domingo - 11/08/2013 - 08:45h

Quanto à transição da democracia para a tirania (ditadura)

Por Honório de Medeiros

Em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos” (v. 1; Itatiaia/Edusp; São Paulo; 1974), Sir Karl Popper expõe:

“A transição da democracia para a tirania, diz Platão, é mais facilmente produzida por um líder popular que saiba como explorar o antagonismo de classe entre ricos e pobres dentro do estado democrático e que consiga organizar um corpo de guarda ou um exército privado seu.”

E continua: “O povo, que o saudou a princípio como o campeão da liberdade, é logo escravizado; e a seguir deve lutar por ele, ‘em uma guerra após outra, que ele provocará (…) porque precisa fazer o povo sentir a necessidade de um general’.”

Remata, por fim:

– Com a tirania chega-se ao estado mais abjeto.

O texto em vermelho, traduzido e transcrito por Popper é de Platão, que viveu na época mais conturbada da história política de Atenas, e, inclusive, era ligado por laços familiares à aristocracia da cidade-estado.

Convido os leitores a substituir, no segundo parágrafo, os termos “guerra” e “general” por “guerra psicológica” e “líder”, estes mais adequados às circunstâncias atuais.

E assim surgem os conceitos, inclusive publicitários, de “guerra permanente” e “inimigo imaginário”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 04/08/2013 - 11:00h

O que impressiona na crise do RN

Por Honório de Medeiros

O que impressiona, nessa crise no Estado do Rio Grande do Norte, é:

(1) o isolamento do Poder Executivo Estadual face aos outros poderes e à Sociedade;

(2) a incapacidade de previsão do Poder Executivo em relação à queda de arrecadação, claramente delineada anteriormente pela crise econômica mundial e nacional;

(3) a falta de critérios do Poder Executivo quando corta gratificações de servidores públicos, mas não corta secretarias desnecessárias e cargos em comissão irrelevantes;

(4) o deliberado alheamento dos outros poderes, incluindo Tribunal de Contas e Ministério Público, em perceber que o corte linear tem que atingi-los, pois sua necessidade é óbvia, contingencial e se impõe a todos, não somente ao Executivo, principalmente porque eles são co-responsáveis pelo quadro atual;

(5) a ausência de medidas por parte dos órgãos responsáveis no sentido de punir as ilegalidades cometidas pelas autoridades que permitiram a atual circunstância de natureza econômico-financeira;

(6) a impossibilidade, gritante, até agora, dos líderes do Estado, em perceberem que a situação afeta todos, indistintamente, embora de forma mais dura, à população mais humilde.

As elites políticas do Estado não perceberam, até agora, que o problema não é somente financeiro. É político, econômico e financeiro. O atraso no pagamento da folha de pessoal repercute diretamente em um contingente expressivo da população do Estado.

Se para cada servidor atribuirmos cinco outras pessoas que indiretamente sobrevivam de sua remuneração teremos, no Rio Grande do Norte, aproximadamente 700.000 em um total de um pouco mais de 3.000.000 de habitantes.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 16/06/2013 - 12:32h

O Ministério Público deve resistir a leis iníquas?

Por Honório de Medeiros

Consta que indagado pelo repórter Dinarte Assunção, do Novo Jornal (edição de 14 de junho de 2013), acerca do pagamento da remuneração indireta denominada “Auxílio-Moradia” ao Ministério Público potiguar, seu futuro Presidente e beneficiário respondeu que não podia analisar o assunto à luz de suas convicções pessoais:

“Não posso. Não posso fazer uma interpretação eu sozinho. Nenhum gestor pode estar fazendo juízo de valor só dele. (O entendimento) É pela responsabilidade que a gente tem com o órgão. Como gestor, devo estar atrelado à legislação. Eu tenho que ter como parâmetro a jurisprudência oficial. Não posso trazer meus valores. Não posso trazer meus valores pessoais.”

Como diria um grande amigo meu chegado ao português de antanho, quedei perplexo.

Então quer dizer que quando o promotor escolhe entre uma jurisprudência e outra, uma lei e outra, uma doutrina e outra, não o faz a partir de alguma convicção pessoal? Se assim o é, como o faz?

Ao dizer o que disse, o promotor quer que nós creiamos que não é a pessoa dele quem toma essas decisões enquanto Presidente de uma instituição. A pessoa dele fica em casa, um cidadão como outro qualquer, com suas convicções pessoais, enquanto quando vestido com as insígnias do cargo está um órgão a quem é dado a condição de encontrar a Verdade-Em-Si-Mesma contida nas normas jurídicas e nas jurisprudências, normas jurídicas e jurisprudências essas concebidas por outros órgãos semelhantes a ele, capazes de perceber algo que somente tais órgãos veem, uma extraordinária manifestação de inteligência diferenciada, e que o vulgo não consegue.

Menos a verdade, caro promotor. Desde Kant, pelo menos, que a coisa não é assim.

Fuja dessa maldita armadilha platônica de acreditar que há verdades morais fora de nós. Não há fundamento nessa retórica dicotomia entre homem x órgão. Não há como deixar o cidadão em casa.

Em qualquer decisão que o órgão, o promotor tome, o cidadão, por menos que se queira, estará presente. Essa argumentação desenvolvida por aquele a quem a Constituição Federal atribuiu o papel de defensor da Sociedade é recorrente entre os burocratas que querem se furtar ao pesado ônus de decidir se algo é justo ou não, legítimo ou não, quando analisam a norma jurídica e o resultado da análise incomoda porque incomoda o cidadão que é a essência do burocrata.

Incomodado, o burocrata se esconde por trás do discurso técnico, aparentemente neutro, escondendo o cidadão.

Trata-se de uma transferência de responsabilidade, de um escudo retórico: não faço porque queira; faço porque assim determina a lei.

Ora, na lei, na Constituição Federal, principalmente nos princípios, há possibilidades de interpretação que viabilizem qualquer juízo de valor. Tais princípios são extremamente difusos, confusos mesmo, sem consistência pragmática, aptos a suportar qualquer veleidade comportamental humana.

É o caso, por exemplo, do Princípio da Moralidade.

Portanto é muito frágil essa linha de raciocínio usada pelo futuro Presidente do Ministério Público Estadual.

Quanto ao mais, para evitar-se uma solução radical que possa prejudicar a imagem do órgão, haja vista a natureza impositiva da lei que obriga o recebimento do auxílio-moradia, mas pode ferir as convicções pessoais dos cidadãos que são promotores, sugiro uma solução salomônica: os promotores obedecem à decisão da lei, instituem o pagamento, mas doam essa diferença remuneratória iníqua às instituições de caridade.

Assim estaria resolvido o impasse moral e os promotores poderiam, sem hesitar, trazerem suas convicções pessoais de casa e leva-las até o Ministério Público.

Por fim, em homenagem a todos que lutaram contra leis iníquas, recusando-se a cumpri-las, lembro aqui os jovens americanos que resistiram à convocação para lutar no Vietnã, mesmo sabendo que seriam presos por tal. E lembro, também, todos os promotores, juízes, policiais, servidores públicos, enfim, que, em algum momento de sua vida, ousaram resistir a alguma lei iníqua.

Resista promotor!

Assuma suas convicções pessoais!

Ah! Uma última questão para quem ler esse artigo: uma lei é iníqua quando você necessita de arroubos retóricos, contorcionismos verbais, excessiva e empolada linguagem técnica para justificar sua existência.

Recomendo a todos quanto quiserem aquilatar a iniquidade desse auxílio-moradia lerem o texto “ENGENHARIA JURÍDICA”, do jornalista Aluísio Lacerda (AQUI).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 02/06/2013 - 10:13h

Lira Neto diz como entender Getúlio Vargas

Por Honório de Medeiros

Como entender o camaleônico Getúlio Vargas?

Getúlio no traço de Nassara

No volume 1 do excepcional “GETÚLIO” (1882-1930), de Lira Neto, parece estar a resposta.

Borges de Medeiros, que andara às rusgas em relação aos Vargas, voltara a cortejá-los. São os idos de 1913-1915.

Faz o convite a Getúlio para ocupar o importantíssimo, na época, cargo que ele mesmo ocupara, de Chefe da Polícia Estadual. Getúlio analisa e recusa o convite.

“Mesmo rejeitando o convite”, conta-nos Lira Neto, (Getúlio) “tomou os cuidados necessários para que seu gesto não fosse interpretado por Borges de Medeiros como um acinte.”

Instado, pelos amigos, a se explicar, Getúlio Vargas o fez:

“Na luta, vencer é adaptar-se, isto é, condicionando-se ao meio, apreender as forças dominantes, para dominá-lo”, esclareceria ao amigo Telmo Monteiro.”

“Para Getúlio”, prossegue Lira Neto, “aquela frase, de clara inspiração darwinista, passara a funcionar como uma espécie de mantra. Faria questão de repassá-la aos filhos, como uma fórmula explicativa da vida e do mundo.”

Vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos – vencer é adaptar-se, repetiria certo dia Getúlio ao filho mais velho, Lutero. Como o garoto ficasse em dúvida a respeito do verdadeiro significado da sentença, o pai detalharia: Adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação; adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar.”

Essa informação, essencial para entender Getúlio Vargas, Lira Neto colheu em seu “DIÁRIOS” (2 volumes; São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 1995), e soube compreender sua importância.

Quanto à importância, muito embora essa informação, por si somente, a assegure, convém observar que dada sua relação com o pensamento de Lamarck, não propriamente com o de Darwin, pode ensejar rios de tinta enquanto dissertações de mestrado e/ou teses de doutoramento.

Principalmente se a cotejarmos com as consequências epifenomênicas teórico políticas da existência de uma lei da evolução, qual seja o pensamento de Maquiavel ou de Gaetano Mosca, ou se cotejarmos com a vida de notórios manipuladores e sobreviventes de sua própria época política, por exemplo Talleyrand ou Fouché.

O certo é que Lira Neto, de forma brilhante, apreendeu a medula do aparentemente proteiforme Getúlio Vargas e a expôs no primeiro volume de sua biografia, uma obra já seminal. Nesse pequeno trecho lemos, oculto por uma vida intensa, complexa, onipresente ainda hoje, como pensava e agia o mais importante político brasileiro do século XX.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 26/05/2013 - 08:07h

Cascudo sempre!

Por Honório de Medeiros

Mais uma vez releio “Na Ronda do Tempo”, do mestre Cascudo. E mais uma vez me deixo encantar, fico seduzido pelo seu talento de escritor.

Gosto de ler esses seus livros memorialísticos, tal qual “Ontem” e “Pequeno Manual do Doente Aprendiz”, assim como suas crônicas e perfis, lentamente, saboreando as palavras, a construção das frases, o bordado do texto que se delineia ante nossos olhos para o deleite da razão e nos vai conduzindo com suavidade até seu desfecho, quando, ávidos, passamos adiante em busca da continuidade desse momento ímpar que somente é conhecido por quem se entregou, desde há muito, de corpo e alma, ao prazer da leitura.

Cascudo é inquestionável quanto ao conjunto da obra. Denso, complexo, eterno, se tivesse nascido na Europa ou nos Estados Unidos seria cultuado.

Neste “Brasil” que segundo suas próprias palavras em “Na Ronda do Tempo”, “regiamente recompensa aqueles que não servem e se servem dele, condescendendo em ser vaca de leite para malandros escorregadios, atingindo todas as alturas, rastejando e babando”, seu merecimento, o respeito que se tem por sua produção, é episódico e fragmentado.

Resiste bravamente pelo denodo de alguns enquanto ele, Cascudo, o pensador, o polímata, em sua própria Região, o Nordeste, se transformou em personagem folclórico. “Vá ler em Cascudo, ignorante”, dizem.

Ironia do destino… Já em 1969, no “Ronda do Tempo”, fino observador do que se lhe passa em seu entorno, e à Montaigne, um dos seus prazeres literários sempre renovados, observa:

“Para mim, compra-se infinitamente maior quantidade de livros, mas a leitura é muito inferior e rara.”

E continua, cáustico:

“Desapareceram aqueles embaixadores da Cultura Axilar, na classificação de Agripino Grieco, passeando com o volume debaixo do braço. Deduzo esse resultado no contato de amigos e audição de palestras intelectuais sobre autores. Dá-me a impressão de viagem aérea. Não há pormenor, figuras, episódios, boiando na memória. Há visão de conjunto, síntese, resumos impressionistas, marchas, flashes. A opinião virou parecer técnico. A maior massa adquiriu para ter o volume que a voga apregoou e é um decesso ignorá-lo, como a um recanto pitoresco ou Night Club consagrado pelos cronistas da Vanity Fair. As alusões e conclusões ao autor são sempre vagas e genéricas. E essa minoria que lê pertence aos concorrentes reais ou em potencial. Já não existe aquela memória fiel às preferências literárias, recitando trechos e lembrando frases felizes. O restante olha sem ver. Muito Best-seller dormindo nas cestas dos “saldos”.”

Impressionante.

O olhar do sábio reconstrói, no presente, com a messe do passado, aquilo que será o futuro. A simplicidade com a qual escreve é algo invejável, quiçá inatingível.

Com uma frase expõe um espaço significativo da realidade. E o faz rendendo homenagens, sempre, à beleza do estilo, como nessa frase, colhida do seu livro já citado, por meio da qual critica a excessiva produção líterária daquele tempo (imaginemos o que diria hoje!):

“Passeio furtivo pelas livrarias. Montanhas de livros. Dá-me o remorso de ser cúmplice.”

O quê mais poderia ambicionar um leitor contumaz ao ler um livro, a não ser se deparar com uma frase como essa?

Cascudo sempre!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN.

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domingo - 12/05/2013 - 09:45h

A construção histórica da figura do cangaceiro

Por Honório de Medeiros

Dia 15 de junho estarei em Sousa, Paraíba, participando de uma Mesa-Redonda (que não será mesa, tampouco redonda) acerca do seguinte tema: “Homem, terra, religiosidade, sertão e cangaço: a construção histórica da figura do cangaceiro.”

O evento começará às 14h20m e acontecerá no Centro Cultural do Banco do Nordeste.

Os outros debatedores serão Lemuel Rodrigues e Múcio Procópio, enquanto a coordenação caberá a César Nóbrega.

Quanto ao tema, penso que a construção histórica da figura do cangaceiro, a partir do homem, da terra, da religiosidade, do Sertão e do cangaço, passa por um obstáculo de natureza metodológica sempre tangenciada pelos pesquisadores que se debruçam sobre o tema: como utilizar o método científico para construir e criticar as hipóteses possíveis acerca do objeto a ser conhecido, do ponto de vista prático.

Esse obstáculo é um dos fatores preponderantes para não termos superado, ainda, com raras e honrosas exceções, no universo da produção literária acerca do cangaço, a narrativa. Como ainda não houve essa superação, a literatura acerca do cangaço ainda não tomou expressivamente o rumo da interpretação e contribui, de forma significativa, para sua folclorização, no sentido negativo do termo, e, também, para um certo “olhar de esguelha” que lhe é dirigido pela Academia.

Obviamente cada interpretação é sempre uma proposta que se alicerça no raciocínio dedutivo.

Isso pressupõe uma base de conhecimento, de caráter ingênuo ou crítico, que antecede a construção da hipótese a ser construída ou investigada.

Entretanto é possível trabalhar, como ponto-de-partida, com o postulado básico de quê podemos não conseguir dizer o que algo é; mas com certeza podemos dizer o que esse algo não é, evitando as areias movediças das discussões bizantinas de caráter epistemológico.

Honório de Medeiros é advogado, professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado do RN

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domingo - 07/04/2013 - 06:56h

Impressões sobre o Velho Mundo

Por Honório de Medeiros

Todos os guias que contratamos nesta viagem, e foram quatro, falaram mal dos políticos de seus países. Será um fenômeno universal? Às vezes tenho a sensação de que algo está para acontecer, ou seja, o desprezo, a impaciência, vai se transformar em revolta – mesmo no Brasil, covarde, atoleimado – e muita desgraça acontecerá.

Nossa guia Tcheca, quando lhe perguntei acerca do seu novo Presidente, respondeu: “vocês conhecem o modelo: é ignorante, demagogo e beberrão”.

Eu quis esboçar um protesto, mas deixei para lá em homenagem ao filho que ela teve com um nordestino.

A guia austríaca apontou-nos um belo prédio e comentou: “esta é a Casa do Absurdo, mais conhecida como Parlamento”.

O guia português, extremamente formal – usava o Vós majestático de quando em vez – era mais sutil, mas desceu a peia verbal nos governos europeus, de uma forma mais geral.

E a guia húngara, uma bela balzaquiana de pele de criança, loura, nariz afiladíssimo, olhos azuis, azuis, nos apontou a sede permanente do Circo Húngaro e nos mostrou sua vertente irônica: ” este é o segundo maior circo do País.”

– Qual é o primeiro – perguntei.

“O Parlamento”, apontou.

Perceba que aqui as instituições funcionam, mesmo assim há essa irritação, esse desprezo constante em relação aos políticos. E esses sentimentos existem no Brasil, agravados pelo absoluto descompasso entre nossa elite dirigente, a se comportar como predadores esfaimados ante o patrimônio público, e o resto do povo.

Desprezo, essa é a palavra chave. Irritação, é o sentimento que está surgindo, lento, firme e constante.

Tomara que toda essa carga negativa não se transforme em ódio, mas é difícil acreditar que tanto descaso possa durar para sempre, mesmo em ditaduras…

……

Eva Ruth (1939-1944)

Chorei por você, Eva Ruth, em frente ao mármore que continha seu nome, e que chamou meu olhar, dentre mais de oitenta mil outros, naquela manhã fria, em Praga, no monumento que os homens ergueram, ao lado da Sinagoga da cidade, para homenagear as vítimas judias tchecas do horror nazista.

Que alegrias você teve, ao longo de sua curta vida, me perguntei naquele momento, ao longo dos cinco anos e pouco que lhe permitiram viver? Que sorrisos, brincadeiras, carinhos, lhe prepararam para a tortura que viria? Que sonhos, canções, alegrias, confortaram seus dias finais, quando a noite chegava e o horror, por instantes, era esquecido? Ou somente pesadelos envolviam seus famintos e esquálidos braços infantis?

Nunca saberei.

Mas chorei por você, em Praga, Eva Ruth, nascida em 18 de março de 1939 e morta em 9 de outubro de 1944, ao me perguntar se seu corpo frágil sucumbira às doenças ou à câmara de gaz. Se sucumbiu às doenças, Eva Ruth, em nada sua morte difere de tantas e tantas outras que acontecem diariamente no Brasil, na África, no mundo.

Acredite, Eva Ruth, os governos dos homens continuam a trocar a vida das crianças, dos idosos, dos excluídos, por propaganda na qual se vangloriam do que não fizeram, do que fizeram mal, do que não pretendem fazer; por obras desnecessárias; por fausto e privilégios…

Chorei por você em Praga, Eva Ruth, ao me lembrar do sentimento de impotência que muitos de nós guardamos por não conseguirmos mudar a natureza das coisas. Tentamos tudo, alguns de nós, ao longo do tempo, até mesmo nos aviltamos nas tentativas, convivendo com quem está imerso no mal, tentamos desde revoluções à pura inércia, e não conseguimos alterar o horror lento ao qual estamos condenados por nossa condição humana.

E rezei. Pedi a um Deus distante, mas onipresente, segundo me dizem aqueles a quem respeito, que mitigasse meu ódio, minha angústia, minha perplexidade ante os meus semelhantes, os mesmos que lhe ceifaram a vida simplesmente por acharem que não havia espaço no mundo para você e os seus, os meus, e os nossos; os mesmos que hoje ceifam a vida de tantos…

Depois que contemplei longamente seu nome dentre todos aqueles outros, depois que lhe homenageei com minhas lágrimas e orações, subi até onde os desenhos das crianças mortas nos campos de concentração estavam expostos, e pensei que um deles poderia ser seu. Talvez aquele no qual um homem postado lateralmente a algumas crianças ajoelhadas porta um chicote enquanto uma pistola, vermelha, na cintura, se destaca do seu uniforme negro.

O olhar do homem olha o infinito. E se distancia da dor que causa.

O olhar das crianças olha esse olhar e teme, e aguarda, e sofre. É a banalidade do mal, não é, Hanna Arendt?

Assim foi aquele, dia, no qual encontrei o nome de Eva Ruth no panteão aos mortos judeus tchecos em Praga. Eva Ruth, claro, existiu, e para mim é um símbolo. Ela revive todas as vezes que uma criança morre graças à incúria dos homens. Aquele desenho pode não ter sido seu. E como, de fato, ela morreu, não sei.

Nunca saberei.

Mas não importa. Eva Ruth vive em cada criança que nós abandonamos  a sua própria sorte, ou azar, mundo adentro, mundo afora…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado

* Os dois textos acima fazem parte de crônicas do autor, que está em viagem á Europa, passando-nos suas impressões sobre o “Velho Mundo”

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domingo - 31/03/2013 - 09:56h

Viva Portugal!!

Por Honório de Medeiros

Já estive em Portugal, antes, por pouco tempo. Desta vez, entretanto, a demora está sendo longa. E aprofundada, horizontalmente, pois estou flanando também no seu interior, e verticalmente, pois puxo conversa onde chego, desde o taxista ao garçom, passando por balconistas de lojas, vendedores de jornais e revistas, e quem danado, segundo meus padrões, represente o povão.

A conclusão é simples, mas dolorosa, porque resulta, sempre, de uma comparação com o Brasil.

Para começo de assunto Portugal é lindo, sua história é muito interessante, e, ao contrário do que se supõe, o povo é educado e a nova geração muito bonita e bem cuidada. E alegre, nada melancólica.

E tudo funciona, aqui, bem, muito bem, se comparado com o Brasil: educação, saúde, segurança e infra-estrutura.

As cidades são limpas, sem mendigos, pastoradores de carro ou lavadores de parabrisas; o asfalto das ruas e das estradas é de primeira qualidade; os ônibus são novos e disciplinados; o trânsito flui normalmente e sem estresse.

Como viajamos de carro pelo interior, pude perceber a limpeza das laterais das estradas, das cidades e dos lugares onde se para para uma visita ao tualete. A sinalização é perfeita.

Quanto à segurança, o contraste também salta aos olhos: as pessoas andam pelas ruas, à noite, despreocupadas.

Esqueci de falar do metrô: em termos de limpeza e regularidade, supera em muito o de Paris.

Há senões? Claro que há!

Como ainda volto, e por um período maior, a Portugal, escreverei algo acerca disso um pouco mais adiante.

Enquanto não, quero confessar: ando muito surpreendido, e agradavelmente, com as terras lusitanas…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 24/03/2013 - 13:13h

Vou ali bater perna…

Por Honório de Medeiros

A partir de amanhã entro de férias. E vou bater perna na Europa velha de guerra, enquanto posso. Flanar.

Viver a rotina dos cafés, das livrarias, das feiras ao ar livre, das igrejas – como eu gosto delas, e quanto mais antigas, melhor! – dos sebos, dos antiquários.

Nada que eu não faça aqui mesmo em Natal, Mossoró, Martins, Pau dos Ferros, São Paulo, os chãos que eu sempre piso, os lugares nos quais eu sempre ando, na condição de vivente curioso acerca da faina humana e supostamente um pouco acima do analfabetismo  institucional que galopa Brasil adentro mais rapidamente que a Moça Caetana no seu mister de povoar o céu, o purgatório e o inferno.

Esqueci Cabaceiras, na Paraíba, no Pai Mateus, Sertãozão de Meu Deus, pedras e mais pedras, rochas e mais rochas, terra, mato rasteiro, céu de um azul sem igual, noites estreladas de tirar o fôlego, e emas, seriemas, veados, gato-do-mato, mocós, arapongas, jacus, toda a fauna do Sertão que a fome e descuido dos homens praticamente extinguiu, o linguajar arrastado contando “causos”, o chiste permanente, o cavaqueado dos meus irmãos paraibanos no centro do seu, do nosso Paraíso sertanejo.

Pois bem, mas na República Tcheca só me programei para fazer duas coisas: procurar a casa onde nasceu Hans Kelsen, o mais original e profundo dos filósofos do Direito, se é que ela ainda existe, e visitar o Cemitério Judeu. Nada mais.

O resto é andar, perambular, deambular, flanar, pensar no sentido da vida, na origem das coisas, enquanto o tempo passa, pastorar o espírito de Vaclav Havel, com quem gostaria de trocar dois dedos de prosa, e assim por diante.

De lá, Hungria, onde vou segurar a vontade de fazer carreira até a Romênia para visitar o Castelo de Vlad Drakul, o Conde Drácula. Segurada a vontade, a goles de Tokay, pretendo vadiar pelo Danúbio, o quanto puder, escutando os magiares falando seu idioma incompreensível, olhar atento à possibilidade de encontrar uma cigana que leia a minha mão e me diga, em inglês macarrônico igual ao meu, que eu vou ser feliz, ter muita saúde, e morrer bem velhinho, imensamente rico.

Então Viena.

Em Viena, os cafés, para mim, o Castelo de Sissi para minha amada. Eu vou a Sissi, claro, com ela; e, ela, claro, vem aos cafés comigo, e vamos celebrar a vida, e nos deleitarmos com a beleza da capital austríaca, e eu vou lhe contar acerca do surgimento do Positivismo Lógico naquela Viena do começo do Século XX que viveu seu apogeu intelectual antes que os nazistas chegassem.

Quem me conhece sabe que procurarei, de todas as formas possíveis, os rastros de Karl Popper, o maior filósofo do século XX, um dos maiores de todos os tempos, seja na política, com sua análise de Platão, Hegel e Marx, seja na ciência com sua epistemologia, construída a partir da teoria da seleção natural.

Filósofo, músico, matemático, lógico, epistemólogo, Popper foi, com certeza, o último dos polímatas.

Depois Portugal. Ah, Portugal!

Bom, agora vou pedir licença para somente falar em Portugal um pouco mais à frene, se e quando os excelentes vinhos do Douro me permitirem. Mas lá vou à procura de Eça de Queirós, paixão antiga.

E, como não poderia deixar de ser, pretendo mergulhar fundo no Sertão de Portugal. Ou Certão, como se dizia em Português arcaico…

Até mais ver.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN * Texto originalmente postado pelo autor no último dia 18 de março (segunda-feira)

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domingo - 10/03/2013 - 00:49h

Do sacrifício financeiro de gerações futuras

Por Honório de Medeiros

Recordo Zygmunt Bauman (“Isto Não É Um Diário”; Zahar) citando José Saramago enquanto contorno o canteiro de obras no qual é erguida a Arena das Dunas em Natal, esse monumento ao desperdício de dinheiro público e segregação social:

(…) as pessoas não escolhem um governo que colocará o mercado sob controle; em vez disso o mercado condiciona os governos de todas as formas a colocar as pessoas sob seu controle.

É o caso.

Em nossa alienação, a informação que o site //www.copaemnatal.com.br/oprojeto nos fornece, qual seja, a de que entre a construção do estádio e das obras acessórias ao complexo, o Governo confirma gastos de mais de R$ 2 bilhões, confirmada por intermédio da excelente reportagem de Anna Ruth Dantas para o jornal Tribuna do Norte (//tribunadonorte.com.br/noticia/governo-vai-pagar-mais-de-r-1-bilhao-pela-arena/175668) nos soa banal, face ao onipresente cansaço de nossa capacidade de se indignar ante a gastança governamental ilegítima, ampla e continuada, e até mesmo necessária, tendo em vista a maciça e reiterada propaganda, por nós financiada, que busca nos convencer da necessidade do investimento aludido.

No próprio e primeiro site acima citado, trecho da matéria que ele veicula tem o seguinte título: Copa impulsiona economia potiguar. E a matéria prossegue: (…) Segmentos de comércio, turismo, imobiliário e de serviços terão ganhos na geração de empregos e renda. A economia do Rio Grande do Norte será remodelada nos próximos cinco anos. (…) O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomércio), Marcelo Queiroz, também acredita no desenvolvimento de Natal e destaca melhorias no comércio. “Os investimentos serão feitos em todas as áreas para os natalenses e para os milhares de turistas que virão conhecer o Estado”.

“A visibilidade de Natal para todo o mundo, criada com o evento, só proporciona ganhos na economia”, lembra o presidente da Fecomercio.

A criação de novos empreendimentos e as melhorias nas obras de infraestrutura irão gerar mais empregos e renda, alterando o perfil econômico do Estado. Assim é que apenas um muxoxo contrai nosso rosto quando lemos o que Ana Ruth Dantas esclarece:

O Governo do Estado pagará pela Arena das Dunas, que sediará os jogos da Copa do Mundo de 2014 em Natal, mais de R$ 1 bilhão. Embora o valor da obra seja de R$ 400 milhões, bancados pela construtora OAS através de recursos próprios e empréstimo junto ao BNDES, o desembolso dos cofres públicos potiguares para a empresa vai representar, ao término do contrato de 20 anos de concessão, o equivalente a três Arenas.

A engenharia financeira feita pelo Executivo para a construção da Arena das Dunas prevê repasses mensais durante 17 anos para a construtora. Esses repasses não terão qualquer ligação e/ou compensações com a possível receita auferida pela OAS da administração compartilhada do estádio. Os primeiros três anos, quando o estádio estará sendo construído, é o chamado “período de carência” do contrato Governo/OAS.

A construtora é quem vai contrair o empréstimo de R$ 300 milhões oferecidos pelo BNDES e investir outros R$ 100 milhões, de recursos próprios, cobrindo o custo da obra. A partir do primeiro ano de operação do estádio, ou seja, em 2014, o Governo começará a pagar os R$ 400 milhões a OAS. Nos primeiros 11 anos de funcionamento do estádio serão prestações mensais de R$ 9 milhões.

Do décimo segundo ano até o décimo quarto ano, serão R$ 2,7 milhões/mês de prestação. Nos três últimos anos do contrato de financiamento, o Governo pagará à OAS prestações mensais de R$ 90 mil.

Ao final do contrato de 20 anos, incluindo os três de carência, o Governo do Rio Grande do Norte terá desembolsado R$ 1.288.400.000, ou seja, o equivalente a três Arenas das Dunas.

Não vou nem argumentar em defesa do emprego dessa colossal montanha de dinheiro em programas sociais na área de saúde, educação e segurança pública. Não vou mencionar o sucateamento da saúde estadual. Esse discurso está entediante.

Vou argumentar em defesa do uso dessa montanha de dinheiro em uma infraestrutura que permitisse o avanço do turismo. Seria o caso de cuidar do nosso fantástico litoral, totalmente abandonado, bastando nos dirigirmos a Ponta Negra ou à Praia do Meio para comprovarmos essa situação.

Seria o caso de interiorizar o turismo. Seria o caso de tantas outras idéias com retorno garantido…

As gerações futuras estão condenadas ao pagamento de um empréstimo ilegítimo em todos os seus aspectos. Não lhes sobra alternativa, vez que nós, o presente, não reagimos quando e como deveríamos.

Por esse empréstimo, um segmento muito específico da Sociedade amealha riqueza arrancada de todos quantos estando na outra ponta do processo, seja em Natal, seja no interior, estão excluídos da possibilidade de serem beneficiados com esses recursos.

E por que esse empréstimo é ilegiítimo? É ilegítimo porque não beneficia, por exemplo, os favelados de Natal.

Com uma população de 803.739 mil habitantes, Natal tem 10% de seus moradores vivendo em aglomerados subnormais, ou seja, favelas, invasões e loteamentos sem titulação. Segundo o Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital do Rio Grande do Norte tem 80.774 pessoas vivendo em aglomerados subnormais.

É ilegítimo porque não beneficia o interior, ou seja, segundo dados do IBGE – Censo 2010, como a população do RN é de 3.168.027 habitantes, e Natal tem 803.739 habitantes, ficam fora dos benefícios mais de dois milhões e trezentos mil habitantes. Ou alguém imagina que para a população interiorana do Rio Grande do Norte a construção da Arena das Dunas trará alguma vantagem? Ou alguém imagina que essa obra trará benefícios para os mossoroenses, caicoenses, pauferrenses, para citar alguns?

Claro que todos quantos foram movidos, encaminhados para fazerem a defesa da Arena das Dunas, seja por ignorância, seja por má-fé, hão de dizer que todo esse investimento feito há de retornar por intermédio, por exemplo, do aumento da tributação que reverterá para o social, seja em Natal, seja no interior. É a famoso “teoria do bolo econômico”, o xodó dos ricos, o argumento principal esgrimido para justificar a espoliação, dos que detêm o capital financeiro.

Por essa teoria, “aumentemos o bolo que todo mundo come”! Lamento dizer, mas essa teoria foi construída para beneficiar os ricos. Nasceu nos laboratórios do chamado “Consenso de Washington”. E não é nova.

Delfim Neto já a brandia décadas atrás quando dirigia os destinos econômico-financeiros do Brasil, sabe-se lá a serviço de quem.

Não por outra razão Branko Milanovic, principal economista do departamento de pesquisa do Banco Mundial, citado por Bauman, afirma que Na virada do século XXI, os 5% mais ricos do planeta recebem um terço do total da renda global, tanto quanto os 80% mais pobres.

Conclui Balmant:

Embora alguns países pobres estejam se emparelhando ao mundo rico, as diferenças entre os indivíduos mais ricos e mais pobres são enormes e tendem a crescer.

E o que é pior, especificamente, é que os ricos estão mais ricos pegando nosso dinheiro a preço vil, oferecido pelo Estado, captado diretamente, e o maior atingido é a classe média, vítima indefesa da tributação (os ricos transferem o ônus para os pobres), ou captado obliquamente, na base da sociedade, quando esta paga tributo indireto ao comprar bens de primeira necessidade, como uma caixa de fósforos, e o recebendo de volta gordo e lustroso.

Chama-se transferência esse processo: tiram de nós e dão a eles. É isso que os governos fazem quando pegam dinheiro emprestado para financiar obras que somente beneficiam uns poucos, em detrimento de muitos. Vou dobrando o cabo da boa esperança, como dizia minha mãe se referindo aos que passam dos cinqüenta, e não vi nada mudar desde criança, no que diz respeito à distribuição da riqueza que o bom Deus houve por bem deixar na face da terra: os ricos continuam ricos, os pobres continuam pobres.

O que mudou – e como, foram os instrumentos por meio dos quais os ricos arrancam o dinheiro dos pobres. Não estranho, portanto, o que li em Bauman. Tampouco o que li do economista do Banco Mundial. Mas não vou perder as esperanças.

Meu padrinho Padre Cícero dizia, e minha santa mãe repetia, que “um dia o Sertão vai virar mar, e a roda grande entra na roda pequena”.

É aguardar…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN

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domingo - 17/02/2013 - 10:28h

Estamos condenados ao mal?

Por Honório de Medeiros

De “Um Cigano Fazendeiro do Ar”, densa biografia de Rubem Braga que devemos a Marco Antônio de Carvalho, colho um trecho da carta de João Neves a Borges de Medeiros em 20 de julho de 1932 na qual ele se refere a Getúlio Vargas, todos companheiros muito próximos na Revolução de Outubro de 1930:

“Eu preferia que o Dr. Getúlio Vargas fosse um tirano. Perdôo mais os violentos que os astutos. Mas o nosso ditador é um homem gelado, calculista, escorregadio. Não ataca, desliza. Não enfrenta, corrompe. Não congrega, divide. (…) Desbaratou o poder civil. Desmoralizou o Exército. Aniquilou o sentimento local. Amesquinhou a justiça. Instituiu o regime da delação. Oficializou a vingança contra os que o ajudaram a subir. Esqueceu os compromissos. O favoritismo é uma instituição. A negociata é a regra. Enfim, a República Nova com dois anos de idade incompletos, é mais corrupta do que foi a Velha, com mais de quarenta e um.”

Lembra quem, a vocês?

Em “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, Karl Marx, no primeiro parágrafo, expõe que a história acontece “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Assim como a terceira, a quarta, a quinta…

Do início da história do Homem até os dias de hoje, mudaram os artefatos: antes, as ferramentas de pedra; hoje, a internet. Não mudou o Homem.

Recomendo a leitura de “A Assustadora História da Maldade”, de Oliver Thomson; Prestígio editorial.

História antiga, essa da maldade. Em Thomson, lemos:

“O Egito foi unificado por Menés por volta de 3100 a.c. Talvez o primeiro herói conquistador da história (e mesmo ele era semimítico) tenha sido Horus Ro, do Egito, cujo filho era conhecido como ‘O Escorpião’, príncipe que explorou o medo em grande escala para impor sua vontade. Fundou a Iª Dinastia por volta de 3000 a.C. Em honra às suas vitórias, fez sacrifícios humanos a Ra, o deus do Sol. Seu herdeiro, Horus, supostamente matou 381 prisioneiros de guerra e arrancou a língua de 142. Esse é o primeiro registro de um imperialismo sádico e egocêntrico que reaparece de tempos em tempos nos próximos 5 mil anos.”

Antigo demais, tais fatos, para que chamem nossa atenção?

Leia novamente o último parágrafo do texto acima. E, agora, leia o texto abaixo, do talvez maior pensador da modernidade, junto com Noam Chomsky, o sociólogo Zygmunt Bauman, pinçado de “Isto Não É Um Diário”:

“As nações relutam em aprender; e, quando o fazem, é sobretudo a partir de seus erros e equívocos passados, do funeral de suas antigas fantasias. ‘Enquanto o Pentágono rebatiza a Operação Liberdade no Iraque de Operação Nova Aurora’, diz Frank Rich, citando o professor Andrew Bacevich, de Boston, ‘nome que sugere creme para a pele ou detergente líquido’, 60% dos americanos creem – agora – que a Guerra do Iraque foi um engano, mais 10% a condenam como algo que não vale a vida dos americanos, e apenas um em cada quatro acredita que essa guerra o tenha tornado mais seguro em relação ao terrorismo. O custo oficial da guerra para os americanos é hoje (no momento em que o presidente Obama pede aos americanos que ‘virem a página sobre o Iraque’) estimado em US$ 750 bilhões. Por esse dinheiro, cerca de 4.500 americanos e mais de 100 mil iraquianos foram mortos, e pelo menos 2 milhões de iraquianos foram forçados a se exilar, enquanto o Irã acelerou seu programa nuclear, e ‘Osama bin Laden e seus fanáticos’ foram liberados ‘para se reagrupar no Afeganistão e no Paquistão’”.

Estamos condenados…

Que lhes parece?

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 10/02/2013 - 12:55h

Do quê você deve desconfiar no Direito

Por Honório de Medeiros

1) O Direito não é uma ciência. Somente crê que o Direito é uma ciência quem não conhece filosofia da ciência ou defende sua cientificidade com propósitos indignos. O corolário desse postulado é que cai por terra, assim, o uso do argumento da autoridade na defesa de interpretações cabotinas.

2) O Direito não tem qualquer relação com o Justo. Como não se sabe o que é o Justo, não se pode afirmar, em qualquer circunstância, que o ordenamento jurídico é um instrumento para a obtenção da justiça.

3) O ordenamento jurídico é um instrumento do Estado, não da Sociedade. O Direito é um instrumento do Estado, não da Sociedade. Tanto o é que se volta contra a Sociedade. Quando a Sociedade dobra o Estado, como nas revoluções, o que primeiro cai é o ordenamento jurídico.

4) O ordenamento jurídico é um instrumento de opressão. Em todos os tempos e lugares o Direito é um instrumento de opressão do Estado sobre a Sociedade.

5) O Direito reflete a estrutura de poder das elites dominantes, a correlação de forças políticas existentes em um determinado momento histórico. Muito embora possa haver decisões esporádicas que contrariem o sistema político, elas dizem respeito a espasmos isolados que não comprometem sua lógica interna e externa de manifestação dos interesses das elites políticas dominantes.

6) A norma jurídica constitucional, ou os princípios constitucionais, por ser abstrata e difusa, têm seu conteúdo preenchido, na interpretação, na justa medida da correlação de força política das elites dominantes existente em determinada circunstância histórica.

7) Não há qualquer parâmetro científico que possa nortear uma interpretação de normas ou princípios jurídicos. Os parâmetros são puramente retóricos.

8) Os juízes, promotores, advogados, policias, são servidores do Estado, não da Sociedade. Então consolidam, enquanto correia de transmissão, coletivamente, a repressão estatal.

9) Muito embora o Estado emerja da Sociedade, pode se voltar contra o ambiente social – e o faz – no qual foi concebido.

10) O ensino do direito positivo, com raras e honrosas exceções, apenas ensina o uso do instrumento, sem permitir o desenvolvimento das condições críticas necessárias para dominar seu objeto quanto aos seus fundamentos e finalidades, assegurando a manutenção e reprodução do status quo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN

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domingo - 27/01/2013 - 08:45h

De quem é estranho ou intruso no jogo do poder

Por Honório de Medeiros

Poderíamos denominá-los outsiders nos lembrando do sociólogo alemão Norbert Elias cujas obras, que estudaram as relações entre Poder e Conhecimento, permaneceram marginais (à margem) até os anos 70, quando, então, se tornaram muito influentes.

Elias, autor de “O Processo Civilizatório”, reintroduziu na discussão intelectual moderna, graças a sua concepção de “redes sociais”, a importância da ação individual na história. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque aqueles que irei mencionar, mesmo tangencialmente. Não importa.

Vou me apropriar do nome e utilizá-lo para o fim visado. Claro que poderíamos denominá-los gauches, em homenagem a Carlos Drummond de Andrade:

Quando nasci,
um anjo torto desses que vivem na sombra
disse:
Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Aplicar-se-ia, aqui, o mesmo raciocínio anterior. Prefiro, portanto, outsiders a partir do significado etimológico que o Dicionário Estudantil, o Michaelis, lhe atribui: s. estranho, intruso.

Estranhos a quê, ou a quem?

À privacidade do detentor do Poder – e de sua entourage – para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua intimidade ao detentor do Poder – e à sua entourage; à bajulação; à omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, quanto às idéias e/ou ações do detentor do Poder; à conformação própria de uma oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e lembrado como alguém da “corte”; à subserviência; à aniquilação do respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passam a ser instrumentos daqueles que os mantêm.

Intrusos para o círculo íntimo do Poder embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude de sua competência técnica.

Quem é intruso não tem acesso às idéias que realmente estão impulsionando o jogo do Poder. Não compartilha as ações que dele decorrem, por mais inteligentes que seja. Não faz questão de entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam.

Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido.

O intruso incomoda, é um obstáculo tanto mais difícil porque ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na medida em que não possa ser envolvido – e usado – sem que perceba o que realmente está por trás do jogo político do qual faz parte.

Os outsiders – todos eles – em algum momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais conviveram. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não poderam ser assimiladas por aquele tipo de sistema. Não se trata de oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento do qual até então o outsider fazia parte apesar de ser outsider.

Ser outsider foi sua glória e sua tragédia. Fez com que fosse trazido para o jogo político e depois expelido.

Trazido graças a seu talento, sua competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido porque impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de se acompanhar da carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 20/01/2013 - 09:03h

Dois momentos da Igreja Católica

Por Honório de Medeiros

“Matem todos, Deus saberá quem são os seus”. Assim falou Arnold Amaury, monge cisterciense, quando seus guerreiros cruzados, a um passo de atacar a cidade de Béziers, em 22 de julho de 1209, tinham se voltado em sua direção para perguntar se deviam distinguir os fiéis ao catolicismo dos cátaros heréticos.

É o que nos conta Stephen O’Shea em seu “A Heresia Perfeita”, cujo subtítulo é “A vida e a morte revolucionária dos cátaros na idade média”.

A “Cruzada Albigense” se estendeu de 1209 a 1229 e foi deflagrada por Inocêncio III, sob a alegação de erradicar a heresia popular que grassava no Languedoc, região francesa que se estendia dos Pirineus à Provence e que incluia cidades como Toulouse, Albi, Carcassone, Narbonne, Béziers e Montpellier.

Na verdade os barões feudais do Norte da França – dentre eles o Rei – cobiçavam as terras e as riquezas dos seus pares do Sul, principalmente o condado de Toulouse, que era suserania de Pedro de Aragão. As duas décadas de sangue deram lugar a quinze anos de revolta e repressão até o cerco de Montségur, em 1244.

No final, mais de duzentos de seus defensores, os líderes cátaros, foram arrebanhados e tangidos até uma clareira na neve para serem queimados vivos. Resultado do guerra de extermínio foi o surgimento da Inquisição e suas técnicas que atormentariam a Europa e a América Latina durante séculos, sob o comando dos Dominicanos.

Técnicas essas que estabeleceram o modelo para o controle totalitário da consciência individual em nossos dias, diz-nos O’Shea. Autos-de-fé, enceguecimentos, enforcamentos em massa, catapultamentos de corpos por sobre as paredes dos castelos, pilhagens, saques, julgamentos secretos, exumação de cadáveres, estupros, sevícias, tudo em nome da fé!

Em 27 de agosto de 1689, em correspondência dirigida a Domingos Jorge Velho, Frei Manuel da Ressurreição, Arcebispo e Governador do Rio Grande o parabeniza: “E dou a Vossa Mercê o parabem de um avizo que do Recife me fez o Provedor da Fazenda estando para dar á vela a embarcação que o trouxe de haver Vossa Mercê degollado 260 Tapuyas”.

De 26 a 30 de outubro de 1689, Domingos Jorge Velho mata 1.500 tapuias e aprisiona 300.

Em 12 de janeiro de 1690, Frei Manuel da Ressurreição manda que se busque “trilhas de Bárbaros, como Vossa Mercê me diz se acham, os não faça o nosso descuido ousados“.

Em 4 de março do mesmo ano o Governador Geral determina aos três cabos de guerra que exterminam os tapuias: “Se não devem esperar nos Arraiais, em que se acham as mesmas armas; senão seguindo-os até lhes queimarem, e destruirem as Aldeias, e elles ficarem totalmente debelados, e resultar da sua extincção, não só a memória, e temor do seu castigo, mas a tranquilidade, e segurança com que sua Magestade quer que vivam, e se conservem vassallos, como por tão duplicadas ordens tem recommendado a este Governo”.

Está em “Cronologia Seridoense”, do grande Olavo Medeiros Filho.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 13/01/2013 - 03:26h

Homem, quem és?

Por Honório de Medeiros

Esse homem que o acaso colocou em minha frente é uma incógnita. Nada sei a seu respeito. Se observo os detalhes que a sua aparência externa coloca ante meus olhos, e concluo algo, posso incidir em uma oceano de erros.

Afinal, sob seu verniz de civilização pode se ocultar qualquer ignomínia. Não faz pouco tempo, foi ele gentil com uma criança. Vi, mesmo, de soslaio, a mãe lhe sorrir complacente, como quem acha muito natural receber, sua cria, as atenções do mundo.

O gesto me fez lembrar as contradições do ser humano.

Ele mesmo, o observado, que desarrumou, com um afago, os cachos do cabelo da criança, em outra ocasião, outra circunstância, uma guerra, talvez ordenasse um bombardeio que vitimaria tantos outros sorrisos infantis. Por certo não falo a mesma linguagem que ele.

Quantas formas há de entender uma só palavra?

Malsã atividade, a dos lógicos, a dos filósofos da linguagem, que pretendem descobrir o meio de diminuir a distância entre aquilo que percebo e o que digo. Se lhe chamasse a atenção e perguntasse algo, poderíamos divergir tanto, e acerca de coisas tão banais…

“Todavia, entre mim e esse homem glacial, sinto todos os espaços vazios que separam os homens”. É como disse Saint-Exupèry, em um artigo para o Paris-Soir, em 1935, contando sua experiência de viajar, à noite em um trem repleto de mineiros poloneses que voltavam à sua terra natal, expulsos da França pelas contingências da economia.

Vazios semelhantes àqueles expressados por Elliot, em “The Waste Land”: a angústia da constatação da impossibilidade da comunicação humana; a percepção de sua solidão essencial, primitiva, indescartável:

“Estou mal dos nervos esta noite. Sim, mal. Fica comigo.
Fala comigo. Por que nunca falas? Fala.

Em que estás pensando? Em que pensas? Em quê?
Jamais sei o que pensas. Pensa.

Penso que estamos no beco dos ratos,
Onde os mortos seus ossos deixaram.” (Uma Partida de Xadrez, Elliot).

Poderia o amor, esse sentimento tão tipicamente cristão, aproximar os homens? Desnudar sua alma, lhe fazer não rir, nem chorar, mas compreender, como queria Spinoza? Dar, a eles, a capacidade de transcender a mesquinha luta pela sobrevivência, que coloca em lados opostos os que deveriam semear juntos?

Ou essa é uma missão utópica, e não há tempo para sentir quando não conseguimos refletir acerca dessa misteriosa rede de aliciamento e cooptação que nos induz a darmos o pior de nós mesmos em praticamente todos os momentos de nossa vida?

Podemos ter alguma esperança, mesmo depois de tantos mil anos de aperfeiçoamento na capacidade de destruir, matar, e nenhum progresso quanto ao ideal de fraternidade humana?

Saint-Exupèry, esse tão injustamente banalizado filósofo da melancolia, da nostalgia, já dissera: “É absolutamente necessário falar aos homens”.

Em sua “Carta ao General X”, escrita em La Marsa, perto de Túnis, julho de 43, para o “Le Figaro Littéraire”, ele denuncia:

“Ah!, General, só existe um problema, um único, em todo o mundo. Restituir aos homens uma significação espiritual, inquietações espirituais. Não é possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo?”

Um sentido para a vida.

Teria a vida sentido?

Se nos indagassem: “homem, que és tu?”, teríamos que responder “aquele em cuja biblioteca os livros de poesia perderam seu lugar para os de computação?”.

Meu companheiro anônimo se fora. Tinha perdido, eu, a chance de lhe falar acerca de tudo isso que poderia nos aproximar ou afastar: a solidão, o sentido da vida… Não seria dessa vez que construiríamos uma ponte entre a clausura de nossas almas.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 06/01/2013 - 06:22h

O casamento entre o direito e a arte

Por Marcos Araújo

Na história da humanidade, o Direito e a Arte sempre foram comensais da mesma mesa. Aliás, o processualista italiano Francesco Carnelutti já descrevera essa relação no livro intitulado “Arte do Direito”.

Em sua obra, ele mistura, com uma análise toda particular, a arte no sentido clássico da expressão (pintura, escultura, música, poesia, literatura, etc.) com a arte de quem emite uma lei. Todos, diz o autor, artistas e cultores da lei, somente produzem boas obras quando trabalham com amor.

Esta associação do Direito como Arte já vinha dos antigos romanos. Eles, inspirados filosoficamente nos gregos, criaram o Direito como arte autônoma, relativamente livre da álea fugaz da sorte política.

Realmente, quem trabalha com o Direito, assim como um artista, sente com a alma, vibra com o espírito, acalenta sonhos, incensa esperanças… Direito e arte andam juntas, são irmãs siamesas do espírito libertário do homem.

É por isso que o operador do Direito também é um artista. Não raro é ele um poeta, um esgrimidor de frases, um construtor de idéias e um célebre rebotador dos vagalhões de outras contra-idéias, tudo em defesa dos interesses e das causas que abraça.

Não é nenhuma novidade o profissional do Direito ser escritor, poeta, pintor, cantor, compositor, ou até bordador de panos.

Dizem que Rui Barbosa, o mais famoso dos advogados brasileiro, foi prendadamente ensinado na arte dos bilros por sua avó Ana. É sabido também que a música brasileira tem em seus quadros um bom número de artistas que, de uma forma abrangente, podem ser chamados de profissionais do Direito.

Podemos citar que se formaram em Direito: Ary Barroso, Mário Reis, Mário Lago, Vinícius de Moraes, Nei Lopes, Alceu Valença, Taiguara, Edu Lobo.

Mário Lago advogou por algum tempo, ficando mais conhecido como roteirista de peças para o teatro de revista.  Vinícius de Morais se formaria em Direito nos anos 30, e seria diplomata até ser defenestrado pelo Itamaraty, em meio a acusações de ociosidade. Vitória da música brasileira…

Artistas como Alceu Valença, Taiguara e Edu Lobo também foram acadêmicos do Curso de Direito.

Tendo em vista o viés repressivo que, em diferentes momentos, permeou o Estado Brasileiro, muitos passaram da arte do Direito para o direito de fazer Arte.

François Silvestre e Honório Medeiros são exemplos da convivência entre o Direito e a Arte. Cumulam as dádivas de amarem o Direito e serem amantes da Arte, especialmente a da escrita. Advogados brilhantes, altivos, irretorquíveis homens de bem, intolerantes com a injustiça, cultivam o Direito e esculpem como ninguém a palavra, acalentando os nossos espíritos e inflamando as nossas almas de leitores.

Carlos Santos segue na mesma trilha.

Pouca coisa nos alegra neste início de novo século. A esperança anda acovardada pela inação e indiferença humana. Somente animados pela fé em Deus, por amor pela Arte, ou pelo Direito, podemos superar esses angustiados tempos de tantas bobagens nas redes sociais; do modismo imbecil que chamamos de “veraneio” quando vivemos em plena seca, sem direito a conhecer as demais estações; da falta de compromisso social dos nossos governantes; da insensibilidade coletiva aos que padecem por falta d´água; da irracionalidade e intolerância que implica no aumento da violência; da despreocupação com a droga que tem destruído as nossas famílias…

Captemos a mensagem que nos vem de dentro do espírito: ame ao próximo, dedique-se ao Direito e aclame o artista! É a lei da sobrevivência.

Marcos Araújo é professor e advogado

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  • Repet
domingo - 23/12/2012 - 10:17h

E se você se enganou quando escolheu sua profissão?

Por Honório de Medeiros

Ao longo de minha vida enquanto professor encontrei muitos casos de alunos que claramente não queriam se bacharelar em Direito. Estavam ali, no curso, cumprindo uma trajetória que não era de seu agrado.

Prefeririam se dedicar à música, à história, a escrever, à arquitetura, jornalismo… Quando eu percebia procurava conversar.

Às vezes, em alguns casos, sequer o aluno tinha percebido que sua praia não era aquela. Seduzido por ideais que lhe eram impostos pela sociedade, como status e dinheiro, ou, pior, por ideais que seus pais cultivavam, ali ficava ele, nas salas de aula, a passar horas e horas tomando contato direto com uma realidade, no seu caso, no mínimo entediante.

Mesmo aqueles que sabiam exatamente o que queriam como fazer um concurso, se tranquilizar quanto ao futuro, e, então, se dedicar a alguma atividade que lhe desse prazer, como literatura, era fácil perceber uma dúvida latente e perturbadora a pairar sobre nossos diálogos enquanto conversávamos: “será que vale a pena todo esse tempo perdido? A vida é tão curta…”

Pois bem, se é assim, ou mesmo que seja apenas para lhe assegurar a certeza de sua escolha, na medida em que isso é possível, ou por pura curiosidade, vale a pena ler esse livro que eu vou lhes indicar.

Trata-se de “COMO ENCONTRAR O TRABALHO DE SUA VIDA”, de Roman Krznaric, editora Objetiva.

Desde já advirto: não se trata propriamente de livro de autoajuda. O livro é sério, bem escrito, bem fundamentado, e faz parte de uma coleção “tocada” pelo filósofo Alain de Botton, autor de “Religião para Ateus” e “Como Proust pode Mudar sua Vida”.

Eu mesmo somente me interessei quando li uma citação de Richard Sennet, pensador de meu agrado, no livro.

Quanto a Roman, é membro fundador da The School of Life, e foi nomeado pelo jornal Observer um dos mais importantes pensadores sobre estilo de vida do Reino Unido, além de ser conselheiro de organizações tais quais a Oxfam e Nações Unidas.

Então, se for o caso, mãos à obra. Ah! Última observação: não estou ganhando dinheiro com essa indicação! Mas estou ganhando capital simbólico…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex=secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 16/12/2012 - 07:08h

Aquele beijo que eu te dei

Por Honório de Medeiros

O beijo que eu presenciara, entre dois adolescentes, qual a Madeleine de Proust, me remeteu para um passado distante, no qual minha memória se deleitou e se abateu com as imagens borradas de vultos que transitavam em nosso entorno, sons não identificáveis e odores misturados de perfumes e suor, enquanto sentados por sobre um batente qualquer, nós, eu e ela, de quem sequer lembro o nome, ou mesmo o rosto, exceto, apenas, o vulto esmaecido de um rosto claro, cabelos negros, lisos, cortados curtos à moda Príncipe Valente, e lábios cheios, fartos, trocamos meu primeiro beijo.

Dias mágicos aos quais fui conduzido pelo trem no qual meu pai, um dia, muito antes, havia sido chefe. Somente isso já valera a pena.

A sensação de liberdade que a primeira viagem sozinho originou foi alimentada pelas cervejas tomadas com o amigo recém-adquirido no restaurante para o qual minha curiosidade me impeliu.  Ali meu pai trabalhara, durante muito tempo.

Na chegada, na cidadezinha onde iria haver o casamento de uma prima distante, eu me misturei com uma legião de parentes desconhecidos aos quais eu me apresentava como representante dos meus pais.

Entre homem e menino, logo, logo, porém, me esqueci da missão diplomática que me havia sido confiada, e me aventurei com alguns primos por uma caminhada até uma fazenda remota na esperança de em lá chegando, saciaríamos nossa fome com mangas saborosas que embora fartamente consumidas, não resolveram o problema que somente a bondade de um morador, ao nos oferecer farinha amassada com feijão de corda e rapadura, finalmente deixou para trás.

Como esquecer o sabor e o cheiro daquele almoço inesperado?

À noite, o casamento e, em seguida, a festa no Mercado.

Lá, olhares e um convite para uma dança canhestra, logo esquecida, nos aproximou. Sentamo-nos em um batente qualquer. Pouco nos dissemos.

Em um momento especial, no qual o tempo e o espaço pareciam suspensos, nos beijamos naturalmente, e o beijo teve um sabor de bala de hortelã e de algo mais que não sei descrever. Não creio que alguém esqueça o primeiro beijo. Nunca esqueci o meu.

Já na volta para minha cidade natal, no mesmo trem, eu me perguntava se algum dia ainda conseguiria encontrá-la.

Dentro de mim achava que não, mas nutria alguma esperança. Não porque ansiasse por outros beijos seus, ou mesmo porque lhe tivesse algum afeto irrompido naquela noite especial. Não por que quisesse ter a saudade erótica de um corpo que a noite festiva apresentara apenas nuançado. Não se trata disso.

O que eu queria era observar, até mesmo distante, de longe, e gravar para todo o sempre, e assim pudesse convocar quando desejasse a lembrança detalhada daquela bela adolescente que uma noite, na qual quase não nos falamos, me deu meu primeiro beijo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
segunda-feira - 10/12/2012 - 07:55h
Opinião

Sensação de insegurança diante da clara insegurança

Carlos Santos,

Casualmente acompanhei o debate entre um leitor do seu blog e o Major Correia Lima (comandante do 12º Batalhão de Polícia de Mossoró), acerca da (in)segurança em Mossoró.

Li atentamente o texto do Major, e, confesso, mais uma vez fiquei profundamente decepcionado com nossa política de segurança. É impressionante que uma política pública que claramente rende votos seja estrategicamente abandonada pela elite dirigente.

Quanto ao Major, lamento discordar dele em tudo e por tudo, embora ressalte suas boas intenções. Vamos aos fatos:

Os dados “matemáticos” aos quais alude o Major para comprovar sua asserção de queda nos crimes contra o patrimônio não resistem a 24 horas de pesquisa por amostragem em qualquer Rua de Mossoró.

O que ocorre é que a população, cansada, de há muito não procura registrar os crimes dos quais são vítimas. E, ainda, tais dados “matemáticos”, como a imprensa aponta quase diariamente e é facílimo comprovar, são os que sobram da dificultada, por parte da polícia, tentativas do cidadão de registrar as ocorrências. Tente registrar uma ocorrência aqui em Natal no final-de-semana! Em Mossoró, com certeza, não é diferente.

Não há discussão filosófica acerca do policiamento ostensivo por parte dos cidadãos. Tampouco dizer que a sensação de segurança é um estado de espírito que ajuda a combater o crime.  A sensação de insegurança existe porque há insegurança. Na Europa, aonde vou frequentemente, não há essa sensação de insegurança porque não há insegurança.

Por outro lado, calcar uma estratégia de segurança em policiamento ostensivo é no mínimo chocante. Até as pedras sabem que o policiamento ostensivo é apenas uma etapa, que vem após a ocupação do território, que deve ser seguida pelo desmantelamento imediato de todos os focos originadores do crime, tal qual o desbaratamento de quadrilhas previamente mapeadas.

Acaso a polícia de Mossoró, por exemplo, tem alguma estratégia para coibir a entrada de drogas na cidade? Acaso a polícia de Mossoró age conjuntamente com a Polícia Federal e Rodoviária nesse aspecto?

Como o Major pode afirmar que o crime é sazonal e migratório? Como pode ser sazonal, se o crime sempre existiu em maior uma menor escala, a depender de uma política de segurança pública? Não é sazonal, Major, é causal: se há política de segurança pública em curto prazo, e política social, a médio e longo, a criminalidade cai; se não há, sobe.

Quanto a ser migratória, isso é de uma obviedade irritante: quando há política de segurança, a bandidagem foge para locais onde não há política de segurança.

A defesa da “ostensividade” por parte do Major chega a causar dó. Essa ostensividade existe somente na retórica policial. Como haver ostensividade com um destacamento muito inferior ao necessário para ocupar o território estratégico? Faltam carros, faltam policiais, faltam motocicletas, faltam radiocomunicadores, falta gasolina…

Quando a polícia desfila por Nova Betânia, a bandidagem, que se comunica em tempo real por meio de celulares, ataca no Alto de São Manoel…

Assim, por desconhecimento de estratégias e táticas de guerra urbana, por desconhecimento dos manuais básicos de estratégia militar, a polícia perde quase todas, o cidadão perde mais ainda, e o crime, que na psicologia do criminoso, é uma relação de custo-benefício, aumenta assustadoramente.

Louve-se, por derradeiro, a coragem do Major em vir defender, publicamente, o indefensável.

Honório de Medeiros.



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domingo - 09/12/2012 - 11:28h

A apropriação, pelo Estado, da força de trabalho do servidor

Por Honório de Medeiros

Esqueçamos as sofisticadas definições criadas pelos intelectuais acerca do que seja Estado. Vamos pegar a noção do senso comum, que é uma evolução do pensamento de Aristóteles acerca do que seja uma comunidade política: Estado é um território no qual vive uma população submetida a uma elite governamental supostamente representativa dos interesses da maioria, quando em uma democracia.

Essa elite governamental, para aumentar ou perpetuar seu poder, necessita de instrumentos através dos quais isso seja possível, os chamados “Aparelhos do Estado”, como o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário – todos eles cristalizações de relações de domínio – que “operam, se concretizam” por intermédio dos assim chamados “servidores públicos”.

Em síntese: alguns mandando em muitos através de outros.

Os servidores públicos cumprem, portanto, uma dupla função: concretizam a dominação exercida pela elite governamental, da qual eles são integrantes, sobre a maioria da população e, ao mesmo tempo, são concretamente dominados pelo topo da hierarquia da pirâmide do Estado ao qual pertencem. Nesse papel de “correia de transmissão” entre o Estado e a Sociedade os servidores vendem, ao primeiro, em troca de uma remuneração, sua força de trabalho física ou intelectual.

No Estado brasileiro, por força de disposição constitucional pétrea, ou seja, “imexível”, essa remuneração não pode ser reduzida. Essa mesma remuneração, muito embora não possa ser reduzida, é alvo permanente de apropriação por parte do Estado ao qual o servidor público presta serviço.

Isso ocorre indiretamente, por exemplo, quando seu poder de compra é corroído pela inflação, e o Estado paga cada dia menos pelo mesmo trabalho, ou diretamente, quando a base de cálculo sobre a qual incide a alíquota do imposto de renda permanece baixa por que o Governo não corrige seu valor erodido pelo custo de vida, e, assim, mais servidores são tributados.

Outro exemplo de apropriação direta é a imposição do pagamento da contribuição previdenciária aos aposentados, somente possível vergando-se, via Supremo Tribunal Federal, cláusula pétrea da Constituição.

A lista de exemplos é ampla: o não pagamento, pelos governos, dos débitos oriundos de questões jurídicas transitadas em julgado – os precatórios – e das decisões administrativas indiscutíveis e irrecorríveis, tais como férias vencidas e não pagas, pagamentos a menor, gratificações não incorporadas, e assim por diante; o pagamento vindouro, pelo servidor público, de contribuição previdenciária ao regime complementar, caso queira sobreviver, na aposentadoria, com algo além do teto que lhe reservará o regime próprio de previdência. Outro exemplo é a não implantação do Plano de Cargos e Salários, que impede o servidor público de ascender profissionalmente seja por mérito, seja por antiguidade, e, assim, melhorar sua remuneração.

Em todos esses exemplos se configura aquilo que o Poder Judiciário denomina de “enriquecimento ilícito do Estado”. Resulta da fome pantagruélica do Estado, permanentemente a atingir a classe média, constituída em grande parte por servidores públicos, espremida entre os que muito têm – a quem não importa o que lhes é cobrado – ou aos excluídos e miseráveis, de quem nada se pode arrancar.

O servidor público não tem como fugir da voracidade do Estado: indefeso, passivo, vê, todos os meses, o imposto de renda ser cobrado na fonte, ou seja, em sua remuneração, enquanto os megacontribuintes, pagando caro a escritórios especializados, através das brechas das leis vão driblando os fiscais e engordando seus lucros.

Recente matéria publicada na Revista Veja (edição 2100, ano 42, nº 7, 18 de fevereiro de 2009) aponta para 20 bilhões de reais o débito de madeireiras, siderúrgicas, bancos, financeiras, empresas telefônicas, indústrias, cartéis econômicos, distribuidoras e postos de combustíveis, fabricantes de alimentos e medicamentos, promotores de eventos, supermercados e padarias, empresas aéreas e outros, para com o Governo. Esse valor é apenas estimativo.

Tampouco consegue reagir a essa apropriação silenciosa e eficiente: ameaçado de todas as formas, inclusive por intermédio da mídia subserviente comprada pelos governantes, assiste, perplexo, a uma permanente campanha difamatória contra si promovida quando o verdadeiro alvo deveria ser os cargos em comissão, as funções de confiança, os detentores de gratificações ou vantagens espúrias ou mal atribuídas, tudo quanto corrói e solapa a administração pública.

Essa apatia, reforçada por mecanismos táticos compensatórios tais como gratificações, horas-extras, diárias, todas elas impossíveis de serem levadas para a aposentadoria, aliena o servidor público e deteriora a prestação do serviço à Sociedade. E não se está analisando, aqui, o mal que a ausência de uma política de qualificação contínua do servidor público pode causar.

Tentativas esporádicas esbarram no óbvio: de que adianta qualificar-se se não há possibilidade de ascensão profissional, se não há promoção, se não há vantagens e regalias para quem se esforça e carrega o piano? Do ponto de vista estratégico o aviltamento da remuneração dos servidores públicos, no Brasil, implica no comprometimento da capacidade de consumo da classe média, fortemente por eles constituída.

Esse aviltamento cerceia seu poder de compra e estimula a corrupção. Por outro lado implica, também, na impossibilidade de elaboração de políticas públicas consistentes, dado sua falta de qualificação. E como não as há, haja contratos milionários com a iniciativa privada para prestação de assessorias, consultorias e outros, através, quase sempre, de licitações – quando as há – manipuladas.

Até quando, portanto, por intermédio dessa contínua apropriação, a classe média e segmento dos servidores públicos permanecerão bancando, alienados, o pagamento do serviço da dívida e financiando ações sociais assistencialistas, populistas, e obras públicas desnecessárias, impostas à Sociedade por meio de estranhos critérios que a mídia áulica se encarrega de legitimar?

Até quando será a classe média e o servidor público responsável pela benemerência dos governantes junto aos excluídos e miseráveis para assegurar-se seu voto e lealdade política, sem qualquer contrapartida?

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 02/12/2012 - 13:10h

Deus não joga dados?

Por Honório de Medeiros

Como emerge um sistema?

Se considerarmos que Einstein estava correto, e “Deus não joga dados”, ou seja, se está correto o princípio da causalidade que propõe existir uma causa para tudo quanto existe, é possível supor um retorno causal a um ponto-de-partida.

As questões metafísicas, claro, surgem, então, aos borbotões: considerando sempre a perspectiva de uma explicação científica, portanto deixando de lado a hipótese Deus, é de se perguntar o que havia antes desse ponto-de-partida. Não pode ser o “nada”, posto que do “nada”, nada se origina.

Entretanto, se o ponto-de-partida surgiu a partir de algo, voltamos ao início: e o que originou esse ponto-de-partida?

Independente dessas dificuldades próprias de uma concepção determinista do “tudo”, contra ela podemos elencar várias críticas: a concepção indeterminista oriunda da física quântica, ou mesmo o postulado de Göedel, que demonstra a impossibilidade de construir uma linguagem matemática definitivamente consistente que expresse uma realidade, o que nos impossibilitaria de descrever completamente o “tudo”.

Entretanto, a se aceitar nossa condição humana de sermos programados evolutivamente para raciocinarmos causalmente (indução e dedução), podemos conceber a realidade (o “todo”) enquanto um incomensurável sistema, cujo ponto-de-partida perceptível, nas atuais condições, é o “big bang”.

Mesmo assim, provavelmente um infinito em termos de tempo tem que ser percorrido até sermos capazes de compreender como as lacunas entre o “ponto-de-partida” e a realidade atual são preenchidas. Uma tarefa tanto mais complexa quanto parece existir uma persistente impossibilidade de conciliação entre a física newtoniana e einsteiniana com a física quântica.

Em assim sendo, a questão de como emerge um subsistema dentro de outro subsistema, ou seja, como surge um subsistema de normas dentro de um subsistema de poder dentro de um subsistema social dentro de um subsistema orgânico dentro de um subsistema realidade física, nesse diapasão, é realmente uma tarefa descomunal.

Contudo, deterministas, causalistas, sistêmicos, como somos instados a ser para sobrevivermos, mesmo que não tenhamos sequer uma pálida noção de todas as relações existentes entre os subsistemas, e muito menos, daquilo que se origina quando subsistemas se conectam com outros subsistemas engendrando ocupações de “espaços” vazios, não paramos de teorizar, ou seja, construir explicações acerca das lacunas no conhecimento, ou mesmo construir teorias que avançam no desconhecido.

A imagem possível que expressa essa concepção é a mesma, embora em menor infinitamente menor, que a teoria do “big bang” possibilita: o nada sendo ocupado pela matéria, ou seja, a ignorância sendo ocupada pelo conhecimento. Ou seja, uma realidade finita, mas ilimitada, como pensava Einstein, lentamente ocupada pelo conhecimento, até que a equação final explique tudo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN

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domingo - 25/11/2012 - 07:12h

O tempo passa e eu não vejo:durmo novo e acordo velho

Por Honório de Medeiros

Seu ‘Antônio de Luzia’, oitenta e seis anos, sentado em sua cadeira de balanço, na calçada de sua casa, no Sítio Canto, em Martins, é o próprio símbolo da passagem inalterável das manhãs, tardes, noites, madrugadas. Do ritmo lento dos dias que se sucedem bucólicos, tais e quais as contas debulhadas do rosário de ‘Sinhá’, oitenta e poucos não admitidos, deslizam por entre seus dedos, à hora do ângelus, enquanto seu pensamento vagueia nos limites de sua circunstância, e nada escapa do seu olhar dardejante e de seus ouvidos “de tuberculoso”, como me confidencia ela.

Pergunto a Seu Antônio acerca das coisas que estão mudando mundo afora, em uma rapidez vertiginosa, impossível de serem acompanhadas.

Lembro a ele a chegada do homem na Lua, o computador, o celular… Ele fica calado um bocado de tempo.

Quando penso que esqueceu o assunto, ergue um pouco o braço e aponta com o dedo um passante, quebra o silêncio do final-de-tarde e me diz: “desde que o mundo é mundo, podem as coisas ter mudado, mas o homem, meu filho, é o mesmo de sempre”.

“Quando eu era de menino para rapaz”, continua, “pensava que as pessoas lá fora eram diferentes. Viajei, corri légua, vi e ouvi muitas coisas que eu prefiro esquecer, e voltei. Fico comparando o homem que vive lá fora com o homem que vive aqui, e não vejo diferença. Lá se mata, como aqui; lá se bebe, como aqui; lá se trai, como aqui; lá se rouba, como aqui. Tudo que existe lá fora, maior, existe aqui, menor”.

Fez-se silêncio, novamente, durante algum tempo. “Eu às vezes penso” prosseguiu, “que tanto faz como tanto fez, o homem se engana demais com as coisas, é como a roupa que a mulher veste: pode ser de qualquer tipo, mas ela é sempre a mesma”.

E, depois de beber um gole de café, arrematou: “lá fora o tempo passa e eu não vejo: durmo novo e acordo velho; aqui, eu vejo que o tempo não passa: faz uma eternidade que estou vivo!”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Crônica
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