domingo - 20/01/2013 - 09:03h

Dois momentos da Igreja Católica

Por Honório de Medeiros

“Matem todos, Deus saberá quem são os seus”. Assim falou Arnold Amaury, monge cisterciense, quando seus guerreiros cruzados, a um passo de atacar a cidade de Béziers, em 22 de julho de 1209, tinham se voltado em sua direção para perguntar se deviam distinguir os fiéis ao catolicismo dos cátaros heréticos.

É o que nos conta Stephen O’Shea em seu “A Heresia Perfeita”, cujo subtítulo é “A vida e a morte revolucionária dos cátaros na idade média”.

A “Cruzada Albigense” se estendeu de 1209 a 1229 e foi deflagrada por Inocêncio III, sob a alegação de erradicar a heresia popular que grassava no Languedoc, região francesa que se estendia dos Pirineus à Provence e que incluia cidades como Toulouse, Albi, Carcassone, Narbonne, Béziers e Montpellier.

Na verdade os barões feudais do Norte da França – dentre eles o Rei – cobiçavam as terras e as riquezas dos seus pares do Sul, principalmente o condado de Toulouse, que era suserania de Pedro de Aragão. As duas décadas de sangue deram lugar a quinze anos de revolta e repressão até o cerco de Montségur, em 1244.

No final, mais de duzentos de seus defensores, os líderes cátaros, foram arrebanhados e tangidos até uma clareira na neve para serem queimados vivos. Resultado do guerra de extermínio foi o surgimento da Inquisição e suas técnicas que atormentariam a Europa e a América Latina durante séculos, sob o comando dos Dominicanos.

Técnicas essas que estabeleceram o modelo para o controle totalitário da consciência individual em nossos dias, diz-nos O’Shea. Autos-de-fé, enceguecimentos, enforcamentos em massa, catapultamentos de corpos por sobre as paredes dos castelos, pilhagens, saques, julgamentos secretos, exumação de cadáveres, estupros, sevícias, tudo em nome da fé!

Em 27 de agosto de 1689, em correspondência dirigida a Domingos Jorge Velho, Frei Manuel da Ressurreição, Arcebispo e Governador do Rio Grande o parabeniza: “E dou a Vossa Mercê o parabem de um avizo que do Recife me fez o Provedor da Fazenda estando para dar á vela a embarcação que o trouxe de haver Vossa Mercê degollado 260 Tapuyas”.

De 26 a 30 de outubro de 1689, Domingos Jorge Velho mata 1.500 tapuias e aprisiona 300.

Em 12 de janeiro de 1690, Frei Manuel da Ressurreição manda que se busque “trilhas de Bárbaros, como Vossa Mercê me diz se acham, os não faça o nosso descuido ousados“.

Em 4 de março do mesmo ano o Governador Geral determina aos três cabos de guerra que exterminam os tapuias: “Se não devem esperar nos Arraiais, em que se acham as mesmas armas; senão seguindo-os até lhes queimarem, e destruirem as Aldeias, e elles ficarem totalmente debelados, e resultar da sua extincção, não só a memória, e temor do seu castigo, mas a tranquilidade, e segurança com que sua Magestade quer que vivam, e se conservem vassallos, como por tão duplicadas ordens tem recommendado a este Governo”.

Está em “Cronologia Seridoense”, do grande Olavo Medeiros Filho.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 13/01/2013 - 03:26h

Homem, quem és?

Por Honório de Medeiros

Esse homem que o acaso colocou em minha frente é uma incógnita. Nada sei a seu respeito. Se observo os detalhes que a sua aparência externa coloca ante meus olhos, e concluo algo, posso incidir em uma oceano de erros.

Afinal, sob seu verniz de civilização pode se ocultar qualquer ignomínia. Não faz pouco tempo, foi ele gentil com uma criança. Vi, mesmo, de soslaio, a mãe lhe sorrir complacente, como quem acha muito natural receber, sua cria, as atenções do mundo.

O gesto me fez lembrar as contradições do ser humano.

Ele mesmo, o observado, que desarrumou, com um afago, os cachos do cabelo da criança, em outra ocasião, outra circunstância, uma guerra, talvez ordenasse um bombardeio que vitimaria tantos outros sorrisos infantis. Por certo não falo a mesma linguagem que ele.

Quantas formas há de entender uma só palavra?

Malsã atividade, a dos lógicos, a dos filósofos da linguagem, que pretendem descobrir o meio de diminuir a distância entre aquilo que percebo e o que digo. Se lhe chamasse a atenção e perguntasse algo, poderíamos divergir tanto, e acerca de coisas tão banais…

“Todavia, entre mim e esse homem glacial, sinto todos os espaços vazios que separam os homens”. É como disse Saint-Exupèry, em um artigo para o Paris-Soir, em 1935, contando sua experiência de viajar, à noite em um trem repleto de mineiros poloneses que voltavam à sua terra natal, expulsos da França pelas contingências da economia.

Vazios semelhantes àqueles expressados por Elliot, em “The Waste Land”: a angústia da constatação da impossibilidade da comunicação humana; a percepção de sua solidão essencial, primitiva, indescartável:

“Estou mal dos nervos esta noite. Sim, mal. Fica comigo.
Fala comigo. Por que nunca falas? Fala.

Em que estás pensando? Em que pensas? Em quê?
Jamais sei o que pensas. Pensa.

Penso que estamos no beco dos ratos,
Onde os mortos seus ossos deixaram.” (Uma Partida de Xadrez, Elliot).

Poderia o amor, esse sentimento tão tipicamente cristão, aproximar os homens? Desnudar sua alma, lhe fazer não rir, nem chorar, mas compreender, como queria Spinoza? Dar, a eles, a capacidade de transcender a mesquinha luta pela sobrevivência, que coloca em lados opostos os que deveriam semear juntos?

Ou essa é uma missão utópica, e não há tempo para sentir quando não conseguimos refletir acerca dessa misteriosa rede de aliciamento e cooptação que nos induz a darmos o pior de nós mesmos em praticamente todos os momentos de nossa vida?

Podemos ter alguma esperança, mesmo depois de tantos mil anos de aperfeiçoamento na capacidade de destruir, matar, e nenhum progresso quanto ao ideal de fraternidade humana?

Saint-Exupèry, esse tão injustamente banalizado filósofo da melancolia, da nostalgia, já dissera: “É absolutamente necessário falar aos homens”.

Em sua “Carta ao General X”, escrita em La Marsa, perto de Túnis, julho de 43, para o “Le Figaro Littéraire”, ele denuncia:

“Ah!, General, só existe um problema, um único, em todo o mundo. Restituir aos homens uma significação espiritual, inquietações espirituais. Não é possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo?”

Um sentido para a vida.

Teria a vida sentido?

Se nos indagassem: “homem, que és tu?”, teríamos que responder “aquele em cuja biblioteca os livros de poesia perderam seu lugar para os de computação?”.

Meu companheiro anônimo se fora. Tinha perdido, eu, a chance de lhe falar acerca de tudo isso que poderia nos aproximar ou afastar: a solidão, o sentido da vida… Não seria dessa vez que construiríamos uma ponte entre a clausura de nossas almas.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 06/01/2013 - 06:22h

O casamento entre o direito e a arte

Por Marcos Araújo

Na história da humanidade, o Direito e a Arte sempre foram comensais da mesma mesa. Aliás, o processualista italiano Francesco Carnelutti já descrevera essa relação no livro intitulado “Arte do Direito”.

Em sua obra, ele mistura, com uma análise toda particular, a arte no sentido clássico da expressão (pintura, escultura, música, poesia, literatura, etc.) com a arte de quem emite uma lei. Todos, diz o autor, artistas e cultores da lei, somente produzem boas obras quando trabalham com amor.

Esta associação do Direito como Arte já vinha dos antigos romanos. Eles, inspirados filosoficamente nos gregos, criaram o Direito como arte autônoma, relativamente livre da álea fugaz da sorte política.

Realmente, quem trabalha com o Direito, assim como um artista, sente com a alma, vibra com o espírito, acalenta sonhos, incensa esperanças… Direito e arte andam juntas, são irmãs siamesas do espírito libertário do homem.

É por isso que o operador do Direito também é um artista. Não raro é ele um poeta, um esgrimidor de frases, um construtor de idéias e um célebre rebotador dos vagalhões de outras contra-idéias, tudo em defesa dos interesses e das causas que abraça.

Não é nenhuma novidade o profissional do Direito ser escritor, poeta, pintor, cantor, compositor, ou até bordador de panos.

Dizem que Rui Barbosa, o mais famoso dos advogados brasileiro, foi prendadamente ensinado na arte dos bilros por sua avó Ana. É sabido também que a música brasileira tem em seus quadros um bom número de artistas que, de uma forma abrangente, podem ser chamados de profissionais do Direito.

Podemos citar que se formaram em Direito: Ary Barroso, Mário Reis, Mário Lago, Vinícius de Moraes, Nei Lopes, Alceu Valença, Taiguara, Edu Lobo.

Mário Lago advogou por algum tempo, ficando mais conhecido como roteirista de peças para o teatro de revista.  Vinícius de Morais se formaria em Direito nos anos 30, e seria diplomata até ser defenestrado pelo Itamaraty, em meio a acusações de ociosidade. Vitória da música brasileira…

Artistas como Alceu Valença, Taiguara e Edu Lobo também foram acadêmicos do Curso de Direito.

Tendo em vista o viés repressivo que, em diferentes momentos, permeou o Estado Brasileiro, muitos passaram da arte do Direito para o direito de fazer Arte.

François Silvestre e Honório Medeiros são exemplos da convivência entre o Direito e a Arte. Cumulam as dádivas de amarem o Direito e serem amantes da Arte, especialmente a da escrita. Advogados brilhantes, altivos, irretorquíveis homens de bem, intolerantes com a injustiça, cultivam o Direito e esculpem como ninguém a palavra, acalentando os nossos espíritos e inflamando as nossas almas de leitores.

Carlos Santos segue na mesma trilha.

Pouca coisa nos alegra neste início de novo século. A esperança anda acovardada pela inação e indiferença humana. Somente animados pela fé em Deus, por amor pela Arte, ou pelo Direito, podemos superar esses angustiados tempos de tantas bobagens nas redes sociais; do modismo imbecil que chamamos de “veraneio” quando vivemos em plena seca, sem direito a conhecer as demais estações; da falta de compromisso social dos nossos governantes; da insensibilidade coletiva aos que padecem por falta d´água; da irracionalidade e intolerância que implica no aumento da violência; da despreocupação com a droga que tem destruído as nossas famílias…

Captemos a mensagem que nos vem de dentro do espírito: ame ao próximo, dedique-se ao Direito e aclame o artista! É a lei da sobrevivência.

Marcos Araújo é professor e advogado

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domingo - 23/12/2012 - 10:17h

E se você se enganou quando escolheu sua profissão?

Por Honório de Medeiros

Ao longo de minha vida enquanto professor encontrei muitos casos de alunos que claramente não queriam se bacharelar em Direito. Estavam ali, no curso, cumprindo uma trajetória que não era de seu agrado.

Prefeririam se dedicar à música, à história, a escrever, à arquitetura, jornalismo… Quando eu percebia procurava conversar.

Às vezes, em alguns casos, sequer o aluno tinha percebido que sua praia não era aquela. Seduzido por ideais que lhe eram impostos pela sociedade, como status e dinheiro, ou, pior, por ideais que seus pais cultivavam, ali ficava ele, nas salas de aula, a passar horas e horas tomando contato direto com uma realidade, no seu caso, no mínimo entediante.

Mesmo aqueles que sabiam exatamente o que queriam como fazer um concurso, se tranquilizar quanto ao futuro, e, então, se dedicar a alguma atividade que lhe desse prazer, como literatura, era fácil perceber uma dúvida latente e perturbadora a pairar sobre nossos diálogos enquanto conversávamos: “será que vale a pena todo esse tempo perdido? A vida é tão curta…”

Pois bem, se é assim, ou mesmo que seja apenas para lhe assegurar a certeza de sua escolha, na medida em que isso é possível, ou por pura curiosidade, vale a pena ler esse livro que eu vou lhes indicar.

Trata-se de “COMO ENCONTRAR O TRABALHO DE SUA VIDA”, de Roman Krznaric, editora Objetiva.

Desde já advirto: não se trata propriamente de livro de autoajuda. O livro é sério, bem escrito, bem fundamentado, e faz parte de uma coleção “tocada” pelo filósofo Alain de Botton, autor de “Religião para Ateus” e “Como Proust pode Mudar sua Vida”.

Eu mesmo somente me interessei quando li uma citação de Richard Sennet, pensador de meu agrado, no livro.

Quanto a Roman, é membro fundador da The School of Life, e foi nomeado pelo jornal Observer um dos mais importantes pensadores sobre estilo de vida do Reino Unido, além de ser conselheiro de organizações tais quais a Oxfam e Nações Unidas.

Então, se for o caso, mãos à obra. Ah! Última observação: não estou ganhando dinheiro com essa indicação! Mas estou ganhando capital simbólico…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex=secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 16/12/2012 - 07:08h

Aquele beijo que eu te dei

Por Honório de Medeiros

O beijo que eu presenciara, entre dois adolescentes, qual a Madeleine de Proust, me remeteu para um passado distante, no qual minha memória se deleitou e se abateu com as imagens borradas de vultos que transitavam em nosso entorno, sons não identificáveis e odores misturados de perfumes e suor, enquanto sentados por sobre um batente qualquer, nós, eu e ela, de quem sequer lembro o nome, ou mesmo o rosto, exceto, apenas, o vulto esmaecido de um rosto claro, cabelos negros, lisos, cortados curtos à moda Príncipe Valente, e lábios cheios, fartos, trocamos meu primeiro beijo.

Dias mágicos aos quais fui conduzido pelo trem no qual meu pai, um dia, muito antes, havia sido chefe. Somente isso já valera a pena.

A sensação de liberdade que a primeira viagem sozinho originou foi alimentada pelas cervejas tomadas com o amigo recém-adquirido no restaurante para o qual minha curiosidade me impeliu.  Ali meu pai trabalhara, durante muito tempo.

Na chegada, na cidadezinha onde iria haver o casamento de uma prima distante, eu me misturei com uma legião de parentes desconhecidos aos quais eu me apresentava como representante dos meus pais.

Entre homem e menino, logo, logo, porém, me esqueci da missão diplomática que me havia sido confiada, e me aventurei com alguns primos por uma caminhada até uma fazenda remota na esperança de em lá chegando, saciaríamos nossa fome com mangas saborosas que embora fartamente consumidas, não resolveram o problema que somente a bondade de um morador, ao nos oferecer farinha amassada com feijão de corda e rapadura, finalmente deixou para trás.

Como esquecer o sabor e o cheiro daquele almoço inesperado?

À noite, o casamento e, em seguida, a festa no Mercado.

Lá, olhares e um convite para uma dança canhestra, logo esquecida, nos aproximou. Sentamo-nos em um batente qualquer. Pouco nos dissemos.

Em um momento especial, no qual o tempo e o espaço pareciam suspensos, nos beijamos naturalmente, e o beijo teve um sabor de bala de hortelã e de algo mais que não sei descrever. Não creio que alguém esqueça o primeiro beijo. Nunca esqueci o meu.

Já na volta para minha cidade natal, no mesmo trem, eu me perguntava se algum dia ainda conseguiria encontrá-la.

Dentro de mim achava que não, mas nutria alguma esperança. Não porque ansiasse por outros beijos seus, ou mesmo porque lhe tivesse algum afeto irrompido naquela noite especial. Não por que quisesse ter a saudade erótica de um corpo que a noite festiva apresentara apenas nuançado. Não se trata disso.

O que eu queria era observar, até mesmo distante, de longe, e gravar para todo o sempre, e assim pudesse convocar quando desejasse a lembrança detalhada daquela bela adolescente que uma noite, na qual quase não nos falamos, me deu meu primeiro beijo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado

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segunda-feira - 10/12/2012 - 07:55h
Opinião

Sensação de insegurança diante da clara insegurança

Carlos Santos,

Casualmente acompanhei o debate entre um leitor do seu blog e o Major Correia Lima (comandante do 12º Batalhão de Polícia de Mossoró), acerca da (in)segurança em Mossoró.

Li atentamente o texto do Major, e, confesso, mais uma vez fiquei profundamente decepcionado com nossa política de segurança. É impressionante que uma política pública que claramente rende votos seja estrategicamente abandonada pela elite dirigente.

Quanto ao Major, lamento discordar dele em tudo e por tudo, embora ressalte suas boas intenções. Vamos aos fatos:

Os dados “matemáticos” aos quais alude o Major para comprovar sua asserção de queda nos crimes contra o patrimônio não resistem a 24 horas de pesquisa por amostragem em qualquer Rua de Mossoró.

O que ocorre é que a população, cansada, de há muito não procura registrar os crimes dos quais são vítimas. E, ainda, tais dados “matemáticos”, como a imprensa aponta quase diariamente e é facílimo comprovar, são os que sobram da dificultada, por parte da polícia, tentativas do cidadão de registrar as ocorrências. Tente registrar uma ocorrência aqui em Natal no final-de-semana! Em Mossoró, com certeza, não é diferente.

Não há discussão filosófica acerca do policiamento ostensivo por parte dos cidadãos. Tampouco dizer que a sensação de segurança é um estado de espírito que ajuda a combater o crime.  A sensação de insegurança existe porque há insegurança. Na Europa, aonde vou frequentemente, não há essa sensação de insegurança porque não há insegurança.

Por outro lado, calcar uma estratégia de segurança em policiamento ostensivo é no mínimo chocante. Até as pedras sabem que o policiamento ostensivo é apenas uma etapa, que vem após a ocupação do território, que deve ser seguida pelo desmantelamento imediato de todos os focos originadores do crime, tal qual o desbaratamento de quadrilhas previamente mapeadas.

Acaso a polícia de Mossoró, por exemplo, tem alguma estratégia para coibir a entrada de drogas na cidade? Acaso a polícia de Mossoró age conjuntamente com a Polícia Federal e Rodoviária nesse aspecto?

Como o Major pode afirmar que o crime é sazonal e migratório? Como pode ser sazonal, se o crime sempre existiu em maior uma menor escala, a depender de uma política de segurança pública? Não é sazonal, Major, é causal: se há política de segurança pública em curto prazo, e política social, a médio e longo, a criminalidade cai; se não há, sobe.

Quanto a ser migratória, isso é de uma obviedade irritante: quando há política de segurança, a bandidagem foge para locais onde não há política de segurança.

A defesa da “ostensividade” por parte do Major chega a causar dó. Essa ostensividade existe somente na retórica policial. Como haver ostensividade com um destacamento muito inferior ao necessário para ocupar o território estratégico? Faltam carros, faltam policiais, faltam motocicletas, faltam radiocomunicadores, falta gasolina…

Quando a polícia desfila por Nova Betânia, a bandidagem, que se comunica em tempo real por meio de celulares, ataca no Alto de São Manoel…

Assim, por desconhecimento de estratégias e táticas de guerra urbana, por desconhecimento dos manuais básicos de estratégia militar, a polícia perde quase todas, o cidadão perde mais ainda, e o crime, que na psicologia do criminoso, é uma relação de custo-benefício, aumenta assustadoramente.

Louve-se, por derradeiro, a coragem do Major em vir defender, publicamente, o indefensável.

Honório de Medeiros.



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domingo - 09/12/2012 - 11:28h

A apropriação, pelo Estado, da força de trabalho do servidor

Por Honório de Medeiros

Esqueçamos as sofisticadas definições criadas pelos intelectuais acerca do que seja Estado. Vamos pegar a noção do senso comum, que é uma evolução do pensamento de Aristóteles acerca do que seja uma comunidade política: Estado é um território no qual vive uma população submetida a uma elite governamental supostamente representativa dos interesses da maioria, quando em uma democracia.

Essa elite governamental, para aumentar ou perpetuar seu poder, necessita de instrumentos através dos quais isso seja possível, os chamados “Aparelhos do Estado”, como o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário – todos eles cristalizações de relações de domínio – que “operam, se concretizam” por intermédio dos assim chamados “servidores públicos”.

Em síntese: alguns mandando em muitos através de outros.

Os servidores públicos cumprem, portanto, uma dupla função: concretizam a dominação exercida pela elite governamental, da qual eles são integrantes, sobre a maioria da população e, ao mesmo tempo, são concretamente dominados pelo topo da hierarquia da pirâmide do Estado ao qual pertencem. Nesse papel de “correia de transmissão” entre o Estado e a Sociedade os servidores vendem, ao primeiro, em troca de uma remuneração, sua força de trabalho física ou intelectual.

No Estado brasileiro, por força de disposição constitucional pétrea, ou seja, “imexível”, essa remuneração não pode ser reduzida. Essa mesma remuneração, muito embora não possa ser reduzida, é alvo permanente de apropriação por parte do Estado ao qual o servidor público presta serviço.

Isso ocorre indiretamente, por exemplo, quando seu poder de compra é corroído pela inflação, e o Estado paga cada dia menos pelo mesmo trabalho, ou diretamente, quando a base de cálculo sobre a qual incide a alíquota do imposto de renda permanece baixa por que o Governo não corrige seu valor erodido pelo custo de vida, e, assim, mais servidores são tributados.

Outro exemplo de apropriação direta é a imposição do pagamento da contribuição previdenciária aos aposentados, somente possível vergando-se, via Supremo Tribunal Federal, cláusula pétrea da Constituição.

A lista de exemplos é ampla: o não pagamento, pelos governos, dos débitos oriundos de questões jurídicas transitadas em julgado – os precatórios – e das decisões administrativas indiscutíveis e irrecorríveis, tais como férias vencidas e não pagas, pagamentos a menor, gratificações não incorporadas, e assim por diante; o pagamento vindouro, pelo servidor público, de contribuição previdenciária ao regime complementar, caso queira sobreviver, na aposentadoria, com algo além do teto que lhe reservará o regime próprio de previdência. Outro exemplo é a não implantação do Plano de Cargos e Salários, que impede o servidor público de ascender profissionalmente seja por mérito, seja por antiguidade, e, assim, melhorar sua remuneração.

Em todos esses exemplos se configura aquilo que o Poder Judiciário denomina de “enriquecimento ilícito do Estado”. Resulta da fome pantagruélica do Estado, permanentemente a atingir a classe média, constituída em grande parte por servidores públicos, espremida entre os que muito têm – a quem não importa o que lhes é cobrado – ou aos excluídos e miseráveis, de quem nada se pode arrancar.

O servidor público não tem como fugir da voracidade do Estado: indefeso, passivo, vê, todos os meses, o imposto de renda ser cobrado na fonte, ou seja, em sua remuneração, enquanto os megacontribuintes, pagando caro a escritórios especializados, através das brechas das leis vão driblando os fiscais e engordando seus lucros.

Recente matéria publicada na Revista Veja (edição 2100, ano 42, nº 7, 18 de fevereiro de 2009) aponta para 20 bilhões de reais o débito de madeireiras, siderúrgicas, bancos, financeiras, empresas telefônicas, indústrias, cartéis econômicos, distribuidoras e postos de combustíveis, fabricantes de alimentos e medicamentos, promotores de eventos, supermercados e padarias, empresas aéreas e outros, para com o Governo. Esse valor é apenas estimativo.

Tampouco consegue reagir a essa apropriação silenciosa e eficiente: ameaçado de todas as formas, inclusive por intermédio da mídia subserviente comprada pelos governantes, assiste, perplexo, a uma permanente campanha difamatória contra si promovida quando o verdadeiro alvo deveria ser os cargos em comissão, as funções de confiança, os detentores de gratificações ou vantagens espúrias ou mal atribuídas, tudo quanto corrói e solapa a administração pública.

Essa apatia, reforçada por mecanismos táticos compensatórios tais como gratificações, horas-extras, diárias, todas elas impossíveis de serem levadas para a aposentadoria, aliena o servidor público e deteriora a prestação do serviço à Sociedade. E não se está analisando, aqui, o mal que a ausência de uma política de qualificação contínua do servidor público pode causar.

Tentativas esporádicas esbarram no óbvio: de que adianta qualificar-se se não há possibilidade de ascensão profissional, se não há promoção, se não há vantagens e regalias para quem se esforça e carrega o piano? Do ponto de vista estratégico o aviltamento da remuneração dos servidores públicos, no Brasil, implica no comprometimento da capacidade de consumo da classe média, fortemente por eles constituída.

Esse aviltamento cerceia seu poder de compra e estimula a corrupção. Por outro lado implica, também, na impossibilidade de elaboração de políticas públicas consistentes, dado sua falta de qualificação. E como não as há, haja contratos milionários com a iniciativa privada para prestação de assessorias, consultorias e outros, através, quase sempre, de licitações – quando as há – manipuladas.

Até quando, portanto, por intermédio dessa contínua apropriação, a classe média e segmento dos servidores públicos permanecerão bancando, alienados, o pagamento do serviço da dívida e financiando ações sociais assistencialistas, populistas, e obras públicas desnecessárias, impostas à Sociedade por meio de estranhos critérios que a mídia áulica se encarrega de legitimar?

Até quando será a classe média e o servidor público responsável pela benemerência dos governantes junto aos excluídos e miseráveis para assegurar-se seu voto e lealdade política, sem qualquer contrapartida?

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 02/12/2012 - 13:10h

Deus não joga dados?

Por Honório de Medeiros

Como emerge um sistema?

Se considerarmos que Einstein estava correto, e “Deus não joga dados”, ou seja, se está correto o princípio da causalidade que propõe existir uma causa para tudo quanto existe, é possível supor um retorno causal a um ponto-de-partida.

As questões metafísicas, claro, surgem, então, aos borbotões: considerando sempre a perspectiva de uma explicação científica, portanto deixando de lado a hipótese Deus, é de se perguntar o que havia antes desse ponto-de-partida. Não pode ser o “nada”, posto que do “nada”, nada se origina.

Entretanto, se o ponto-de-partida surgiu a partir de algo, voltamos ao início: e o que originou esse ponto-de-partida?

Independente dessas dificuldades próprias de uma concepção determinista do “tudo”, contra ela podemos elencar várias críticas: a concepção indeterminista oriunda da física quântica, ou mesmo o postulado de Göedel, que demonstra a impossibilidade de construir uma linguagem matemática definitivamente consistente que expresse uma realidade, o que nos impossibilitaria de descrever completamente o “tudo”.

Entretanto, a se aceitar nossa condição humana de sermos programados evolutivamente para raciocinarmos causalmente (indução e dedução), podemos conceber a realidade (o “todo”) enquanto um incomensurável sistema, cujo ponto-de-partida perceptível, nas atuais condições, é o “big bang”.

Mesmo assim, provavelmente um infinito em termos de tempo tem que ser percorrido até sermos capazes de compreender como as lacunas entre o “ponto-de-partida” e a realidade atual são preenchidas. Uma tarefa tanto mais complexa quanto parece existir uma persistente impossibilidade de conciliação entre a física newtoniana e einsteiniana com a física quântica.

Em assim sendo, a questão de como emerge um subsistema dentro de outro subsistema, ou seja, como surge um subsistema de normas dentro de um subsistema de poder dentro de um subsistema social dentro de um subsistema orgânico dentro de um subsistema realidade física, nesse diapasão, é realmente uma tarefa descomunal.

Contudo, deterministas, causalistas, sistêmicos, como somos instados a ser para sobrevivermos, mesmo que não tenhamos sequer uma pálida noção de todas as relações existentes entre os subsistemas, e muito menos, daquilo que se origina quando subsistemas se conectam com outros subsistemas engendrando ocupações de “espaços” vazios, não paramos de teorizar, ou seja, construir explicações acerca das lacunas no conhecimento, ou mesmo construir teorias que avançam no desconhecido.

A imagem possível que expressa essa concepção é a mesma, embora em menor infinitamente menor, que a teoria do “big bang” possibilita: o nada sendo ocupado pela matéria, ou seja, a ignorância sendo ocupada pelo conhecimento. Ou seja, uma realidade finita, mas ilimitada, como pensava Einstein, lentamente ocupada pelo conhecimento, até que a equação final explique tudo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado do RN

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domingo - 25/11/2012 - 07:12h

O tempo passa e eu não vejo:durmo novo e acordo velho

Por Honório de Medeiros

Seu ‘Antônio de Luzia’, oitenta e seis anos, sentado em sua cadeira de balanço, na calçada de sua casa, no Sítio Canto, em Martins, é o próprio símbolo da passagem inalterável das manhãs, tardes, noites, madrugadas. Do ritmo lento dos dias que se sucedem bucólicos, tais e quais as contas debulhadas do rosário de ‘Sinhá’, oitenta e poucos não admitidos, deslizam por entre seus dedos, à hora do ângelus, enquanto seu pensamento vagueia nos limites de sua circunstância, e nada escapa do seu olhar dardejante e de seus ouvidos “de tuberculoso”, como me confidencia ela.

Pergunto a Seu Antônio acerca das coisas que estão mudando mundo afora, em uma rapidez vertiginosa, impossível de serem acompanhadas.

Lembro a ele a chegada do homem na Lua, o computador, o celular… Ele fica calado um bocado de tempo.

Quando penso que esqueceu o assunto, ergue um pouco o braço e aponta com o dedo um passante, quebra o silêncio do final-de-tarde e me diz: “desde que o mundo é mundo, podem as coisas ter mudado, mas o homem, meu filho, é o mesmo de sempre”.

“Quando eu era de menino para rapaz”, continua, “pensava que as pessoas lá fora eram diferentes. Viajei, corri légua, vi e ouvi muitas coisas que eu prefiro esquecer, e voltei. Fico comparando o homem que vive lá fora com o homem que vive aqui, e não vejo diferença. Lá se mata, como aqui; lá se bebe, como aqui; lá se trai, como aqui; lá se rouba, como aqui. Tudo que existe lá fora, maior, existe aqui, menor”.

Fez-se silêncio, novamente, durante algum tempo. “Eu às vezes penso” prosseguiu, “que tanto faz como tanto fez, o homem se engana demais com as coisas, é como a roupa que a mulher veste: pode ser de qualquer tipo, mas ela é sempre a mesma”.

E, depois de beber um gole de café, arrematou: “lá fora o tempo passa e eu não vejo: durmo novo e acordo velho; aqui, eu vejo que o tempo não passa: faz uma eternidade que estou vivo!”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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segunda-feira - 19/11/2012 - 09:14h
Opinião

Caridade e solidariedade como atos de fé

Amigos Carlos e Honório,

É sempre um prazer ler o Blog aos domingos. Primeiro, pelos escritos geniais (mas preguiçosos, nesse dia) de Carlos. Depois, porque sempre tem o mestre Honório de Medeiros com sua “pena de ouro”.

Ninguém tem mais sensibilidade e conhecimento de causa do que Honório para escrever sobre o egoísmo social, principalmente por ter sabido servir à sociedade no desempenho de elevados cargos públicos, sem servir-se do posto.

Exerceu com sabedoria e dedicação funções em prol do interesse coletivo, sem encantar-se com a finitude e a transitoriedade do poder. Isso merece uma observação à parte!

Mas, o comentário, além do elogio aos dois, era para registrar um fato: Albert Schweitzer (veja AQUI) era alemão, de família rica, que ao tornar-se pastor evangélico, fez uma opção para servir à pobreza.

Em Mossoró, duas religiosas alemãs (as freiras Liselotte Elfriede Scherzinger, a “Irmã Ellen”, e a irmã “Cristina” Scherzinger), também de rica família de Augsburg, vivem desde 1971, cuidando, medicando, educando e alimentando nossas crianças, em um ambiente não muito diferente de Lambaréné, no Gabão, onde morreu Schweitzer.

Outro exemplo que me vem à mente é o da rica Agnes Gonxha, a “Madre Teresa de Calcutá”, que deixou todo o conforto para dividir a miséria com enfermos de Calcutá.

Resumindo: a caridade e a solidariedade são atos de fé. O egoismo social é a demonstração da descrença no homem e em Deus.

Pena que as nossas igrejas (católicas, evangélicas, pentecostais…) esqueceram as ações sociais e estão cada dia mais voltadas para a teologia do infinito, buscando por meio da oração um Deus vertical, que está no céu, enquanto a teomorfia ensina que Deus está presente no rosto do próximo, do carente que anseia a comida, a bebida e o vestir.

Sem contar a prática da simonia (a venda do sagrado).

Abraços de bem-querer e admiração.

Marcos Araújo – Professor, advogado e webleitor

Nota do Blog – Professor, obrigado pelas palavras. Ao mesmo tempo, admito, meu jeito preguiçoso de encarar o domingo nesta página.

Mas o espaço é sempre aproveitado com textos diferenciados de autores consagrados, pensadores contemporâneos como Honório, poesia, folclore político, música e aforismos que possam contribuir à nossa vida.

Mas falta alguém. Cobro com ardor inquisitorial a sua presença regular entre nós, como bom escultor do verbo que és.

Então, recorro a Michelangelo em nova pressão para que sejas um de nossos colaboradores:

Parla! Parla!

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domingo - 18/11/2012 - 07:02h

As armadilhas do egoísmo social

Por Honório de Medeiros

Quando se dispôs a estudar medicina para, formado, morar na África e cuidar dos miseráveis, Albert Schweitzer já era famoso na Europa inteira como um dos maiores intérpretes de Bach.

Terminado o curso, fundou um hospital no Gabão e, durante o restante de sua vida, enfrentando toda a sorte de adversidades, se doou por inteiro a mais nobre das missões: salvar vidas humanas.

Ele, mais que ninguém, tornou possível acreditarmos na espécie humana, principalmente porque suas ações não foram estimuladas por um projeto político ou vocação religiosa, mas, sim, e somente, pela nobreza de sua alma e pureza de intenções.

Longe de nós acreditarmos que temos o mesmo estofo moral de Albert Schweitzer. Quando muito, se possível, podemos apresentar a virtude de tentarmos ser honestos no dia‑a‑dia. Não é muita coisa, mas, dentro dos nossos limites, é o possível.

Entretanto, parece que até mesmo essa tentativa de honestidade está desaparecendo lentamente do nosso cotidiano.

Basta fazermos um pequeno exame de consciência e a constatação salta aos olhos. Por exemplo: quantas vezes não desrespeitamos as regras do trânsito? Quantas vezes não furamos filas, desrespeitando o direito de quem nos antecedeu? Quantas vezes não aceitamos o jogo do guarda‑de‑trânsito corrupto, e lhe damos a “bola” que ele deseja?

Alguém poderia argumentar que tais infrações são muito pequenas, “o importante é ser honesto no essencial”, e que tudo isso faz parte da sordidez que é, hoje, a vida em sociedade. Ledo engano.

Esses exemplos são reveladores de uma doença social: vivemos hoje em uma sociedade egoísta, narcisista, fútil, enfim totalmente construída a partir de valores negativos: o honesto passa por tolo, o altruísta é visto como excêntrico e, ao contrário, aquele que leva vantagem em tudo é esperto e o mundo, por derradeiro, pertenceria aos cínicos, aos amorais.

Já não existe, por exemplo, nas Universidades, o “espírito” de grandeza que caracterizava os estudantes de antigamente. Fazia‑se direito para lutar pela justiça, e medicina para curar. Hoje, a meta é a profissionalização, no mais curto espaço de tempo e o enriquecimento imediato.

Somos todos “alpinistas sociais” e nos medimos e avaliamos pelo que temos, e não pelo que somos. Esta é a realidade de uma época.

O que não dizer, por exemplo, dos nossos homens públicos? Se analisarmos os candidatos que postulam, nas eleições, esse ou aquele cargo, a qual conclusão chegaremos?

E o resultado de nossa conduta nos agride diariamente: somos vítimas de nossa omissão, colhemos aquilo que semeamos.

Que fazer? Cruzar os braços? Fazer parte, também, da multidão de indigentes morais? Ou dar, pelo menos, na medida de nossa capacidade, pequenos passos para tentar construir um mundo melhor?

Vale salientar que essa opção apresentada diariamente a cada um de nós envolve nosso presente e o futuro de nossos filhos.

Então, a título de exemplo, não deveríamos escolher nossos candidatos a partir de critérios tais como honestidade, competência, amor à coisa pública? Não deveríamos analisar, por exemplo, a conduta passada de cada um deles? Se foi honesto; se prestou algum serviço relevante à comunidade e o fez sem interesse imediato; se foi coerente ideologicamente…

É evidente que, assim como Diógenes, o Cínico, que na Grécia antiga procurava nas ruas de Atenas um homem totalmente honesto, e não o encontrava, possivelmente também não acharemos algum que esteja de acordo com nossa esperança. Mas talvez encontremos um ou outro que tenha pelo menos uma qualidade essencial: não ser corrupto.

Desprezemos, também, os arrivistas, os carreiristas, aqueles reconhecidamente incompetentes e, principalmente, os desonestos ‑ a eles, o ostracismo político. Assim, valorizando nosso voto estamos, mesmo que de forma imperceptível, dando um pequeno‑grande passo para a construção de um mundo melhor.

E, mesmo que seja difícil a luta diária que travamos conosco para sermos um pouco melhor do que éramos ontem, convém ir em frente, pelo menos por dois motivos: somos nós, através de nossas ações e omissões, que construímos o futuro que nossos filhos herdarão; por outro lado, assim agindo, talvez não tenhamos tanta vergonha (para os que a sentem) de sermos tão diferentes de Albert Schweitzer.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 11/11/2012 - 07:05h

Gestão pública

Por Honório de Medeiros

Algum tempo atrás o Fórum Nacional da Previdência debateu, mais uma vez, os problemas da Previdência Nacional, e uma das propostas discutidas constava em um relatório elaborado por Vicente Falconi, do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), de Minas Gerais, o mesmo que foi responsável, entre 2002-2006, pelo choque de gestão pelo qual passou o Governo de Minas e que culminou em zerar o déficit orçamentário, que era de 2,3 bilhões de reais, originando um saldo para investimentos, na época, de mais de três bilhões.

Há algo de original, quanto à gestão pública, na “doutrina” Falconi? Não.

Na verdade, Falconi resgatou, para o setor público, o conceito “PDCA” (Planejar, Desenvolver, Checar e Agir) desenvolvido no Japão, mas criado nos EUA na década de 20, para a iniciativa privada.

Agregue-se ao PDCA, mais especificamente no P, de Planejar, os famosos “o quê, por que, como e quando”, que a sopinha de letras está completa e o planejamento estratégico, pelo menos no papel, aparece perfeito. Na verdade, conforme a própria literatura acerca de gestão pública aponta, o grande problema está no “Checar”.

Tradicionalmente as administrações públicas deixam de lado, quando existe algum planejamento – e o mais das vezes os governos começam sem nenhum – a atividade de checar e padronizar, se tudo estiver correndo bem, ou checar e corrigir, se algo não estiver dando certo. E deixam de lado graças a uma série de componentes dentre os quais avulta, pela importância, o despreparo e a falta de compromisso com aquilo para o qual foram conduzidos pelo voto popular, dos líderes políticos.

Conchavos

Não há checagem porque não é dado prazo para o alcance da meta. Não é dado prazo porque não há decisão política de cobrar resultados quando ele termina.

Pior: mesmo que houvesse prazos, o mau gestor não seria punido, vez que a razão principal de sua presença no “staff” decorre de conchavos políticos ou premiação espúria por conduta partidária.

Não há acompanhamento rígido do planejamento estabelecido por que os compromissos políticos dobram as necessidades administrativas e todo o planejamento – quando o há – rui por terra já no primeiro ano de administração.

Então podemos creditar o sucesso do choque de gestão em Minas Gerais à decisão política do Governador de implementá-la, contra tudo e contra todos. Acredito plenamente que deve ter importado sobremaneira a capacidade de Falconi no sentido de convencer o Governador Aécio Neves de que era possível alcançar as metas estabelecidas se houvesse respaldo às ações a serem desenvolvidas.

Caso contrario teríamos mais uma boa intenção condenada. E o inferno, dizem, está cheio de boas intenções.

O respaldo ao qual aludo acima é, principalmente, no sentido de punir todos quanto não estejam plenamente integrados ao planejamento. Se a checagem mostra que a meta não foi alcançada e isso não aconteceu por falta de competência ou interesse, então o gestor intermediário, ou seja, o responsável terá que se afastado imediatamente sob pena de comprometer o esforço total.

Esse elo da engrenagem que não funciona é como uma célula cancerosa: se não for destruída imediatamente vai originar uma metástase no futuro.

Portanto, não há segredo. O problema é político. Embora seja necessário ressaltar: a tarefa de criar e conduzir esse processo demanda um “know-how” que não é para qualquer um.

Existem ingredientes para além da “sopinha de letras” que somente são detectados, analisados e integrados por quem é do ramo: o gestor tem que ter vocação, talento e disciplina.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 04/11/2012 - 12:16h

A política e a lenda de Diógenes, “o cínico”

Por Honório de Medeiros

“Aqueles que atravessaram
de olhos retos, para o outro reino da
morte
nos recordam – se o fazem – não como
violentas
almas danadas, mas apenas
como os homens ocos
os homens empalhados”.
Os Homens Ocos” (Thomas S. Elliot)

Li, certa vez, há muito tempo, a lenda de Diógenes, O Cínico.

Refiz imprecisamente, claro, na imaginação, a cena: ao ver Diógenes uma criança se dessedentar na margem de um riacho utilizando o côncavo da mão, desfez-se de sua caneca e, a partir de então, somente passou a ter, de seu, o manto com o qual ocultava sua nudez e o tonel onde dormia. A caneca era desnecessária.

Acreditava Diógenes que em nada possuindo, seria um homem livre. E o era, em certo sentido. Há muito de Diógenes na ira de Proudhon ao dizer “toda a propriedade é um roubo!”

Instado por Alexandre, O Grande, seu admirador, a lhe dizer o quê desejava, Diógenes respondeu de pronto pedindo que não fosse obstruída a passagem do sol com o qual se banhava.

Heroicos tempos, aqueles, nos quais homens como Empédocles preferiam descobrir uma só lei causal a governarem o mundo; assim era Atenas, a Hélade, berço da civilização ocidental, aurora da democracia cuja essência repousa no conceito ético de “homem público virtuoso”.

Qual a ligação existente entre a ingênua concepção de mundo de Diógenes e esse homem público virtuoso cujo perfil Péricles tão bem delineou em sua célebre “Oração aos Mortos de Maratona?”

Entre outras uma dicotomia aparente: a virtude privada, de um lado, e, do outro, a virtude pública.

Para Diógenes, o homem somente se realizava através do rompimento com os grilhões que a vida em sociedade impõe; para Péricles, o homem somente se realizaria na medida em que esses grilhões, ou seja, as leis, os costumes, a moral, estabelecidos voluntariamente a partir de uma cultura comum, transformassem o homem em “cidadão”, e em o transformando, concretizassem um ideal de sociedade virtuosa. Ou seja, esse “cidadão” deveria ter altruísmo social, subordinando sua ambição pessoal ao projeto de construção de uma sociedade democrática tal qual a delineada pela “Paidéia” ateniense.

Hoje, ao observarmos o cenário político no qual vivemos, não podemos deixar de nos lastimar. Os políticos pouco ou nada fazem para ocultar a ambição pessoal que origina suas ações políticas, e suas aparições públicas são de um ridículo atroz.

Pior: as agressões pessoais, a lavagem de roupa suja em público, a indigência oratória, a ignorância generalizada, o cinismo deslavado, atingem os eleitores e permitem a continuidade de um processo eleitoral que lembra, a todo instante, para os observadores mais avisados, quão atrasados estamos…

São tais políticos os homens ocos aos quais se refere Elliot. Em ambientes políticos como o que vivemos, florescem as mais exóticas e nocivas plantas.

Trata-se, segundo os cientistas políticos herdeiros do liberalismo, do ônus da democracia. E, assim, por sermos democratas, somos obrigados a conviver com alpinistas sociais, corruptos, mentirosos, hipócritas, arrivistas, aventureiros, e assim por diante.

O homem comum, por não entender a complexidade das forças que dispõem acerca de tal estado de coisas, passa a ansiar pela concretização de fantasias esdrúxulas: alguém que lhe traga ordem, segurança, que restabeleça o “status quo” anterior, o passado mítico…

Torna-se, assim, presa fácil de messiânicos, manipuladores, ilusionistas. Como aconteceu na eleição de Fernando Collor de Mello. Na de Jânio Quadros. Como pode acontecer novamente se nossas instituições continuarem frágeis como o são.

Como pode acontecer novamente se não forem realizadas as reformas econômicas, políticas e sociais das quais tanto necessitamos, e o Brasil se enrodilhe, mais uma vez, na teia de interesses escusos que a ambição de alguns, neste presente momento, com certeza, está tecendo para nossa angústia.

E, em se enrodilhando, em se alienando nessas armadilhas todas, ao longo do tempo amplie, na Sociedade, um sentimento funesto de desencanto com a democracia. Argumentos contra a Democracia não faltam. Sempre existiram, existirão sempre. Inteligentes, sutis, perigosos…

Não faz muito tempo que Jorge Luis Borges a chamou de mera “ficção estatística”.

Argumentos como esses, em ambiente construído e manipulado pelo capitalismo selvagem, no qual a ótica do lucro se impõe à ética do altruísmo social, são apropriados para aventuras tais como censura à imprensa, desprezo às leis e juízes, aplicação do “olho por olho, dente por dente”, corrupção de Estado… Aventuras nas quais todos perdem, inclusive quem as provoca e delas supõe usufruir!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Artigo
domingo - 28/10/2012 - 09:19h

Gosto muito do Facebook

Por Honório de Medeiros

Gosto muito do facebook. E do Google também. Aliás, pelo Google tenho certa reverência.

Penso no Google como a biblioteca de Babel, descrita em um conto de Jorge Luis Borges no livro Ficções, de 1944. O conto, metafísico, diz-nos acerca de uma realidade constituida por uma biblioteca que abriga uma quantidade infinita de livros que são, cada um deles, uma possibilidade alternativa da existência.

Como não reverenciar um ambiente virtual que lhe apresenta, quando consultado, em tempo real, um erudito artigo acerca do “Código de Leicester”, um manuscrito de 36 páginas escrito por Leonardo da Vinci e comprado por Bil Gates por U$ 30,8 milhões?

Entretanto não é acerca do Google que quero escrever. É acerca do “face” como nós o denominamos. O “face” é uma imensa praça virtual. Não sei se fui a primeira pessoa a utilizar essa metáfora, mas é assim que a “batizei” desde o início. Uma praça como o Hyde Park em Londres, só que em ambiente virtual.

Aliás, uma praça como qualquer outra deste mundo de meu Deus. Nela é possível encontrar de tudo. E, usando novamente essa expressão virótica, em “tempo real”.

Muita fofoca, muita coisa ruim, mas também, em contraposição, informações atualizadas, considerações críticas interessantes, rasgos de inteligência fulgurantes, muito humor, tomadas de posição acerca de assuntos candentes, e, talvez o que seja mais importante, a possibilidade de interagir com pessoas com as quais habitualmente você não encontra, mas por quem tem afeto. Não é ele um fabuloso “nicho sociológico”?

Esses dias, por exemplo, houve um apagão no Nordeste. Perto da meia-noite. Eu estava acordado e fui cascavilhar nos sites e blogs de notícia em busca de informação. Nada.

Fui, então, para o “face”. Quando entrei fiquei logo sabendo que o apagão atingira todos os bairros de Natal, as cidades vizinhas, Recife, Mossoró, Sousa, na Paraíba, e até Manaus.

Depois comecei a me divertir com os comentários. Um deles, impagável, dizia que Dilma estava reunida com o ministério, em Brasília, à luz de velas, criando, para o Nordeste, o Programa “Minha Vela, Minha Vida” e o “Bolsa Lamparina”. Essa história, depois, me foi ratificada por uma querida amiga e ex-aluna.

Onde encontrarmos algo semelhante, ou seja, quase tudo em quase nada? No “face” já vi e li pedido de sangue para transfusão e, em pouco tempo, o agradecimento. Vi e li oração, súplica, declaração de amor, de ódio, pedido e oferta de emprego, fotos belíssimas, outras muito ruins, flagrantes da vida real, diatribes, solidão, felicidade, narcisismo, analfabetismo, enfim, tudo quanto caracteriza o ser humano.

Parodiando Terêncio, tudo que é humano interessa ao “face”.

Por outro lado, não consigo aceitar as declarações que atribuem ao “face” um poder alienante sobrenatural. Compreendo que nessas críticas está presente a primitiva mania de antropomorfizar as coisas, de a elas atribuir o que somente a nós diz respeito, tais como os valores a partir dos quais julgamos o que nos cerca, a nós mesmos e aos outros.

O mal está em nós, não nas coisas.

O “face” é um instrumento como outro qualquer. Cabe a nós dar-lhe o destino apropriado. E, me parece, para finalizar, que não há outra opção, no que diz respeito ao “google”, ao “face”, a esse mundo virtual que é o grande salto no futuro: render-se ou se render.

Ficar fora dessa “aldeia global” – fantástica premonição intelectual de Marshall MacLuhan -, em algum tempo será praticamente impossível.

Momentos atrás acompanhei, de perto, um senhor já idoso, frentista, lutando contra as dificuldades que lhe impunha o manuseio, na tela do computador, do programa de pagamento de cartões, em um posto de venda de gasolina. Em certo sentido muito próprio, lutava ele pela sobrevivência em um mundo totalmente desconhecido seu quando era menino.

Bom, quanto aos que torcem o nariz para o “face”, ainda há tempo de correr atrás do prejuízo…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 21/10/2012 - 07:49h

São Paulo, São João com Ipiranga – Uma despedida

Por Honório de Medeiros

“Para se conhecer uma cidade, é necessário viver nela três dias ou trinta anos. Ao final dos trinta anos, verifica-se que o julgamento apos os três dias é que é o bom” (Jean Cocteau, citado em “A biblioteca e seus habitantes”, de Américo de Oliveira Costa).

À noite, todos as nuances da escuridão são ameaças, no centro de São Paulo. O passo de quem lá aporta, por esse ou aquele motivo, desenham incompreensíveis percursos aos olhos de quem os observa. Mas não é embriaguez (ou é); não é o resultado de alguma droga (ou é).

É a distância calculada que se toma de qualquer outro transeunte – esse desconhecido, o perigo.

Os bares da São João. Pequenos. Quase todos lotados apenas de homens. O cheiro de fritura no ar. Os habitantes: bêbados, drogados, prostitutas, traficantes, decaídos, mendigos, travestis, menores, andarilhos, e a polícia, sempre a polícia.

Os hotéis e sua aparência. Qual aparência? De decadência. No meio da rua, noite alta, o adolescente franzino, dentre muitos outros, de cabelos lisos e compridos incessantemente afastados dos olhos, vestido com uma irreal calça “jeans” extremamente folgada, cujos bolsos dianteiros e traseiros batiam-lhe nos joelhos, revoluteava, borbolético, entre um bar e uma casa de diversão de jogos eletrônicos.

No dia seguinte, pela manhã, e já tarde da noite, novamente, lá estava ele, ininterrupto, como se ali fosse seu mundo ou então fizesse ele parte da paisagem local. Onde moraria? Quem seriam seus pais? Teria irmãos? Ninguém sequer lhe aprisionava o olhar.

“Recanto dos Amantes”. Um nome em contraste com a cinza selva de pedra em plena transversal da São João. Lá, ela me disse, olhando para algum ponto indefinido, enquanto segura o copo de conhaque: “talvez não nos vejamos nunca mais”.

O “nunca” me soou estranho. Havia uma melancolia calculada nas suas palavras. Eu me dispus a lhe contar como encarava esses encontros e desencontros da vida: um imenso pátio, vazio, folhas secas pelo chão, uma rajada de vento, a dança delas no ar, o encontro, logo desfeito, casual, entre uma e outra folha – eis como tudo ocorria. Não o fiz.

Como ela engordara muito, esse tom não combinava com sua nova estampa.

A São João, à noite, causa medo aos que não lhe são íntimos. Além de curiosidade e repulsa durante o dia. Quando o sol se põe a São João vira uma selva, onde cada um com o qual se cruza pode ser um predador – aquele que o destino lhe reservou. São os frequentadores de bares suspeitos, inferninhos, prostíbulos disfarçados, pontos de droga… É o submundo vindo à tona.

Com a luz do sol, a vida surge frenética. Há um vai-e-vem intermitente, irritante. Uma profusão de cores, barulhos e os incontáveis odores de frituras e churrascos infestando cada espaço da rua. Tipos exóticos fazem “performances”.

Há desde o comuníssimo tocador de viola, até o singular dançarino imensamente feio que ostenta, como insígnia de sua estranheza, duas inacreditáveis marias-chiquinhas. Nada diferente, ao que consta da realidade de toda grande cidade, mundo afora: Nova Iorque, Tóquio, Cidade do México…

Nada diferente, em menor escala, em cada pequena cidade?

Digo-lhe adeus.

Fico parado observando sua imagem se desvanecer aos poucos enquanto caminha no rumo da Praça da República. Enquanto observo, imagens do passado insistem em surgir. Nelas, uma mulher esguia, morena, de cabelos longos, dança na praia de Genipabu, os pés chapinhando na água, pleno pôr-do-sol, encantada com tanta beleza e contraste com sua terra natal.

Mas não há dor, há vazio. Aliás, há a dor do vazio.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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sábado - 20/10/2012 - 08:43h
Cultura

“Luiz Gonzaga e o Rio Grande do Norte” em livro

Do Blog de Honório de Medeiros

Conhecido nacionalmente por suas pesquisas acerca de cultura popular, bem como por seus cordéis, o poeta, cangaceirólogo e estudioso de Luiz Gonzaga –  Kydelmir Dantas, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) lança, em Natal,  “Luiz Gonzaga e o Rio Grande do Norte”.

Será durante a Feira de Livros e Quadrinhos (FLIQ), às 19h3 de 26 de outubro, na Praça Cívica do Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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Categoria(s): Cultura
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domingo - 14/10/2012 - 07:33h

O que leva o jovem ao crime

Por Honório de Medeiros

Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.

A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência, a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.

É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.

A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.”

É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos.

De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas.

Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada… E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente.

Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamo-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.

Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro.

Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 30/09/2012 - 11:38h

Lutar pelo controle. Obter o controle. Manter o controle.

Por Honório de Medeiros

Obter o controle. Estar no controle. Manter o controle. Faz parte da parafernália ideológica que é a tal da estratégia militar ou de combate. Está em Chomsky, basta lê-lo.

Quem tem o controle tem o Poder, dizia, para um dos seus escravos, o extraterrestre que governava a terra no romance de L. Ron Hubbard, aquele autor americano de ficção científica que ficou mais famoso como criador da Cientologia, estranha seita preferida de 10 entre 10 atores famosos americanos.

O controle está para o Poder como a célula está para o tecido, o átomo para a matéria, digo eu. É através do controle que se estabelece a hierarquia, seja qual seja o ser vivo, parodiando Popper e sua Teoria Evolucionária do Conhecimento, ou seja, da ameba ao humano.

Lula, que não é lido, mas não é burro, deixou bem claro ao analisar Pedro Simon e sua quixotesca candidatura a Presidente do Senado: “ele não é confiável”. Confiável ou controlável?

Dá no mesmo nesse contexto sórdido da política. Na raiz desse controle está a tendência inata do ser humano de explorar, absorver, extrair, para si, tudo quanto, naquilo que o cerca, amplie sua possibilidade de sobrevivência.

Dawkins – esse mesmo que desencadeou uma cruzada contra Deus a partir de Darwin – afirmaria que fazemos isso manipulados pelos nossos genes. Para ele, nós somos nossos genes. O resto é invólucro. Ou seja, o resto é resto.

Há controvérsias.

Alguns acham muito radical essa teoria. Trazer para o mais íntimo de nós, no aspecto físico, o que está por trás – mesmo que remotamente – das ações humanas deu um corpo de vantagem a Darwin sobre o velho Marx. Este, como se sabe, coloca a divisão do trabalho na raiz do problema do controle. Esta, a divisão do trabalho, vai fazer surgir a propriedade privada, ou vice-versa, as relações de produção, a infra-estrutura material, a superestrutura ideológica, enfim, ufa!, a luta de classes e a exploração do homem pelo homem.

Mas o que estaria por trás do surgimento da propriedade privada? O que está no começo da exploração do homem pelo homem? Marx não disse.

Talvez seu companheiro Engels tenha esboçado algo a respeito a partir da análise dos estudos de Morgan, um antropólogo e etnólogo americano que andou estudando os nativos de seu país no final do século XIX, em uma obra que é muito citada nos meios acadêmicos e pouco lida.

Pois Darwin disse. Disse claramente. E com ele, começou um novo capítulo das ciências sociais e, mais especificamente falando, da Psicologia Social Evolutiva.

Pois bem: voltamos ao ponto de partida.

Somos levados, instintivamente, a controlar para explorar. Isso tanto em nível pessoal quanto social. Quem controla estabelece hierarquia. O povo, que não é besta, há muito denuncia, como pode, a arrogância da elite que põe o dedo em riste e pergunta ao Zé Mané: “você sabe com quem está falando?”, para tentá-lo controlar.

E não há limite para a intenção de controle. O céu é o limite. “Quanto mais temos, mais queremos ter.” O povo diz, o povo sabe.

O senso comum é o ponto de partida para o conhecimento. Quanto mais queremos ter, mais nos tornamos predadores.

Claro que os controladores dão nomes bonitos a tudo isso. Faz parte do jogo, é uma estratégia de controle. Chamam a esse impulso predatório de ambição social, luta para deixar o legado na história, defender os interesses da sociedade, luta para ascender na escala social… Tudo lorota.

Na essência, é o ruim e velho capitalismo de guerra e sua teia de argumentos justificatórios. No âmago do âmago, como diriam os exagerados, está esse egoísmo inato cujas vísceras Darwin expôs. E os santos, alguém perguntaria. O altruísmo, diria eu, é sempre uma espécie do egoísmo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 23/09/2012 - 09:13h

Esquerda e direita

Por Honório de Medeiros

Ronda por aí a idéia de que “esquerda” e “direita”, no Brasil, e mesmo no mundo, não mais seriam conceitos distintos um do outro. Principalmente no que diz respeito à economia.

Nada tão distante da realidade, mas é fácil entender a razão: hoje, graças a um colossal, persistente e antigo processo midiático, o capitalismo, enquanto visão do mundo, tornou-se praticamente hegemônico. Isso mesmo: quase não há ninguém que sustente, com alguma consistência, um ideário de esquerda, a não ser, talvez, o já dinossáurico, e algumas vezes equivocado, Noam Chomsky.

Tal se deve a vários fatores, mas dois são fundamentais e ambos estão entrelaçados pelo mesmo núcleo. Dizem respeito à queda do “Muro de Berlim” e, no Brasil, ao aviltamento do PT. O que os une é o fato de ambos, tanto a URSS quanto o PT, jamais terem sido de esquerda.

Quando muito abrigavam, por falta de opção, pessoas de esquerda. A esquerda é, ontologicamente, fulcrada no valor “solidariedade”, enquanto a direita se firma na competição.

Subjacente à noção de que somos essencialmente competitivos, não solidários, está o corolário do lucro e da ambição. Para a esquerda, devemos solidarizar o lucro; para a direita devemos e podemos lucrar com a solidariedade.

A esquerda é, ontologicamente, anticapitalista. Isso significa dizer que, para ela, os meios de produção devem ser socializados. Ou seja, não deve haver muito na mão de poucos, mas, sim, um pouco na mão de todos no que diz respeito à produção e ao gozo do lucro. Ao invés da produção de capital financeiro, o socialismo quer a produção do capital social.

Nesse sentido, tanto faz opor-se ao capitalismo de Estado intervencionista quanto ao capitalismo de Estado Mínimo – este uma verdadeira utopia retórica criada nos laboratórios dos economistas à soldo do grande capital para engabelar os inocentes úteis e os inúteis, igualmente.

A esquerda é, ontologicamente, anti-autoritária. Ela denuncia, posiciona-se contra, rebela-se, e não aceita qualquer imposição do Estado sobre a Sociedade à reboque de uma miragem tal qual um futuro idealizado, como nos apresentam os tecnopolíticos de plantão que pensam serem possuidores dos remédios milagrosos necessários para catapultar este ou aquele país à redenção sócio-econômica destruindo, pela base, as conquistas sociais dos últimos anos.

Típica dessa postura, por exemplo, é o pensamento de Chomsky, já citado acima:

(…) o princípio básico que eu gostaria de ver comunicado às pessoas é a idéia de que qualquer forma de autoridade, domínio e hierarquia, toda estrutura autoritária, tem de provar que se justifica – não tem qualquer justificativa A PRIORI.

Por ser anti-autoritária, a esquerda tem um compromisso imediato e direto com a Sociedade, nunca com o Estado, este um instrumento de opressão cujos fundamentos ontológicos, sob os quais repousa sua suposta legitimidade, são flatus vocis. A verdade é que do ponto de vista da propaganda o capitalismo, ou seja, a direita, apregoa que ganhou a guerra. Não mesmo.

Quando menos se espera a Sociedade resiste, e o colossal processo de exploração através do qual a cada dia um número maior de pessoas, possui menos, fica exposto a olho nu.

Neste momento mesmo alguns, até então desavisados, mas puros de intenção, percebem onde estão metidos e apontam as fragilidades e inconsistências de um modelo que se firma no que pode arrancar, enquanto mais-valia, do grosso da população. São os arautos de uma nova era, a da aldeia global da qual nos falou Marshall McLuhan, onde qualquer informação é, sob todos os ângulos que se possam imaginar, do domínio de todos.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado

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domingo - 16/09/2012 - 07:43h

O postulado fundamental do ensino

Por Honório de Medeiros

“Aprendemos quando nos defrontamos com um problema, qualquer que seja ele.”

Que o ensino, no Brasil, é completamente ultrapassado, basta cada um de nós recordar seus tempos de estudante e a ênfase dada, em cada Escola ou Faculdade, ao primado da informação sobre o conhecimento.

Em texto publicado anteriormente dissemos qual a distinção entre “Se informar ou ser informado e conhecer” (//honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2012/09/aprender-aprender.html).

Pois bem, o ensino tal qual é praticado hoje, no Brasil, com esse viés de informar, é anterior à presença, no País, dos jesuítas. Melhor, é anterior à Alta Idade Média, onde o ensino ocorria por intermédio do estímulo ao debate, à discussão, como nos mostra Jacques Le Goff em “Os intelectuais da Idade Média”:

Com base no comentário de texto, a ‘Lectio’, análise em profundidade que parte da análise gramatical, a qual produz a letra (Littera), ergue-se a explicação lógica que fornece o sentido (Sensus) e termina pela exegese que revela o contéudo da ciência e do pensamento (Sententia).

Mas o comentário provoca a discussão.

A dialética permite ultrapassar a compreensão do texto para ir aos problemas que levanta, faz com que o texto se apague diante da busca da verdade. Um extensa problemática substitui a exegese. De acordo com procedimentos próprios, a ‘lectio’ se desenvolve em ‘quaestio’.

O intelectual universitário nasce a partir do momento em que põe em questão o texto, que não é mais do que uma base, e então de passivo se torna ativo. O mestre deixa de ser um exegeta, torna-se um pensador. Dá suas soluções, cria. Sua conclusão da ‘Quaestio’, a ‘Determinatio’, é a obra de seu pensamento.

A partir de 1599 a Companhia de Jesus colocou em vigor o famoso Ratio Studiorum, uma espécie de coletânea privada, que surgiu com a necessidade de unificar o procedimento pedagógico dos jesuítas diante da explosão do número de colégios confiados aos jesuítas.

O modelo jesuítico, presente desde o início da colonização do Brasil pelos portugueses, apresentava os passos fundamentais de uma aula: preleção do conteúdo pelo professor, levantamento de dúvidas dos alunos e exercícios para fixação, cabendo ao aluno a memorização para a prova.

Como se pode depreender falta, ao ensino, no Brasil de hoje, comparando com a época dos portugueses, o estímulo ao levantamento de dúvidas, à crítica, por parte dos alunos. As aulas são preleções e nada mais…

Bachelard, comentando o cenário dos obstáculos epistemológicos à obtenção do conhecimento, em “A formação do espírito científico”, lembra que:

No decurso de minha longa e variada carreira, nunca vi um educador mudar de método pedagógico. O educador não tem o ‘senso do fracasso’ justamente porque se acha um mestre. Quem ensina manda.

COMO APRENDEMOS quando nos defrontamos com um problema, qualquer que seja ele, as preleções, meras exposições, podem até nos informar, mas, com certeza, em nada contribuem, além de fomentar o tédio, para o nosso conhecimento.

Aliás, é bom que saibamos distinguir entre aprender e conhecer. Que nós conhecemos quando aprendemos, quanto a isso não há qualquer dúvida. Se aprendemos, conhecemos; se conhecemos, aprendemos.

Entretanto, por uma questão pedagógica, costumamos distinguir o aprender do conhecer no sentido de que, no primeiro caso, nos referimos, tecnicamente, a aquilo que resulta da busca deliberada de conhecer.

Aqui, o “deliberada” faz a diferença, na medida em que podemos conhecer sem que tenhamos nos encaminhado para isso, bem como podemos conhecer enquanto resultado desejado, buscado, e alcançado. Não por outra razão, se eu digo “eu aprendo”, estou me referindo ao processo por intermédio do qual eu obtenho o conhecimento.

Se eu digo “eu conheço”, significa que compreendo, entendo, apreendo aquilo acerca do qual me refiro. Ou seja, o aprender decorre do processo de aprendizado, que é algo que se busca conscientemente. Nesse sentido, o conhecer engloba o aprender, vez que o conhecer tanto pode ocorrer desde que queiramos, quanto pode ocorrer mesmo que não o queiramos.

No sentido utilizado neste texto, todavia, não há distinção a ser feita. Aqui, aprender tem o sentido de conhecer, e o conhecimento é alcançado, no sentido que se deve almejar nas escolas e universidades, na medida em que problematizamos a realidade, ou seja, enquanto alunos, criticamos sistematicamente, vigorosamente, a informação que nos é ofertada por intermédio das preleções dos professores.

Recordemos Popper, em “Conjecturas e refutações”:

– Cada problema surge da descoberta de que algo não está em ordem com nosso suposto conhecimento; ou examinado logicamente, da descoberta de uma contradição interna entre nosso suposto conhecimento e os fatos; ou, declarado talvez mais corretamente, da descoberta de uma contradição aparente entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos..”

E Bachelard, em obra acima mencionada”:

– No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos (…)

Ainda:

– Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, por fim: “Em resumo, o homem movido pelo espírito científico deseja saber, mas para, imediatamente, melhor questionar”.

Portanto o estímulo a essa crítica sistemática e vigorosa, ao debate, à discussão, por parte dos alunos, às informações veiculadas pelos centros de saber deve ser um postulado fundamental do ensino que pretenda alcançar níveis superiores de excelência.

Na verdade, esse estímulo deveria se constituir numa verdadeira “paidéia”, um ideal de civilização, algo intrínseco à nossa sociedade, principalmente hoje em dia, com a permanente ameaça à Liberdade por parte do Estado, dos seus aparelhos de controle, e daqueles que o usam em proveito próprio.

O limite ao Estado foi, é, e sempre será, a sociedade livre e não-alienada.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN.

* Veja AQUI este texto original e links para outras postagens correlatas que fala sobre ensino, educação e formação intelectual. Imperdível.

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domingo - 09/09/2012 - 08:07h

Aprender a aprender

Por Honório de Medeiros

1) APRENDEMOS quando nos defrontamos com um problema, qualquer que seja ele; como lembra Popper:

– Cada problema surge da descoberta de que algo não está em ordem com nosso suposto conhecimento; ou examinado logicamente, da descoberta de uma contradição interna entre nosso suposto conhecimento e os fatos; ou, declarado talvez mais corretamente, da descoberta de uma contradição aparente entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos..”

a) ESSE problema pode ser inesperado (não por outra razão a sabedoria popular diz: “a necessidade é a mãe da invenção).

b) ESSE problema pode ser provocado:

b.1) QUANDO problematizamos as coisas e/ou os fenômenos (como disse Gaston Bachelard, “O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”); b.1.1) POR intermédio da contra-argumentação, utilizando o contraexemplo;

b.1.2) POR intermédio do uso da técnica jornalística: o quê, quem, quando, onde, por que e para quê.

2) QUALQUER problema é, antes de tudo, uma questão do espírito (intelectual), mesmo no trabalho puramente mecânico.

3) ELABORAMOS teorias que são soluções provisórias a serem testadas.

a) O teste dirá se erramos ou acertamos;

b) O erro nos ensina, posto que não precisamos mais trilhar o mesmo caminho já tentado.

4) SE aprendemos quando nos deparamos com um problema, há um conhecimento que o antecede e nos permite identifica-lo.

5) SE o conhecimento é retificável, é evolutivo, no sentido de que caminha sempre do mais simples para o mais complexo.

6) O conhecimento pode, então, ser compreendido como um “vir-a-ser” de complexidade cada vez maior.

7) A recusa em problematizar as coisas e/ou fenômenos conduz a neuroses. Aqui se compreenda essa recusa como uma fuga do problema com o qual alguém se defrontou.

8) O como dizemos a nós mesmos, ou aos outros, o que aprendemos é papel da Retórica: podemos ser convencidos ou seduzidos, convencer ou seduzir.

9) NÃO é possível comparar INFORMAÇÃO com CONHECIMENTO; quando conheço, estou informado, mas, nem sempre, quando estou informado, conheço. Posso estar informado de algo sem compreendê-lo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 02/09/2012 - 07:49h

A crítica é o pressuposto do conhecimento consciente

Por Honório de Medeiros

Um dos maiores, senão o maior, males do qual padece a Educação, é a crença – o termo correto é esse – no aprendizado por informação.

Por essa crença nosso cérebro é como um recipiente vazio que deve ser preenchido com o conhecimento que nos for fornecido. Popper denomina essa crença de “Teoria do Balde Vazio”, e ela depende, fundamentalmente, da suposição de que conhecemos por que observamos, o que nos conduz a um empirismo ingênuo, no qual a observação do que somos e do que nos cerca é possível graças ao raciocínio indutivo.

Este não é o espaço apropriado para analises acerca dessas teorias. Convém lembrar, de forma parafraseada, entretanto, um “blague” que Popper, em tom irônico, apresenta em uma de suas obras dedicadas à Teoria do Conhecimento: se solicitarmos a algumas pessoas que durante certo tempo cronometrado apenas observem, e, em seguida, nos digam o que aprenderam com essa observação, provavelmente todas elas indagarão: “em relação ao quê?”

Pois parece óbvio que somente é possível o conhecimento de algo a partir de um conhecimento já existente, o que situa a observação no seu devido lugar, qual seja o de comprovar, ou negar, uma teoria já existente.

Não por outra razão a informação (conhecimento) que não é precedida de um conhecimento real, concreto, indiscutível, que nos permita aceitar de forma crítica, e, portanto, entender aquilo acerca do qual que se está sendo informado, resulta em nada. E, também, não por outra razão, lê-se sem que se compreenda, participa-se dos fatos sem que se aquilatem suas causas, essência, e consequências, fala-se e escreve-se o que não tem sentido, concretizando a imagem fiel da alienação intelectual que descreve tão bem os habitantes do mundo em que vivemos.

Para que se estabeleça o processo de aquisição do conhecimento é preciso que algo deflagre, em nós, a angústia criativa de sobreviver a uma realidade que não mais é apreendida pelo que sabíamos até então. Ocorre em situações críticas, e independentes de nossa vontade.

O senso comum diz isso de forma brilhante: “a necessidade é a mãe da invenção”.

Podemos, entretanto, gerar esse processo de conhecimento. Se formos estimulados a criticar (no sentido de buscar falhas, contradições, desarmonias) na informação que nos é fornecida, com certeza avançaremos. A crítica, portanto, é o pressuposto do conhecimento consciente. Não por outra razão Bachelard, o poeta/filósofo, afirmou:

– O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão.

E não por outra razão Kiekergaard nos impeliu a “duvidar de tudo”.

Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam do contraste entre o conhecimento antigo, a expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos.

Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin.

A técnica mais banal para o exercício da crítica é o uso do contra-argumento (contra-exemplo). Uma vez tendo recebido alguma informação, submetamo-la à crítica, argumentando na medida de nossas possibilidades, contra ela.

Nada teremos a perder, muito teremos a ganhar em utilizando tal técnica.

Outra técnica simples é indagar, dialogar com a informação. Para tanto cabe usar o que nos ensina a técnica jornalística, indagando a nós mesmos e também respondendo: Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê?

Uma vez que o espírito da crítica pedagógica, a vigilância epistemológica que pode conduzir à ruptura epistemológica, à “reforma das ilusões”, se estabeleça como “Paidéia”, padrão cultural, ideal civilizatório, o avanço será inexorável, e a nossa Educação somente ganhará com essa opção.

Para que se tenha ideia de como não evoluímos ao longo desses anos, em discurso na solenidade de formatura de todas as turmas concluintes do ano de 1982, representando os alunos, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tive a oportunidade de dizer:

– Como entender, por exemplo, que no âmbito da Universidade, onde o sonho e a crítica deveriam caminhar de mãos dadas, permeando a efígie do futuro de esperança e conhecimento, nada mais se encontre do que o imediatismo, o pragmatismo solerte e a mera repetição anacrônica de informações? Como aceitar a inacreditável relação professor-aluno, completamente abstraída da consciência do saber, que conjuntamente com a preocupação de suscitar dialéticas, referendar críticas e debates livres, numa ontologia da ideia ensinada e na aplicação do racionalismo docente, constitui a preocupação básica de Gaston Bachelard, exposta em sua obra “Racionalismo Aplicado”, onde nos lembra: “De fato, numa educação de racionalismo aplicado, de racionalismo em ação de cultura, o mestre apresenta-se como negador de aparências, como freio a convicções rápidas. Ele deve tornar mediato o que a percepção proporciona imediatamente. De modo geral, ele deve entrosar o aluno na luta das ideias e dos fatos, fazendo-o observar bem a inadequação primitiva de ideia com o fato.

Se na observação do problema limitamo-nos ao componente psicológico da relação professor-aluno, necessário se faz observar os próprios problemas estruturais em torno dos quais gravitam os específicos. Precisamos ir ao encontro do espírito mais geral que preside os fatos e as idéias no âmbito da Universidade.

Fundamental é retornar à consciência crítica e política no sentido socrático-aristotélico, que é seu pressuposto maior. Fundamental é acreditar que quimera e contestação, a discussão, a livre manifestação de idéias – alicerce do conhecimento – caminham ou caminharão nos corredores da Universidade.

Portanto, precisamos ensinar a criticar, para que seja possível o conhecer, afastando, de vez, essa perspectiva ideologicamente equivocada e intelectualmente ultrapassada de informar para formar.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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