, essa é a palavra chave. Irritação é o sentimento que está surgindo, lento, firme e constante.

Tomara que toda essa carga negativa não se transforme em ódio, mas é difícil acreditar que tanto descaso possa durar para sempre, mesmo em ditaduras…”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 11/08/2013 - 08:45h

Quanto à transição da democracia para a tirania (ditadura)

Por Honório de Medeiros

Em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos” (v. 1; Itatiaia/Edusp; São Paulo; 1974), Sir Karl Popper expõe:

“A transição da democracia para a tirania, diz Platão, é mais facilmente produzida por um líder popular que saiba como explorar o antagonismo de classe entre ricos e pobres dentro do estado democrático e que consiga organizar um corpo de guarda ou um exército privado seu.”

E continua: “O povo, que o saudou a princípio como o campeão da liberdade, é logo escravizado; e a seguir deve lutar por ele, ‘em uma guerra após outra, que ele provocará (…) porque precisa fazer o povo sentir a necessidade de um general’.”

Remata, por fim:

– Com a tirania chega-se ao estado mais abjeto.

O texto em vermelho, traduzido e transcrito por Popper é de Platão, que viveu na época mais conturbada da história política de Atenas, e, inclusive, era ligado por laços familiares à aristocracia da cidade-estado.

Convido os leitores a substituir, no segundo parágrafo, os termos “guerra” e “general” por “guerra psicológica” e “líder”, estes mais adequados às circunstâncias atuais.

E assim surgem os conceitos, inclusive publicitários, de “guerra permanente” e “inimigo imaginário”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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  • Repet
domingo - 04/08/2013 - 11:00h

O que impressiona na crise do RN

Por Honório de Medeiros

O que impressiona, nessa crise no Estado do Rio Grande do Norte, é:

(1) o isolamento do Poder Executivo Estadual face aos outros poderes e à Sociedade;

(2) a incapacidade de previsão do Poder Executivo em relação à queda de arrecadação, claramente delineada anteriormente pela crise econômica mundial e nacional;

(3) a falta de critérios do Poder Executivo quando corta gratificações de servidores públicos, mas não corta secretarias desnecessárias e cargos em comissão irrelevantes;

(4) o deliberado alheamento dos outros poderes, incluindo Tribunal de Contas e Ministério Público, em perceber que o corte linear tem que atingi-los, pois sua necessidade é óbvia, contingencial e se impõe a todos, não somente ao Executivo, principalmente porque eles são co-responsáveis pelo quadro atual;

(5) a ausência de medidas por parte dos órgãos responsáveis no sentido de punir as ilegalidades cometidas pelas autoridades que permitiram a atual circunstância de natureza econômico-financeira;

(6) a impossibilidade, gritante, até agora, dos líderes do Estado, em perceberem que a situação afeta todos, indistintamente, embora de forma mais dura, à população mais humilde.

As elites políticas do Estado não perceberam, até agora, que o problema não é somente financeiro. É político, econômico e financeiro. O atraso no pagamento da folha de pessoal repercute diretamente em um contingente expressivo da população do Estado.

Se para cada servidor atribuirmos cinco outras pessoas que indiretamente sobrevivam de sua remuneração teremos, no Rio Grande do Norte, aproximadamente 700.000 em um total de um pouco mais de 3.000.000 de habitantes.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 16/06/2013 - 12:32h

O Ministério Público deve resistir a leis iníquas?

Por Honório de Medeiros

Consta que indagado pelo repórter Dinarte Assunção, do Novo Jornal (edição de 14 de junho de 2013), acerca do pagamento da remuneração indireta denominada “Auxílio-Moradia” ao Ministério Público potiguar, seu futuro Presidente e beneficiário respondeu que não podia analisar o assunto à luz de suas convicções pessoais:

“Não posso. Não posso fazer uma interpretação eu sozinho. Nenhum gestor pode estar fazendo juízo de valor só dele. (O entendimento) É pela responsabilidade que a gente tem com o órgão. Como gestor, devo estar atrelado à legislação. Eu tenho que ter como parâmetro a jurisprudência oficial. Não posso trazer meus valores. Não posso trazer meus valores pessoais.”

Como diria um grande amigo meu chegado ao português de antanho, quedei perplexo.

Então quer dizer que quando o promotor escolhe entre uma jurisprudência e outra, uma lei e outra, uma doutrina e outra, não o faz a partir de alguma convicção pessoal? Se assim o é, como o faz?

Ao dizer o que disse, o promotor quer que nós creiamos que não é a pessoa dele quem toma essas decisões enquanto Presidente de uma instituição. A pessoa dele fica em casa, um cidadão como outro qualquer, com suas convicções pessoais, enquanto quando vestido com as insígnias do cargo está um órgão a quem é dado a condição de encontrar a Verdade-Em-Si-Mesma contida nas normas jurídicas e nas jurisprudências, normas jurídicas e jurisprudências essas concebidas por outros órgãos semelhantes a ele, capazes de perceber algo que somente tais órgãos veem, uma extraordinária manifestação de inteligência diferenciada, e que o vulgo não consegue.

Menos a verdade, caro promotor. Desde Kant, pelo menos, que a coisa não é assim.

Fuja dessa maldita armadilha platônica de acreditar que há verdades morais fora de nós. Não há fundamento nessa retórica dicotomia entre homem x órgão. Não há como deixar o cidadão em casa.

Em qualquer decisão que o órgão, o promotor tome, o cidadão, por menos que se queira, estará presente. Essa argumentação desenvolvida por aquele a quem a Constituição Federal atribuiu o papel de defensor da Sociedade é recorrente entre os burocratas que querem se furtar ao pesado ônus de decidir se algo é justo ou não, legítimo ou não, quando analisam a norma jurídica e o resultado da análise incomoda porque incomoda o cidadão que é a essência do burocrata.

Incomodado, o burocrata se esconde por trás do discurso técnico, aparentemente neutro, escondendo o cidadão.

Trata-se de uma transferência de responsabilidade, de um escudo retórico: não faço porque queira; faço porque assim determina a lei.

Ora, na lei, na Constituição Federal, principalmente nos princípios, há possibilidades de interpretação que viabilizem qualquer juízo de valor. Tais princípios são extremamente difusos, confusos mesmo, sem consistência pragmática, aptos a suportar qualquer veleidade comportamental humana.

É o caso, por exemplo, do Princípio da Moralidade.

Portanto é muito frágil essa linha de raciocínio usada pelo futuro Presidente do Ministério Público Estadual.

Quanto ao mais, para evitar-se uma solução radical que possa prejudicar a imagem do órgão, haja vista a natureza impositiva da lei que obriga o recebimento do auxílio-moradia, mas pode ferir as convicções pessoais dos cidadãos que são promotores, sugiro uma solução salomônica: os promotores obedecem à decisão da lei, instituem o pagamento, mas doam essa diferença remuneratória iníqua às instituições de caridade.

Assim estaria resolvido o impasse moral e os promotores poderiam, sem hesitar, trazerem suas convicções pessoais de casa e leva-las até o Ministério Público.

Por fim, em homenagem a todos que lutaram contra leis iníquas, recusando-se a cumpri-las, lembro aqui os jovens americanos que resistiram à convocação para lutar no Vietnã, mesmo sabendo que seriam presos por tal. E lembro, também, todos os promotores, juízes, policiais, servidores públicos, enfim, que, em algum momento de sua vida, ousaram resistir a alguma lei iníqua.

Resista promotor!

Assuma suas convicções pessoais!

Ah! Uma última questão para quem ler esse artigo: uma lei é iníqua quando você necessita de arroubos retóricos, contorcionismos verbais, excessiva e empolada linguagem técnica para justificar sua existência.

Recomendo a todos quanto quiserem aquilatar a iniquidade desse auxílio-moradia lerem o texto “ENGENHARIA JURÍDICA”, do jornalista Aluísio Lacerda (AQUI).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 02/06/2013 - 10:13h

Lira Neto diz como entender Getúlio Vargas

Por Honório de Medeiros

Como entender o camaleônico Getúlio Vargas?

Getúlio no traço de Nassara

No volume 1 do excepcional “GETÚLIO” (1882-1930), de Lira Neto, parece estar a resposta.

Borges de Medeiros, que andara às rusgas em relação aos Vargas, voltara a cortejá-los. São os idos de 1913-1915.

Faz o convite a Getúlio para ocupar o importantíssimo, na época, cargo que ele mesmo ocupara, de Chefe da Polícia Estadual. Getúlio analisa e recusa o convite.

“Mesmo rejeitando o convite”, conta-nos Lira Neto, (Getúlio) “tomou os cuidados necessários para que seu gesto não fosse interpretado por Borges de Medeiros como um acinte.”

Instado, pelos amigos, a se explicar, Getúlio Vargas o fez:

“Na luta, vencer é adaptar-se, isto é, condicionando-se ao meio, apreender as forças dominantes, para dominá-lo”, esclareceria ao amigo Telmo Monteiro.”

“Para Getúlio”, prossegue Lira Neto, “aquela frase, de clara inspiração darwinista, passara a funcionar como uma espécie de mantra. Faria questão de repassá-la aos filhos, como uma fórmula explicativa da vida e do mundo.”

Vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos – vencer é adaptar-se, repetiria certo dia Getúlio ao filho mais velho, Lutero. Como o garoto ficasse em dúvida a respeito do verdadeiro significado da sentença, o pai detalharia: Adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação; adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar.”

Essa informação, essencial para entender Getúlio Vargas, Lira Neto colheu em seu “DIÁRIOS” (2 volumes; São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 1995), e soube compreender sua importância.

Quanto à importância, muito embora essa informação, por si somente, a assegure, convém observar que dada sua relação com o pensamento de Lamarck, não propriamente com o de Darwin, pode ensejar rios de tinta enquanto dissertações de mestrado e/ou teses de doutoramento.

Principalmente se a cotejarmos com as consequências epifenomênicas teórico políticas da existência de uma lei da evolução, qual seja o pensamento de Maquiavel ou de Gaetano Mosca, ou se cotejarmos com a vida de notórios manipuladores e sobreviventes de sua própria época política, por exemplo Talleyrand ou Fouché.

O certo é que Lira Neto, de forma brilhante, apreendeu a medula do aparentemente proteiforme Getúlio Vargas e a expôs no primeiro volume de sua biografia, uma obra já seminal. Nesse pequeno trecho lemos, oculto por uma vida intensa, complexa, onipresente ainda hoje, como pensava e agia o mais importante político brasileiro do século XX.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 26/05/2013 - 08:07h

Cascudo sempre!

Por Honório de Medeiros

Mais uma vez releio “Na Ronda do Tempo”, do mestre Cascudo. E mais uma vez me deixo encantar, fico seduzido pelo seu talento de escritor.

Gosto de ler esses seus livros memorialísticos, tal qual “Ontem” e “Pequeno Manual do Doente Aprendiz”, assim como suas crônicas e perfis, lentamente, saboreando as palavras, a construção das frases, o bordado do texto que se delineia ante nossos olhos para o deleite da razão e nos vai conduzindo com suavidade até seu desfecho, quando, ávidos, passamos adiante em busca da continuidade desse momento ímpar que somente é conhecido por quem se entregou, desde há muito, de corpo e alma, ao prazer da leitura.

Cascudo é inquestionável quanto ao conjunto da obra. Denso, complexo, eterno, se tivesse nascido na Europa ou nos Estados Unidos seria cultuado.

Neste “Brasil” que segundo suas próprias palavras em “Na Ronda do Tempo”, “regiamente recompensa aqueles que não servem e se servem dele, condescendendo em ser vaca de leite para malandros escorregadios, atingindo todas as alturas, rastejando e babando”, seu merecimento, o respeito que se tem por sua produção, é episódico e fragmentado.

Resiste bravamente pelo denodo de alguns enquanto ele, Cascudo, o pensador, o polímata, em sua própria Região, o Nordeste, se transformou em personagem folclórico. “Vá ler em Cascudo, ignorante”, dizem.

Ironia do destino… Já em 1969, no “Ronda do Tempo”, fino observador do que se lhe passa em seu entorno, e à Montaigne, um dos seus prazeres literários sempre renovados, observa:

“Para mim, compra-se infinitamente maior quantidade de livros, mas a leitura é muito inferior e rara.”

E continua, cáustico:

“Desapareceram aqueles embaixadores da Cultura Axilar, na classificação de Agripino Grieco, passeando com o volume debaixo do braço. Deduzo esse resultado no contato de amigos e audição de palestras intelectuais sobre autores. Dá-me a impressão de viagem aérea. Não há pormenor, figuras, episódios, boiando na memória. Há visão de conjunto, síntese, resumos impressionistas, marchas, flashes. A opinião virou parecer técnico. A maior massa adquiriu para ter o volume que a voga apregoou e é um decesso ignorá-lo, como a um recanto pitoresco ou Night Club consagrado pelos cronistas da Vanity Fair. As alusões e conclusões ao autor são sempre vagas e genéricas. E essa minoria que lê pertence aos concorrentes reais ou em potencial. Já não existe aquela memória fiel às preferências literárias, recitando trechos e lembrando frases felizes. O restante olha sem ver. Muito Best-seller dormindo nas cestas dos “saldos”.”

Impressionante.

O olhar do sábio reconstrói, no presente, com a messe do passado, aquilo que será o futuro. A simplicidade com a qual escreve é algo invejável, quiçá inatingível.

Com uma frase expõe um espaço significativo da realidade. E o faz rendendo homenagens, sempre, à beleza do estilo, como nessa frase, colhida do seu livro já citado, por meio da qual critica a excessiva produção líterária daquele tempo (imaginemos o que diria hoje!):

“Passeio furtivo pelas livrarias. Montanhas de livros. Dá-me o remorso de ser cúmplice.”

O quê mais poderia ambicionar um leitor contumaz ao ler um livro, a não ser se deparar com uma frase como essa?

Cascudo sempre!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN.

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domingo - 12/05/2013 - 09:45h

A construção histórica da figura do cangaceiro

Por Honório de Medeiros

Dia 15 de junho estarei em Sousa, Paraíba, participando de uma Mesa-Redonda (que não será mesa, tampouco redonda) acerca do seguinte tema: “Homem, terra, religiosidade, sertão e cangaço: a construção histórica da figura do cangaceiro.”

O evento começará às 14h20m e acontecerá no Centro Cultural do Banco do Nordeste.

Os outros debatedores serão Lemuel Rodrigues e Múcio Procópio, enquanto a coordenação caberá a César Nóbrega.

Quanto ao tema, penso que a construção histórica da figura do cangaceiro, a partir do homem, da terra, da religiosidade, do Sertão e do cangaço, passa por um obstáculo de natureza metodológica sempre tangenciada pelos pesquisadores que se debruçam sobre o tema: como utilizar o método científico para construir e criticar as hipóteses possíveis acerca do objeto a ser conhecido, do ponto de vista prático.

Esse obstáculo é um dos fatores preponderantes para não termos superado, ainda, com raras e honrosas exceções, no universo da produção literária acerca do cangaço, a narrativa. Como ainda não houve essa superação, a literatura acerca do cangaço ainda não tomou expressivamente o rumo da interpretação e contribui, de forma significativa, para sua folclorização, no sentido negativo do termo, e, também, para um certo “olhar de esguelha” que lhe é dirigido pela Academia.

Obviamente cada interpretação é sempre uma proposta que se alicerça no raciocínio dedutivo.

Isso pressupõe uma base de conhecimento, de caráter ingênuo ou crítico, que antecede a construção da hipótese a ser construída ou investigada.

Entretanto é possível trabalhar, como ponto-de-partida, com o postulado básico de quê podemos não conseguir dizer o que algo é; mas com certeza podemos dizer o que esse algo não é, evitando as areias movediças das discussões bizantinas de caráter epistemológico.

Honório de Medeiros é advogado, professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado do RN

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domingo - 07/04/2013 - 06:56h

Impressões sobre o Velho Mundo

Por Honório de Medeiros

Todos os guias que contratamos nesta viagem, e foram quatro, falaram mal dos políticos de seus países. Será um fenômeno universal? Às vezes tenho a sensação de que algo está para acontecer, ou seja, o desprezo, a impaciência, vai se transformar em revolta – mesmo no Brasil, covarde, atoleimado – e muita desgraça acontecerá.

Nossa guia Tcheca, quando lhe perguntei acerca do seu novo Presidente, respondeu: “vocês conhecem o modelo: é ignorante, demagogo e beberrão”.

Eu quis esboçar um protesto, mas deixei para lá em homenagem ao filho que ela teve com um nordestino.

A guia austríaca apontou-nos um belo prédio e comentou: “esta é a Casa do Absurdo, mais conhecida como Parlamento”.

O guia português, extremamente formal – usava o Vós majestático de quando em vez – era mais sutil, mas desceu a peia verbal nos governos europeus, de uma forma mais geral.

E a guia húngara, uma bela balzaquiana de pele de criança, loura, nariz afiladíssimo, olhos azuis, azuis, nos apontou a sede permanente do Circo Húngaro e nos mostrou sua vertente irônica: ” este é o segundo maior circo do País.”

– Qual é o primeiro – perguntei.

“O Parlamento”, apontou.

Perceba que aqui as instituições funcionam, mesmo assim há essa irritação, esse desprezo constante em relação aos políticos. E esses sentimentos existem no Brasil, agravados pelo absoluto descompasso entre nossa elite dirigente, a se comportar como predadores esfaimados ante o patrimônio público, e o resto do povo.

Desprezo, essa é a palavra chave. Irritação, é o sentimento que está surgindo, lento, firme e constante.

Tomara que toda essa carga negativa não se transforme em ódio, mas é difícil acreditar que tanto descaso possa durar para sempre, mesmo em ditaduras…

……

Eva Ruth (1939-1944)

Chorei por você, Eva Ruth, em frente ao mármore que continha seu nome, e que chamou meu olhar, dentre mais de oitenta mil outros, naquela manhã fria, em Praga, no monumento que os homens ergueram, ao lado da Sinagoga da cidade, para homenagear as vítimas judias tchecas do horror nazista.

Que alegrias você teve, ao longo de sua curta vida, me perguntei naquele momento, ao longo dos cinco anos e pouco que lhe permitiram viver? Que sorrisos, brincadeiras, carinhos, lhe prepararam para a tortura que viria? Que sonhos, canções, alegrias, confortaram seus dias finais, quando a noite chegava e o horror, por instantes, era esquecido? Ou somente pesadelos envolviam seus famintos e esquálidos braços infantis?

Nunca saberei.

Mas chorei por você, em Praga, Eva Ruth, nascida em 18 de março de 1939 e morta em 9 de outubro de 1944, ao me perguntar se seu corpo frágil sucumbira às doenças ou à câmara de gaz. Se sucumbiu às doenças, Eva Ruth, em nada sua morte difere de tantas e tantas outras que acontecem diariamente no Brasil, na África, no mundo.

Acredite, Eva Ruth, os governos dos homens continuam a trocar a vida das crianças, dos idosos, dos excluídos, por propaganda na qual se vangloriam do que não fizeram, do que fizeram mal, do que não pretendem fazer; por obras desnecessárias; por fausto e privilégios…

Chorei por você em Praga, Eva Ruth, ao me lembrar do sentimento de impotência que muitos de nós guardamos por não conseguirmos mudar a natureza das coisas. Tentamos tudo, alguns de nós, ao longo do tempo, até mesmo nos aviltamos nas tentativas, convivendo com quem está imerso no mal, tentamos desde revoluções à pura inércia, e não conseguimos alterar o horror lento ao qual estamos condenados por nossa condição humana.

E rezei. Pedi a um Deus distante, mas onipresente, segundo me dizem aqueles a quem respeito, que mitigasse meu ódio, minha angústia, minha perplexidade ante os meus semelhantes, os mesmos que lhe ceifaram a vida simplesmente por acharem que não havia espaço no mundo para você e os seus, os meus, e os nossos; os mesmos que hoje ceifam a vida de tantos…

Depois que contemplei longamente seu nome dentre todos aqueles outros, depois que lhe homenageei com minhas lágrimas e orações, subi até onde os desenhos das crianças mortas nos campos de concentração estavam expostos, e pensei que um deles poderia ser seu. Talvez aquele no qual um homem postado lateralmente a algumas crianças ajoelhadas porta um chicote enquanto uma pistola, vermelha, na cintura, se destaca do seu uniforme negro.

O olhar do homem olha o infinito. E se distancia da dor que causa.

O olhar das crianças olha esse olhar e teme, e aguarda, e sofre. É a banalidade do mal, não é, Hanna Arendt?

Assim foi aquele, dia, no qual encontrei o nome de Eva Ruth no panteão aos mortos judeus tchecos em Praga. Eva Ruth, claro, existiu, e para mim é um símbolo. Ela revive todas as vezes que uma criança morre graças à incúria dos homens. Aquele desenho pode não ter sido seu. E como, de fato, ela morreu, não sei.

Nunca saberei.

Mas não importa. Eva Ruth vive em cada criança que nós abandonamos  a sua própria sorte, ou azar, mundo adentro, mundo afora…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado

* Os dois textos acima fazem parte de crônicas do autor, que está em viagem á Europa, passando-nos suas impressões sobre o “Velho Mundo”

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domingo - 31/03/2013 - 09:56h

Viva Portugal!!

Por Honório de Medeiros

Já estive em Portugal, antes, por pouco tempo. Desta vez, entretanto, a demora está sendo longa. E aprofundada, horizontalmente, pois estou flanando também no seu interior, e verticalmente, pois puxo conversa onde chego, desde o taxista ao garçom, passando por balconistas de lojas, vendedores de jornais e revistas, e quem danado, segundo meus padrões, represente o povão.

A conclusão é simples, mas dolorosa, porque resulta, sempre, de uma comparação com o Brasil.

Para começo de assunto Portugal é lindo, sua história é muito interessante, e, ao contrário do que se supõe, o povo é educado e a nova geração muito bonita e bem cuidada. E alegre, nada melancólica.

E tudo funciona, aqui, bem, muito bem, se comparado com o Brasil: educação, saúde, segurança e infra-estrutura.

As cidades são limpas, sem mendigos, pastoradores de carro ou lavadores de parabrisas; o asfalto das ruas e das estradas é de primeira qualidade; os ônibus são novos e disciplinados; o trânsito flui normalmente e sem estresse.

Como viajamos de carro pelo interior, pude perceber a limpeza das laterais das estradas, das cidades e dos lugares onde se para para uma visita ao tualete. A sinalização é perfeita.

Quanto à segurança, o contraste também salta aos olhos: as pessoas andam pelas ruas, à noite, despreocupadas.

Esqueci de falar do metrô: em termos de limpeza e regularidade, supera em muito o de Paris.

Há senões? Claro que há!

Como ainda volto, e por um período maior, a Portugal, escreverei algo acerca disso um pouco mais adiante.

Enquanto não, quero confessar: ando muito surpreendido, e agradavelmente, com as terras lusitanas…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 24/03/2013 - 13:13h

Vou ali bater perna…

Por Honório de Medeiros

A partir de amanhã entro de férias. E vou bater perna na Europa velha de guerra, enquanto posso. Flanar.

Viver a rotina dos cafés, das livrarias, das feiras ao ar livre, das igrejas – como eu gosto delas, e quanto mais antigas, melhor! – dos sebos, dos antiquários.

Nada que eu não faça aqui mesmo em Natal, Mossoró, Martins, Pau dos Ferros, São Paulo, os chãos que eu sempre piso, os lugares nos quais eu sempre ando, na condição de vivente curioso acerca da faina humana e supostamente um pouco acima do analfabetismo  institucional que galopa Brasil adentro mais rapidamente que a Moça Caetana no seu mister de povoar o céu, o purgatório e o inferno.

Esqueci Cabaceiras, na Paraíba, no Pai Mateus, Sertãozão de Meu Deus, pedras e mais pedras, rochas e mais rochas, terra, mato rasteiro, céu de um azul sem igual, noites estreladas de tirar o fôlego, e emas, seriemas, veados, gato-do-mato, mocós, arapongas, jacus, toda a fauna do Sertão que a fome e descuido dos homens praticamente extinguiu, o linguajar arrastado contando “causos”, o chiste permanente, o cavaqueado dos meus irmãos paraibanos no centro do seu, do nosso Paraíso sertanejo.

Pois bem, mas na República Tcheca só me programei para fazer duas coisas: procurar a casa onde nasceu Hans Kelsen, o mais original e profundo dos filósofos do Direito, se é que ela ainda existe, e visitar o Cemitério Judeu. Nada mais.

O resto é andar, perambular, deambular, flanar, pensar no sentido da vida, na origem das coisas, enquanto o tempo passa, pastorar o espírito de Vaclav Havel, com quem gostaria de trocar dois dedos de prosa, e assim por diante.

De lá, Hungria, onde vou segurar a vontade de fazer carreira até a Romênia para visitar o Castelo de Vlad Drakul, o Conde Drácula. Segurada a vontade, a goles de Tokay, pretendo vadiar pelo Danúbio, o quanto puder, escutando os magiares falando seu idioma incompreensível, olhar atento à possibilidade de encontrar uma cigana que leia a minha mão e me diga, em inglês macarrônico igual ao meu, que eu vou ser feliz, ter muita saúde, e morrer bem velhinho, imensamente rico.

Então Viena.

Em Viena, os cafés, para mim, o Castelo de Sissi para minha amada. Eu vou a Sissi, claro, com ela; e, ela, claro, vem aos cafés comigo, e vamos celebrar a vida, e nos deleitarmos com a beleza da capital austríaca, e eu vou lhe contar acerca do surgimento do Positivismo Lógico naquela Viena do começo do Século XX que viveu seu apogeu intelectual antes que os nazistas chegassem.

Quem me conhece sabe que procurarei, de todas as formas possíveis, os rastros de Karl Popper, o maior filósofo do século XX, um dos maiores de todos os tempos, seja na política, com sua análise de Platão, Hegel e Marx, seja na ciência com sua epistemologia, construída a partir da teoria da seleção natural.

Filósofo, músico, matemático, lógico, epistemólogo, Popper foi, com certeza, o último dos polímatas.

Depois Portugal. Ah, Portugal!

Bom, agora vou pedir licença para somente falar em Portugal um pouco mais à frene, se e quando os excelentes vinhos do Douro me permitirem. Mas lá vou à procura de Eça de Queirós, paixão antiga.

E, como não poderia deixar de ser, pretendo mergulhar fundo no Sertão de Portugal. Ou Certão, como se dizia em Português arcaico…

Até mais ver.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN * Texto originalmente postado pelo autor no último dia 18 de março (segunda-feira)

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domingo - 10/03/2013 - 00:49h

Do sacrifício financeiro de gerações futuras

Por Honório de Medeiros

Recordo Zygmunt Bauman (“Isto Não É Um Diário”; Zahar) citando José Saramago enquanto contorno o canteiro de obras no qual é erguida a Arena das Dunas em Natal, esse monumento ao desperdício de dinheiro público e segregação social:

(…) as pessoas não escolhem um governo que colocará o mercado sob controle; em vez disso o mercado condiciona os governos de todas as formas a colocar as pessoas sob seu controle.

É o caso.

Em nossa alienação, a informação que o site //www.copaemnatal.com.br/oprojeto nos fornece, qual seja, a de que entre a construção do estádio e das obras acessórias ao complexo, o Governo confirma gastos de mais de R$ 2 bilhões, confirmada por intermédio da excelente reportagem de Anna Ruth Dantas para o jornal Tribuna do Norte (//tribunadonorte.com.br/noticia/governo-vai-pagar-mais-de-r-1-bilhao-pela-arena/175668) nos soa banal, face ao onipresente cansaço de nossa capacidade de se indignar ante a gastança governamental ilegítima, ampla e continuada, e até mesmo necessária, tendo em vista a maciça e reiterada propaganda, por nós financiada, que busca nos convencer da necessidade do investimento aludido.

No próprio e primeiro site acima citado, trecho da matéria que ele veicula tem o seguinte título: Copa impulsiona economia potiguar. E a matéria prossegue: (…) Segmentos de comércio, turismo, imobiliário e de serviços terão ganhos na geração de empregos e renda. A economia do Rio Grande do Norte será remodelada nos próximos cinco anos. (…) O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomércio), Marcelo Queiroz, também acredita no desenvolvimento de Natal e destaca melhorias no comércio. “Os investimentos serão feitos em todas as áreas para os natalenses e para os milhares de turistas que virão conhecer o Estado”.

“A visibilidade de Natal para todo o mundo, criada com o evento, só proporciona ganhos na economia”, lembra o presidente da Fecomercio.

A criação de novos empreendimentos e as melhorias nas obras de infraestrutura irão gerar mais empregos e renda, alterando o perfil econômico do Estado. Assim é que apenas um muxoxo contrai nosso rosto quando lemos o que Ana Ruth Dantas esclarece:

O Governo do Estado pagará pela Arena das Dunas, que sediará os jogos da Copa do Mundo de 2014 em Natal, mais de R$ 1 bilhão. Embora o valor da obra seja de R$ 400 milhões, bancados pela construtora OAS através de recursos próprios e empréstimo junto ao BNDES, o desembolso dos cofres públicos potiguares para a empresa vai representar, ao término do contrato de 20 anos de concessão, o equivalente a três Arenas.

A engenharia financeira feita pelo Executivo para a construção da Arena das Dunas prevê repasses mensais durante 17 anos para a construtora. Esses repasses não terão qualquer ligação e/ou compensações com a possível receita auferida pela OAS da administração compartilhada do estádio. Os primeiros três anos, quando o estádio estará sendo construído, é o chamado “período de carência” do contrato Governo/OAS.

A construtora é quem vai contrair o empréstimo de R$ 300 milhões oferecidos pelo BNDES e investir outros R$ 100 milhões, de recursos próprios, cobrindo o custo da obra. A partir do primeiro ano de operação do estádio, ou seja, em 2014, o Governo começará a pagar os R$ 400 milhões a OAS. Nos primeiros 11 anos de funcionamento do estádio serão prestações mensais de R$ 9 milhões.

Do décimo segundo ano até o décimo quarto ano, serão R$ 2,7 milhões/mês de prestação. Nos três últimos anos do contrato de financiamento, o Governo pagará à OAS prestações mensais de R$ 90 mil.

Ao final do contrato de 20 anos, incluindo os três de carência, o Governo do Rio Grande do Norte terá desembolsado R$ 1.288.400.000, ou seja, o equivalente a três Arenas das Dunas.

Não vou nem argumentar em defesa do emprego dessa colossal montanha de dinheiro em programas sociais na área de saúde, educação e segurança pública. Não vou mencionar o sucateamento da saúde estadual. Esse discurso está entediante.

Vou argumentar em defesa do uso dessa montanha de dinheiro em uma infraestrutura que permitisse o avanço do turismo. Seria o caso de cuidar do nosso fantástico litoral, totalmente abandonado, bastando nos dirigirmos a Ponta Negra ou à Praia do Meio para comprovarmos essa situação.

Seria o caso de interiorizar o turismo. Seria o caso de tantas outras idéias com retorno garantido…

As gerações futuras estão condenadas ao pagamento de um empréstimo ilegítimo em todos os seus aspectos. Não lhes sobra alternativa, vez que nós, o presente, não reagimos quando e como deveríamos.

Por esse empréstimo, um segmento muito específico da Sociedade amealha riqueza arrancada de todos quantos estando na outra ponta do processo, seja em Natal, seja no interior, estão excluídos da possibilidade de serem beneficiados com esses recursos.

E por que esse empréstimo é ilegiítimo? É ilegítimo porque não beneficia, por exemplo, os favelados de Natal.

Com uma população de 803.739 mil habitantes, Natal tem 10% de seus moradores vivendo em aglomerados subnormais, ou seja, favelas, invasões e loteamentos sem titulação. Segundo o Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital do Rio Grande do Norte tem 80.774 pessoas vivendo em aglomerados subnormais.

É ilegítimo porque não beneficia o interior, ou seja, segundo dados do IBGE – Censo 2010, como a população do RN é de 3.168.027 habitantes, e Natal tem 803.739 habitantes, ficam fora dos benefícios mais de dois milhões e trezentos mil habitantes. Ou alguém imagina que para a população interiorana do Rio Grande do Norte a construção da Arena das Dunas trará alguma vantagem? Ou alguém imagina que essa obra trará benefícios para os mossoroenses, caicoenses, pauferrenses, para citar alguns?

Claro que todos quantos foram movidos, encaminhados para fazerem a defesa da Arena das Dunas, seja por ignorância, seja por má-fé, hão de dizer que todo esse investimento feito há de retornar por intermédio, por exemplo, do aumento da tributação que reverterá para o social, seja em Natal, seja no interior. É a famoso “teoria do bolo econômico”, o xodó dos ricos, o argumento principal esgrimido para justificar a espoliação, dos que detêm o capital financeiro.

Por essa teoria, “aumentemos o bolo que todo mundo come”! Lamento dizer, mas essa teoria foi construída para beneficiar os ricos. Nasceu nos laboratórios do chamado “Consenso de Washington”. E não é nova.

Delfim Neto já a brandia décadas atrás quando dirigia os destinos econômico-financeiros do Brasil, sabe-se lá a serviço de quem.

Não por outra razão Branko Milanovic, principal economista do departamento de pesquisa do Banco Mundial, citado por Bauman, afirma que Na virada do século XXI, os 5% mais ricos do planeta recebem um terço do total da renda global, tanto quanto os 80% mais pobres.

Conclui Balmant:

Embora alguns países pobres estejam se emparelhando ao mundo rico, as diferenças entre os indivíduos mais ricos e mais pobres são enormes e tendem a crescer.

E o que é pior, especificamente, é que os ricos estão mais ricos pegando nosso dinheiro a preço vil, oferecido pelo Estado, captado diretamente, e o maior atingido é a classe média, vítima indefesa da tributação (os ricos transferem o ônus para os pobres), ou captado obliquamente, na base da sociedade, quando esta paga tributo indireto ao comprar bens de primeira necessidade, como uma caixa de fósforos, e o recebendo de volta gordo e lustroso.

Chama-se transferência esse processo: tiram de nós e dão a eles. É isso que os governos fazem quando pegam dinheiro emprestado para financiar obras que somente beneficiam uns poucos, em detrimento de muitos. Vou dobrando o cabo da boa esperança, como dizia minha mãe se referindo aos que passam dos cinqüenta, e não vi nada mudar desde criança, no que diz respeito à distribuição da riqueza que o bom Deus houve por bem deixar na face da terra: os ricos continuam ricos, os pobres continuam pobres.

O que mudou – e como, foram os instrumentos por meio dos quais os ricos arrancam o dinheiro dos pobres. Não estranho, portanto, o que li em Bauman. Tampouco o que li do economista do Banco Mundial. Mas não vou perder as esperanças.

Meu padrinho Padre Cícero dizia, e minha santa mãe repetia, que “um dia o Sertão vai virar mar, e a roda grande entra na roda pequena”.

É aguardar…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN

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domingo - 17/02/2013 - 10:28h

Estamos condenados ao mal?

Por Honório de Medeiros

De “Um Cigano Fazendeiro do Ar”, densa biografia de Rubem Braga que devemos a Marco Antônio de Carvalho, colho um trecho da carta de João Neves a Borges de Medeiros em 20 de julho de 1932 na qual ele se refere a Getúlio Vargas, todos companheiros muito próximos na Revolução de Outubro de 1930:

“Eu preferia que o Dr. Getúlio Vargas fosse um tirano. Perdôo mais os violentos que os astutos. Mas o nosso ditador é um homem gelado, calculista, escorregadio. Não ataca, desliza. Não enfrenta, corrompe. Não congrega, divide. (…) Desbaratou o poder civil. Desmoralizou o Exército. Aniquilou o sentimento local. Amesquinhou a justiça. Instituiu o regime da delação. Oficializou a vingança contra os que o ajudaram a subir. Esqueceu os compromissos. O favoritismo é uma instituição. A negociata é a regra. Enfim, a República Nova com dois anos de idade incompletos, é mais corrupta do que foi a Velha, com mais de quarenta e um.”

Lembra quem, a vocês?

Em “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, Karl Marx, no primeiro parágrafo, expõe que a história acontece “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Assim como a terceira, a quarta, a quinta…

Do início da história do Homem até os dias de hoje, mudaram os artefatos: antes, as ferramentas de pedra; hoje, a internet. Não mudou o Homem.

Recomendo a leitura de “A Assustadora História da Maldade”, de Oliver Thomson; Prestígio editorial.

História antiga, essa da maldade. Em Thomson, lemos:

“O Egito foi unificado por Menés por volta de 3100 a.c. Talvez o primeiro herói conquistador da história (e mesmo ele era semimítico) tenha sido Horus Ro, do Egito, cujo filho era conhecido como ‘O Escorpião’, príncipe que explorou o medo em grande escala para impor sua vontade. Fundou a Iª Dinastia por volta de 3000 a.C. Em honra às suas vitórias, fez sacrifícios humanos a Ra, o deus do Sol. Seu herdeiro, Horus, supostamente matou 381 prisioneiros de guerra e arrancou a língua de 142. Esse é o primeiro registro de um imperialismo sádico e egocêntrico que reaparece de tempos em tempos nos próximos 5 mil anos.”

Antigo demais, tais fatos, para que chamem nossa atenção?

Leia novamente o último parágrafo do texto acima. E, agora, leia o texto abaixo, do talvez maior pensador da modernidade, junto com Noam Chomsky, o sociólogo Zygmunt Bauman, pinçado de “Isto Não É Um Diário”:

“As nações relutam em aprender; e, quando o fazem, é sobretudo a partir de seus erros e equívocos passados, do funeral de suas antigas fantasias. ‘Enquanto o Pentágono rebatiza a Operação Liberdade no Iraque de Operação Nova Aurora’, diz Frank Rich, citando o professor Andrew Bacevich, de Boston, ‘nome que sugere creme para a pele ou detergente líquido’, 60% dos americanos creem – agora – que a Guerra do Iraque foi um engano, mais 10% a condenam como algo que não vale a vida dos americanos, e apenas um em cada quatro acredita que essa guerra o tenha tornado mais seguro em relação ao terrorismo. O custo oficial da guerra para os americanos é hoje (no momento em que o presidente Obama pede aos americanos que ‘virem a página sobre o Iraque’) estimado em US$ 750 bilhões. Por esse dinheiro, cerca de 4.500 americanos e mais de 100 mil iraquianos foram mortos, e pelo menos 2 milhões de iraquianos foram forçados a se exilar, enquanto o Irã acelerou seu programa nuclear, e ‘Osama bin Laden e seus fanáticos’ foram liberados ‘para se reagrupar no Afeganistão e no Paquistão’”.

Estamos condenados…

Que lhes parece?

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 10/02/2013 - 12:55h

Do quê você deve desconfiar no Direito

Por Honório de Medeiros

1) O Direito não é uma ciência. Somente crê que o Direito é uma ciência quem não conhece filosofia da ciência ou defende sua cientificidade com propósitos indignos. O corolário desse postulado é que cai por terra, assim, o uso do argumento da autoridade na defesa de interpretações cabotinas.

2) O Direito não tem qualquer relação com o Justo. Como não se sabe o que é o Justo, não se pode afirmar, em qualquer circunstância, que o ordenamento jurídico é um instrumento para a obtenção da justiça.

3) O ordenamento jurídico é um instrumento do Estado, não da Sociedade. O Direito é um instrumento do Estado, não da Sociedade. Tanto o é que se volta contra a Sociedade. Quando a Sociedade dobra o Estado, como nas revoluções, o que primeiro cai é o ordenamento jurídico.

4) O ordenamento jurídico é um instrumento de opressão. Em todos os tempos e lugares o Direito é um instrumento de opressão do Estado sobre a Sociedade.

5) O Direito reflete a estrutura de poder das elites dominantes, a correlação de forças políticas existentes em um determinado momento histórico. Muito embora possa haver decisões esporádicas que contrariem o sistema político, elas dizem respeito a espasmos isolados que não comprometem sua lógica interna e externa de manifestação dos interesses das elites políticas dominantes.

6) A norma jurídica constitucional, ou os princípios constitucionais, por ser abstrata e difusa, têm seu conteúdo preenchido, na interpretação, na justa medida da correlação de força política das elites dominantes existente em determinada circunstância histórica.

7) Não há qualquer parâmetro científico que possa nortear uma interpretação de normas ou princípios jurídicos. Os parâmetros são puramente retóricos.

8) Os juízes, promotores, advogados, policias, são servidores do Estado, não da Sociedade. Então consolidam, enquanto correia de transmissão, coletivamente, a repressão estatal.

9) Muito embora o Estado emerja da Sociedade, pode se voltar contra o ambiente social – e o faz – no qual foi concebido.

10) O ensino do direito positivo, com raras e honrosas exceções, apenas ensina o uso do instrumento, sem permitir o desenvolvimento das condições críticas necessárias para dominar seu objeto quanto aos seus fundamentos e finalidades, assegurando a manutenção e reprodução do status quo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN

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domingo - 27/01/2013 - 08:45h

De quem é estranho ou intruso no jogo do poder

Por Honório de Medeiros

Poderíamos denominá-los outsiders nos lembrando do sociólogo alemão Norbert Elias cujas obras, que estudaram as relações entre Poder e Conhecimento, permaneceram marginais (à margem) até os anos 70, quando, então, se tornaram muito influentes.

Elias, autor de “O Processo Civilizatório”, reintroduziu na discussão intelectual moderna, graças a sua concepção de “redes sociais”, a importância da ação individual na história. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque aqueles que irei mencionar, mesmo tangencialmente. Não importa.

Vou me apropriar do nome e utilizá-lo para o fim visado. Claro que poderíamos denominá-los gauches, em homenagem a Carlos Drummond de Andrade:

Quando nasci,
um anjo torto desses que vivem na sombra
disse:
Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Aplicar-se-ia, aqui, o mesmo raciocínio anterior. Prefiro, portanto, outsiders a partir do significado etimológico que o Dicionário Estudantil, o Michaelis, lhe atribui: s. estranho, intruso.

Estranhos a quê, ou a quem?

À privacidade do detentor do Poder – e de sua entourage – para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua intimidade ao detentor do Poder – e à sua entourage; à bajulação; à omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, quanto às idéias e/ou ações do detentor do Poder; à conformação própria de uma oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e lembrado como alguém da “corte”; à subserviência; à aniquilação do respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passam a ser instrumentos daqueles que os mantêm.

Intrusos para o círculo íntimo do Poder embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude de sua competência técnica.

Quem é intruso não tem acesso às idéias que realmente estão impulsionando o jogo do Poder. Não compartilha as ações que dele decorrem, por mais inteligentes que seja. Não faz questão de entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam.

Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido.

O intruso incomoda, é um obstáculo tanto mais difícil porque ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na medida em que não possa ser envolvido – e usado – sem que perceba o que realmente está por trás do jogo político do qual faz parte.

Os outsiders – todos eles – em algum momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais conviveram. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não poderam ser assimiladas por aquele tipo de sistema. Não se trata de oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento do qual até então o outsider fazia parte apesar de ser outsider.

Ser outsider foi sua glória e sua tragédia. Fez com que fosse trazido para o jogo político e depois expelido.

Trazido graças a seu talento, sua competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido porque impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de se acompanhar da carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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