domingo - 21/04/2024 - 10:48h

Direito à liberdade de expressão

Por Odemirton FilhoLiberdade de Expressão

Ultimamente, o debate sobre o direito à liberdade de expressão tem ganhado relevância no meio político e jurídico. Há uma gama de ardorosos defensores de parte a parte. Discussões acaloradas, por vezes, agressivas, têm sido a tônica dos últimos tempos; todos são os donos da razão.

De um lado, os defensores da liberdade de expressão alegam que não se pode cercear o direito de dizer o que se pensa, com fundamento no que prescreve a Constituição Federal:

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. (Art. 5º).

E mais:

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição; é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. (Art. 220).

Diz o professor de direito Constitucional, Dirley da Cunha Júnior: “a liberdade de opinião, portanto, constitui-se em direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica”.

Por outro lado, há quem afirme que nenhum direito é absoluto. Existem limites que devem ser respeitados. O direito à liberdade de expressão não alberga o direito à liberdade de agressão. Não se pode, dizem, usar o direito de se expressar para a prática de crimes, como, por exemplo, a injúria, a calúnia e a difamação.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, acusado por alguns de estar instaurando uma ditadura do Poder Judiciário, diz que a liberdade de expressão não é liberdade de agressão, não é liberdade de ofensa, de ameaça. “Esse discurso de que (com a regulação das redes) o que se quer limitar é liberdade de expressão, é um uma narrativa construída pela extrema direita no mundo todo. Porque é um discurso fácil”.

Percebe-se que há argumentos razoáveis de ambos os lados. A nossa Constituição Republicana garante à liberdade de dizer o que pensamos, pois “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

E se alguém nos ofender? Nesse caso, é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, sem prejuízo das ações penais quando praticados crimes contra a honra, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Ressalte-se que não é liberdade de expressão, e sim crime previsto no Art. 286 do Código Penal, quem incitar, publicamente, a prática de crime, bem como, quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.

Acrescente-se que o debate sobre o limite da liberdade de expressão não é hoje. O filósofo britânico John Stuart Mill, em livro publicado no ano de 1859, Sobre a liberdade, já dizia:

“O mal particular em silenciar a expressão de uma opinião é que constitui um roubo à humanidade; à posteridade, bem como à geração atual; àqueles que discordam da opinião, mais ainda do que àqueles que a sustentam. Se a opinião for correta, ficarão privados da oportunidade de trocar erro por verdade; se estiver errada, perdem uma impressão mais clara e viva da verdade, produzida pela sua confrontação com o erro – o que constitui um benefício quase igualmente grande”.

E continua:

“Nunca podemos ter a certeza de que a opinião que procuramos amordaçar seja falsa; e, mesmo que tivéssemos, amordaçá-la seria, ainda assim, um mal.

Assim, diante de tudo o que foi exposto, é possível afirmar que, atualmente, há cerceamento do direito à liberdade de expressão no Brasil?

Tirem as suas conclusões, se possível, sem as amarras do radicalismo político-ideológico que viceja no país e no mundo.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Artigo
domingo - 07/04/2024 - 08:30h

Palavras de motivação

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativa IA

Foto ilustrativa IA

Quando os caminhos de algumas pessoas se cruzam, talvez, seja a mão de Deus, talvez, o destino. Não sei. Mas, de vez em quando, esses encontros podem mudar a vida de uma pessoa; pode ser o início de uma nova caminhada, de um olhar diferente para um horizonte que, às vezes, encontra-se nublado.

Pois bem. Na semana passada, ao intimar uma jovem lá na cidade de Grossos, tive uma grata surpresa. Ela me disse que há algum tempo se encontrava triste, pois a sua família estava atravessando dificuldades financeiras, numa situação delicada, além do que, a sua mãe tentara suicídio.

Disse-me que na ocasião, ao intimá-la, eu conversei um pouco com ela, dizendo-lhe para levantar a cabeça, seguir em frente, com fé, e que nunca deixasse de estudar.

Ela me agradeceu, emocionada, dizendo-me que eu tinha sido um instrumento nas mãos de Deus para que não desistisse de tentar concretizar os seus sonhos. Disse que atualmente está cursando Pedagogia, prestando alguns concursos públicos e, se Deus quiser, mudará a sua vida e da sua família.

Confesso que fiquei encabulado com as palavras de agradecimento. Não lembrava de tal fato. Por outro lado, fiquei bastante feliz por ter, de alguma forma, ajudado àquela moça. Nunca pensei que algumas palavras de motivação, de forma despretensiosa, pudessem realmente ser um farol a iluminar caminhos. Com certeza, o mérito é todo daquela jovem, pois a sua força de vontade a fez trilhar outro rumo.

Contudo, fiquei a pensar como as palavras podem ser fundamentais para ajudar uma pessoa. É claro que um gesto concreto tem a sua importância. Todavia, em certos momentos da vida, as palavras certas podem aplacar um coração que se encontra dolorido. Quem não gosta de ouvir um elogio? De uma palavra de conforto? De esperança?

Num mundo marcado pelo ódio e o radicalismo, sobretudo nas redes sociais, as palavras de motivação devem fazer parte do nosso vocabulário. Palavras que inspirem pessoas, dando-lhes força para mudar de vida e seguir em busca de seus objetivos.

Vez ou outra as palavras que dissemos nos servem também. Muitas vezes, o que estamos a dizer é uma resposta aos nossos questionamentos e angústias.

Se é assim, façamos a nossa parte, sejamos mensageiros da esperança e da fé.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos.

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domingo - 31/03/2024 - 08:22h

Tudo demais é veneno

Ilustração Freepick

Ilustração Freepick

Por Odemirton Filho

Há tempos procurava seguir por outro caminho, pois estava cansado da vida. O trabalho o consumia, mal sobrava tempo para curtir a vida ao lado de quem amava. Era preciso trabalhar para pagar os boletos. A vida se resumia a trabalhar? Seria um viciado no trabalho? Um workaholic? Pensava. Ao sair em férias nunca relaxava. Tinha medo de ser mandado embora quando voltasse.

O ambiente no trabalho era tóxico. A competitividade entre os colegas saltava aos olhos, desconfiavam uns dos outros; sem falar nos “puxadores de tapetes”. Os chefes sempre pediam o cumprimento das metas, e as metas nunca acabavam. Precisava era dar outro rumo à vida; aproveitar os poucos momentos para se distrair.

Os filhos cobravam a sua presença. “Sente um pouquinho aqui, papai, brinque com a gente”, diziam. E ele nunca podia, pois estava sempre ocupado, pensando nos relatórios a serem entregues. Já tinha visto colegas com vários anos de empresas serem demitidos por qualquer motivo.

Em dez minutos, após a comunicação do desligamento (um eufemismo para demissão), as senhas de acesso aos sistemas estavam bloqueadas. Consideração pelos anos dedicados à empresa? Rsrsrsrs.

Ficava a pensar: pedir demissão e ir vender coco na praia é coisa de filme ou novela. Não podia ter esse luxo, pois as contas de água, luz, prestação da casa, do carro, colégio dos meninos e a feira não esperavam. Porém, lembrou-se do livro de Aristóteles, filósofo grego.

O pensador considerava que os “impulsos humanos podem levar o indivíduo a extremos em termos de comportamento, e esses extremos representam o vício (o contrário da virtude). Por outro lado, a virtude estaria no equilíbrio, no controle sobre esses impulsos na busca pelo ideal de equilíbrio”.

A partir de então começou a não levar trabalho para casa. Sempre encontrava um tempinho para namorar a sua mulher; tirava meia hora por dia para brincar com os seus filhos.

Nos finais de semana não atendia aos telefonemas dos colegas da empresa para falar sobre trabalho. Aos pouquinhos foi encontrando o meio-termo. Nada de excessos. “Tudo demais é veneno”, diz a sabedoria popular.

A virtude está no meio.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 24/03/2024 - 08:40h

Um fio de esperança

Por Odemirton Filho  

Foto ilustrativa Viver Sem Drogas

Foto ilustrativa Viver Sem Drogas

Um dia desses, no centro da cidade, encontrei um daqueles inúmeros moradores de rua, ali, no entorno da Catedral de Santa Luzia. Um jovem magro e maltrapilho. Sentado numa calçada, ele fumava uma pedra de crack, de forma despreocupada. Já o vi várias vezes pelas ruas, sempre pedindo alguma coisa para comer.

Ele me pediu uns trocados e disse:

– “Doutor, a pedra só custa R$ 5,00, a inflação não atingiu o mercado negro, nunca roubei ou furtei pra sustentar o meu vício”.

Se é verdade o que ele disse, não sei, mas impressionou-me o seu linguajar. Muito embora, como sabemos, pessoas das mais variadas classes sociais e grau de instrução caiam no vício.

Contudo, qual a história de vida daquele rapaz de apenas 28 anos de idade? Onde está a sua família? Cansou de ajudá-lo a sair do mundo das drogas? Não sabemos o que o levou a entrar nessa vida.

Fiquei a imaginar o número de pessoas, sobretudo jovens, que envereda por esse caminho, muitas vezes, sem volta. Eu tenho um primo, um excelente profissional, conhecido na cidade por fazer a locução de comícios. Ele, segundo dizem, caiu nas drogas e sumiu no mundo, há tempos não temos notícias.

Certa vez, eu procurei uma senhora lá em Areia Branca. Tinha uma intimação para dois netos seus. Ela, com lágrimas nos olhos, disse-me:

– “Meu filho, meus netos não moram mais aqui, tive que colocá-los pra fora de casa, pois eles venderam até as minhas calcinhas pra comprar drogas”.

Lá na comunidade de Logradouro, em Porto do Mangue, uma mãe, toda vez que vou à procura de seu filho para intimá-lo, começa a chorar. Diz que não tem notícia dele. Outra mãe, que teve os dois filhos vítimas de homicídio, quando pedi para que me apresentasse as certidões de óbito para juntar ao processo, chorou copiosamente.

São muitos os casos, muita dor e sofrimento envolvidos, principalmente para os pais.

Que fique bem claro: não estou a defender “bandidos”, pessoas que optaram por esse mundo, fazendo do tráfico de drogas um meio de vida, bem como daqueles que usam as drogas como justificativa para cometerem os mais variados crimes, pois já destruíram a vida de muitas famílias. Esses devem ser punidos na forma da lei.

Falo é nos dependentes químicos, nas pessoas que estão nas “cracolândias” da vida, precisando de um tratamento adequado para se livrar do vício, como aquele jovem rapaz que encontrei pelas ruas do centro da cidade. É uma triste realidade do nosso tempo.

Não há outro destino para eles? Quero crer que ainda existe um fio de esperança, e que possam trilhar outros caminhos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 17/03/2024 - 07:44h

Amigos virtuais, amigos reais

Redes sociais IIPor Odemirton Filho

Vi que nas minhas redes sociais tenho quase cinco mil amigos/seguidores. Cinco mil, vejam só. Fiquei impressionado com a quantidade, pois sou um simples mortal, sem fama e grana. Mais impressionado fiquei com a facilidade de hoje em dia fazermos amigos de forma instantânea, vapt vupt.

Por ter sido professor por quinze anos, creio ser a razão de tantos amigos virtuais. Talvez, se fizer uma triagem desses amigos, não atinja 1% por cento com os quais já sentei à mesa para tomar um café e jogar conversa fora. A maioria destes cinco mil amigos mal me conhece; e eu mal os conheço. Digo, conhecer de vera.

Não é preciso, é certo, uma ruma de tempo para uma amizade se firmar, pois há amizades formadas de chofre. Entretanto, para mim, amigos são aqueles forjados no dia a dia, no compartilhar de sonhos e dificuldades. Amigos, não somente de mesa de bar, mas amigos sempre à disposição para nos ouvir e ajudar. Amigos reais choram e riem ao nosso lado. Ora, nem alguns membros de nossas famílias são garantia de uma verdadeira amizade.

Como sabemos até os amigos de infância se distanciam. Cada um vai para um lado. A vida, por vezes, encarrega-se de afastá-los. Poucas amizades conseguem vencer o tempo. Contudo, quando conseguem, são amizades sólidas. As relações humanas na modernidade líquida são marcadas pela brevidade e pela fragilidade, substituindo laços duradouros por conexões passageiras, como bem disse Zygmunt Bauman.

Nas postagens das redes sociais, somente observamos fotos de momentos felizes, viagens, festas, entre outras ocasiões agradáveis. Poucos expõem suas angústias, dores da alma, pois, naquele universo virtual, só alguns estão prontos a ajudar. Não tenho nada contra os meus cinco mil amigos virtuais, é claro, estou apenas a dizer da superficialidade dessas relações. São muitos os amigos virtuais, poucos, os reais.

Aliás, li uma postagem nas redes sociais que dizia mais ou menos assim: “um dia você saiu com seus amigos de infância para andar de bicicleta e nem percebeu que foi a última vez”. Dos amigos com os quais andava de bicicleta no patamar da Igreja de São Vicente ainda restaram alguns “gatos pingados”.

Pois é, contam-se nos dedos de uma mão os amigos reais.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 10/03/2024 - 08:34h

A felicidade de um pai

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativo do Diário da Mamãe

Foto ilustrativo do Diário da Mamãe

E a menina cresceu. Tornou-se uma linda mulher; decidida, inteligente, firme na busca de seus objetivos. O pai, orgulhoso, lembrava-se quando a pegou nos braços, tão pequenina, frágil. Vinha à memória a filha correndo pela casa e algumas de suas peraltices, como jogar o aparelho de celular dentro do aquário e correr pelo quarteirão de onde ficava a sua casa; a mãe tentando alcançá-la.

Contudo, o tempo voa. Ao voar, traz lembranças para aquecer o coração. É a vida seguindo o seu fluxo. O pai torce para a filha pavimentar o seu caminho com as pedras da humildade, do amor e da honestidade. Roga a Deus que a abençoe. Daqui a algum tempo, quem sabe, virão os netos, e a menina dos lindos cabelos cacheados, hoje adulta, educará os seus filhos.

Com a vitória dos filhos os pais se sentem realizados. Qual o pai ou a mãe que não fica feliz com o voo dos seus filhos? Somente alguns não nutrem esse belo sentimento. O pai tentará deixar como herança valores imateriais, os quais são a verdadeira riqueza de uma pessoa.

Com o tempo, passamos a contemplar a vida de outra forma. A serenidade nos visita, e ficamos cada vez mais conscientes de nossa finitude. Tanta correria pra quê? O que nos espera? Será o fim ou o começo? Perguntas que somente a crença de cada um responderá.

Por isso, a felicidade de um pai ao observar os filhos seguirem o seu caminho, pois sente a sua vida se eternizar, vez que a sua melhor parte, seus filhos, começam a construir a sua própria história de vida.

Sem dúvida, os filhos encontrarão muitas dificuldades, as quais todos enfrentamos. Nem tudo são flores; há os espinhos que machucam a alma. Mas o tempo, caso não cicatrize, pelo menos será um bálsamo para aliviar os arranhões causados pela vida.

E o pai, emocionado, dirá: “vá em frente, filhasiga o seu caminhoSorria, chore, ame, dance, rodopiando pelos salões da vida, feliz. Seja independente, seja você, seja o que quiser.

Enquanto eu estiver por aqui, continuarei ao seu lado em todos os momentos de sua vida, alegres e tristes. E quando estiver no outro lado do caminho, no plano espiritual, continuarei te protegendo, amando-te.

Eternamente”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 03/03/2024 - 06:30h

Sobre causos e diligências

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

No último domingo, o editor deste Blog publicou uma crônica sobre a visita de um oficial de Justiça em sua residência (veja AQUI). Segundo ele, à época da publicação do texto, estava acostumado a receber esses servidores públicos em sua casa, o fazendo com a educação que qualquer pessoa merece.

Pois bem. Lembrei-me do dia a dia do nosso ofício, dos perrengues que atravessamos para cumprir algumas diligências. Há, infelizmente, uma falsa ideia que o oficial de Justiça somente leva notícias ruins. Todavia, apenas cumprimos as determinações judiciais para fazer valer o que foi decidido pelos magistrados. Quem “ganhou a ação” fica feliz com nossa visita, quem a perdeu, não. É natural.

Entretanto, nesta crônica, pretendo falar sobre alguns causos e diligências. Aqui ou acolá acontecem situações que depois nos fazem rir. Eu, por exemplo, já tive que fechar rapidamente uma porteira de uma fazenda, pois um boi “cismou” e veio em minha direção. Outro dia, uma senhora conhecida por ser “desbocada”, disse-me que não tinha bens para serem penhorados, e mandou que eu penhorasse as suas partes íntimas.

Existem aqueles que pedem para eu dizer que não os encontrei. Já subi dunas, andei por ruas enlameadas, atolei o carro, percorri assentamentos de difícil acesso, tive que empurrar o carro da polícia que “deu o prego”, com um preso sendo conduzido na viatura.

Às vezes, algumas pessoas ao serem abordadas perguntam “o que estão devendo à Justiça”, fazendo cara de poucos amigos. Há pessoas que “passam mal”, ficam nervosas, quase sem voz. Em alguns casos, já aconteceu dos intimandos serem levados de ambulância para o hospital.

Contudo, bom que se diga, nem sempre é tranquilo. Dia desses, um colega oficial de Justiça foi agredido, tendo que se abrigar em uma casa próxima enquanto esperava a polícia comparecer ao local para acompanhá-lo. Há, também, diligências mais complexas e delicadas, como a reintegração de posse de um imóvel, a busca e apreensão de veículos, a penhora de bens e a guarda do filho menor de idade, por vezes, sendo necessário retirar a criança dos braços do pai ou da mãe.

Recentemente, uma senhora fechou a cara quando me viu chegar a sua casa. Porém, quando eu lhe disse que era uma intimação para receber uma quantia em dinheiro, por meio de um alvará judicial, abriu um sorriso e me ofereceu até café com bolachas.

Existem outras situações hilárias que aconteceram comigo e outros colegas. Quem sabe, volto a mencionar em outra oportunidade. Além disso, há os bons e maus profissionais, como em toda e qualquer atividade. Faz parte.

Enfim. Mas feliz, feliz mesmo, é o colega oficial de Justiça Otacílio, sempre recebido com todo apreço pelo editor deste Blog.

Valeu, Carlos Santos!

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 25/02/2024 - 09:50h

Lá vem a chuva

Área litorânea, região metropolitana, são pontos mais críticos no período (Foto ilustrativa Elisa Elsie)

Foto ilustrativa de Elisa Elsie/Arquivo

Por Odemirton Filho

O velho sertanejo olhava para o céu. Estava no período do inverno, e rogava a Deus que a chuva molhasse o chão esturricado. Todo ano era a mesma peleja, o homem do campo fia-se em Nosso Senhor e nas benções de São José para que o inverno seja chuvoso. A esperança não morre, renova-se ano a ano. Assim é a vida do povo do sertão, calejado pela constante falta d`água.

Com o velho sertanejo não era diferente. Passou a vida trabalhando naquelas terras. Herdou-as do seu pai e, desde pequeno, ajudava-o na roça, aprendendo o ofício que vinha de geração em geração. Daquele chão seco conseguiu tirar o sustento dos cinco filhos.

Hoje, moravam somente ele e a sua mulher, também avançada em anos. Os filhos foram morar numa cidade grande em busca de melhores condições de vida. Entretanto, nunca pensou em sair do seu torrão. Ali nasceu, ali morrerá.

Levavam uma vida simples. A sua mulher preparava o café cedinho, antes do sol raiar; barria o terreiro, depois, ia limpar a casa e preparar o almoço. Ele ajeitava alguma cerca que estava quebrada; alimentava os poucos animais que tinham; limpava a sua pequena roça. Na hora do almoço, normalmente comiam feijão, farinha e, quando tinha, alguma mistura. Tomava umas doses de cachaça para “espaiar o sangue”.

À noite, ao lado de sua velha, assistiam ao noticiário na televisão e escutavam umas cantigas no rádio. Gostavam de ouvir o rei do baião: “Sem chuva na terra descamba janeiro, depois fevereiro e o mesmo verão; apela pra março que é mês preferido do santo querido senhor São José (meu Deus, meu Deus)”; dormiam antes das 21h, religiosamente.

Recebia o dinheirinho do governo, mas o “aposento” mal dava para as despesas. Há anos que escutava a conversa mole dos políticos que a vida vai melhorar. Neste ano de eleições municipais, os candidatos a prefeito e a vereador deverão passar pela sua casa prometendo mundos e fundos, mas gostava de dizer que já tinha plantado “um pé de cá te espero”.

Agora, via as nuvens carregadas, os raios rasgando o céu. Estava capinando a roça e gritou para a sua mulher: lá vem a chuva! Lá vem a chuva!

E sentiu o suor do trabalho, as lágrimas da esperança e os pingos da chuva enviada por Nosso Senhor escorrerem em seu rosto.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 11/02/2024 - 04:32h

Inspiração para uma crônica

Por Odemirton Filho

Ilustração da Enciclopédia Humanidades

Ilustração da Enciclopédia Humanidades

Dia desses encontrei o doutor Roncalli Guimarães, colaborador do Nosso Blog, num restaurante à beira-mar, pelas bandas da praia de Pernambuquinho, na cidade de Grossos. Estávamos em mesas próximas, com o “marzão” à nossa frente, e, lá para as tantas, Roncalli me falou:

– “Uma paisagem dessa merece uma crônica, hein?”

Concordei e, desde então, fiquei matutando. Para escrever uma crônica basta olhar as coisas simples do cotidiano que, muitas vezes, não percebemos. Reunir-se com os amigos ou com a família, tomar um café, “tomar umas”, viajar, ir ao sítio, à praia; relembrar fatos do passado, ficar sozinho em casa, curtindo a nossa companhia, tudo é inspiração para uma crônica.

Toda vez que escrevemos mostramos um pouco de nossa alma, nossas poucas virtudes e inúmeros defeitos. Entregamos ao leitor um pouco do que carregamos na vida; dividimos ideias, momentos, alegrias, tristezas, lembranças, saudades.

Creio ser na simplicidade da vida que encontramos o que realmente tem valor. É tão prazeroso ficar ao lado de quem amamos; curtir a infância de nossos filhos, dos netos; vê-los crescer pessoal e profissionalmente; abraçar um filho que vem nos visitar; a felicidade de ter os nossos pais ainda vivos e, dentro das limitações naturais da idade, com saúde, tudo isso não tem preço.

Segundo o Dicionário online de Português, a crônica é um gênero literário que consiste na apreciação e narração pessoal dos fatos da vida cotidiana; cronologia, narrativa, prosa. Embora muitos a considerem um gênero menor, não vejo assim. De acordo com a professora Beatriz Resende, “as crônicas devem ser envolventes, sedutoras, comoventes, provocantes e divertidas”.

Além disso, recomenda-se usar um vocabulário simples. Observar os detalhes que muitas vezes passam despercebidos, deve ser a marca da crônica. O leitor deve encontrar familiaridade ao ler o texto, refletindo, muitas vezes, o que também viveu e sentiu, acompanhado uma narrativa leve, que faça bem a sua alma, suavizando o corre-corre do cotidiano. Todavia, cada cronista tem o seu estilo, o que devemos respeitar.

Pois é, meu caro Roncalli, a sua pergunta inspirou-me. Devemos ter cuidado para não deixar passar sem perceber as coisas simples da vida que são, na verdade, extraordinárias.

Valeu pela dica.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 04/02/2024 - 15:48h

Lembranças de um pretérito imperfeito

Ilustração Psicoonline

Ilustração Psicoonline

Por Odemirton Filho

De vez em quando, ao encontrar um dos vários leitores deste Blog, tenho uma grata surpresa. Alguns me dizem que leem minhas crônicas, e gostam de lembrar fatos do passado que, aqui ou acolá, trago a este espaço. Segundo me dizem, revivem um pouco a infância e juventude.

Como sabemos, o ato de escrever não é fácil. Contudo, para não faltar ao nosso compromisso dominical com os leitores, buscamos no fundo da alma algo que faça despertar bons sentimentos e lembranças, quiçá algumas saudades.

Ora, até o nosso querido escritor Marcos Ferreira, vez ou outra, diz que enfrenta uma peleja medonha para escrever, imagine. Só que Marcos, mesmo quando afirma estar sem inspiração, consegue escrever de modo genial. De minha parte, entretanto, procuro resgatar aquilo que vivi, pois, além de lembrar bons momentos, sei que muitos dos fatos coincidem com o que foi vivenciado por alguns leitores.

Por vezes, nas conversas com os meus pais, procuro saber sobre o passado. E vejo que seus olhos brilham ao lembrar das festas do Clube Ipiranga e da ACDP; quando falam sobre o Cine Jandaia, o Cine Cid, o Caiçara, o Cine Pax; dos carnavais de tempos passados. Meu pai lembrou do Pavilhão Vitória e da lanchonete de seu Fenelon, na qual se servia a famosa “bananada”; do restaurante Umuarama e da sorveteria Oásis. Falou-me que, quando criança, brincava no horto florestal e tomava banho no rio Mossoró, à época, não poluído.

Entre os momentos dos quais me lembro, vem à memória o forró chique na ACDP, as festas da AABB, o Clube Realce, o Ferrão, o Burburinho, as vaquejadas nas cidades circunvizinhas, a pizzaria de Patrício português, a sorveteira do Juarez, os vesperais no Cine Pax, os comícios no largo do Jumbo e da Cobal. Além das brincadeiras com os meus primos na casa de nossos avós; das brincadeiras com os amigos no patamar da igreja de São Vicente e do veraneio na praia de Tibau, onde vivi doces dias da minha infância e juventude.

Por outro lado, não devemos ficar remoendo o que passou; “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Das lembranças de um pretérito imperfeito que todos vivemos, talvez, seja de bom tom extrair lições para não cometermos os mesmos erros. O edificante, creio eu, é carregar no peito boas lembranças e algumas saudades para aquecer o coração.

Para mim, lembrar fatos do passado é ver a fotografia da nossa vida, feita de ângulos diversos, certos ou errados. Sendo assim, transcrevo algumas palavras de um texto rabiscado por mim e publicado neste Blog, em 2018:

O passado sempre visita o presente na vã tentativa de reviver. Esqueçamos o pretérito imperfeito. Resgatemos, do passado, somente os melhores momentos.

Agradeço, de coração, aos leitores que embarcam comigo nessas viagens aos tempos de outrora.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 21/01/2024 - 11:32h

O último gole

Por Odemirton Filho

Ilustração Freepik

Ilustração Freepik

Corria o mês de janeiro de 2022.

Sentado à mesa com um amigo apreciávamos a bela paisagem, ornada por coqueirais e pelo mar de Tibau.

Conversávamos sobre tempos idos; sobre a nossa infância e juventude que ficaram lá atrás.

Tomávamos umas. O amigo insistiu para que tirássemos uma foto. Talvez, pressentisse que seria o nosso último encontro.

Entre um gole e outro, brindávamos à vida. Cada um carregava no peito as suas alegrias e tristezas. Ríamos dos arroubos da juventude; dos porres homéricos; dos sonhos que sonhávamos.

É a vida com seus encantos e desencantos; erros e acertos. Era um amigo querido, que sempre fazia questão de me visitar durante o veraneio, ocasião que resgatávamos alguns momentos do junho de nossas vidas.

Ao chegar, muitas vezes “triscado”, trazia uma dose de alegria. Para ele, a vida era pra ser vivida.

Naquele janeiro de 2022 a nossa preocupação era encaminhar os filhos e netos, pois sabíamos que o caminho a percorrer era menor que o percorrido. Tínhamos razão. Infelizmente, o amigo nos deixou em outubro de 2022. Nem imaginávamos que estávamos tomando o nosso último gole.

Agora, corre o mês de janeiro de 2024. Tomo umas. Continuo a vislumbrar do alpendre da velha casa dos meus pais uma belíssima paisagem, sentindo o gosto amargo da saudade.

Entretanto, as lembranças permanecem vivas, pois, segundo o poeta Mario Quintana, “a amizade é um amor que nunca morre”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 14/01/2024 - 06:48h

O que vale a pena

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativa

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Tudo vale a pena, se alma não é pequena”.

(Fernando Pessoa)

Caminhavam na areia com a brisa tocando os seus rostos, como se fosse um beijo suave. Diariamente, à tardinha, gostavam de andar na beira da praia, com o mar molhando os pés.

Há anos tinham largado a cidade grande. Mudaram-se para a comunidade-praia e desfrutavam a paz do local. Buscavam sossego, pois já estavam aposentados.

A rotina raramente mudava. O marido acordava cedo, o sol nunca o encontrou dormindo, como diria Rui Barbosa. Preparava um café coado e tapiocas. A mulher se levantava um pouco mais tarde. Conversavam sentados à mesa, sem pressa. Depois cumpriam as tarefas da casa e faziam o almoço.

Algumas vezes, pela manhã, esperavam uma jangada vindo do alto mar e compravam peixes, já eram conhecidos dos pescadores e moradores da pequena localidade. As compras da casa eram realizadas na mercearia de Zé de Niel, que ficava próximo, ainda no sistema da “caderneta”.

Antes do almoço o marido gostava de tomar uma “pra lavar”.  Depois, deitavam-se nas redes e iam curtir a “sesta”. No meio da tarde tomavam um “pingado”, acompanhado com pães e bolo.

À noite, após o jantar, deitavam-se juntos no alpendre com o vento balançando a rede, embalando os momentos mais íntimos.

Tinham um filho e dois netos que os visitavam uma vez por ano, nas férias, pois moravam longe, lá pelas bandas do sul do país. Para não ficarem incomunicáveis possuíam um telefone celular.  Assistiam a televisão, de vez em quando, para verem o noticiário.

Liam muito. Sobretudo, os romances, contos e as crônicas do bruxo do Cosme Velho. A sós, conversavam sobre a vida. Lamentavam-se. Eram para ter dançado mais. Viajado mais.

Entretanto, a correria do dia a dia e o trabalho fizeram com que consumissem boa parte da vida. O tempo passou depressa. Os anos avançaram e olhavam para trás, com saudade, principalmente, daquilo que não viveram. Agora, já não tinham o viço da mocidade.

Somente o tempo nos faz amadurecer. Os valores da vida são repensados. Valeu a pena correr tanto em busca de bens materiais? Perguntavam-se. Vivemos tempos da economia do desejo, não da necessidade.

Infelizmente, ou felizmente, ninguém transfere sua experiência ao outro. Erros e acertos precisam fazer parte da vida de cada um. Se pudessem voltariam no tempo e viveriam de outra forma. Mais leves. Mais soltos.

Final da tarde. Era hora de ir à praia, caminhar na areia e sentir a brisa. Juntos, viram o pôr do sol refletir sobre as águas do mar.

Descobriram que nunca é tarde para viver o que vale a pena.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 07/01/2024 - 07:06h

Um alpendre e uma rede

A red hammock hangs in the shade of a porch in summer.

Foto extraída da Web (sem identificação de autoria

Por Odemirton Filho

Não, não se trata de uma resenha do livro da escritora alencarina Rachel de Queiroz, Um alpendre, uma rede, um açude. Apenas tomei por empréstimo parte do título para compor esta crônica.

Na verdade, quero resgatar sentimentos de um tempo passado que, volta e meia, invade-me a alma e o coração.

Uma casa com alpendre, como se sabe, é um convite para se jogar conversa fora, seja em uma fazenda ou numa praia.

Em um alpendre se fala sobre tudo e, principalmente, da vida alheia, só escapando quem voa alto. Em outros tempos, do alpendre da casa de Tibau, ouvia-se: “olhe a tapioca, o grude”.  Tomava-se um café acompanhado de um pedaço de bolo de leite. Ou fofo.

Na minha época de menino o alpendre da casa ficava lotado de adultos e crianças. Não tínhamos medo de dormir fora da casa. Muitos preferiam dormir sentindo o vento frio da madrugada e tendo a lua com lamparina.

Na infância falávamos sobre histórias de casas mal-assombradas, contos de pescador (se sentir cheiro de melancia, não entre no mar, tem tubarão por perto). Demorávamos a dormir. Ninguém queria “pegar” no sono e ser motivo de chacota. Corria-se o risco de ter o rosto pintado com uma pasta de dente.

Os mais traquinos armavam a rede de modo que quem fosse se deitar levasse uma queda. O riso era geral. Aquele que caiu, por vezes, levantava-se “brabo”, doido para “ir nas orelhas” de quem fez a brincadeira de mau gosto.

Já adolescentes, quando voltávamos das festas de madrugada, ficávamos resenhando. Quem “descolou” ou quem somente encheu a cara. Alguns chegavam bêbados e, com o balanço da rede, vomitavam pra valer.

Mas é claro que um alpendre tem os seus momentos de calmaria. A rede é um convite à leitura. Um cochilo. Sim, eu sei caro leitor, a rede também é um convite para o aconchego dos casais.

Pois é. Um alpendre e uma rede oferecem agradáveis momentos. E boas, boas lembranças.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 31/12/2023 - 11:28h

Em 2024, escolha viver

Por Odemirton Filho 

Foto da página Pindorama Org

Foto da página Pindorama Org

Mais um ano se foi. E o que fizemos?

Erramos mais do que acertamos? Não importa. Recomecemos. A vida é isso: eterno recomeço. Apesar de tudo, não podemos desistir. “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Aprume a vela do barco de sua vida; mude a rota. Que tenhamos saúde para enfrentar a batalha; que tenhamos coragem para vencer as inúmeras adversidades.

Busquemos a felicidade, apesar….

Nada de desistir de nossos sonhos, é certo. Porém, não deixemos de aproveitar a vida com o que já conquistamos. Principalmente, aquelas conquistas imateriais, que não se podem mensurar. Sonhar e viver; viver e sonhar. “Viver é melhor que sonhar.

Beije, abrace, faça um carinho. Se prefere viajar, e a grana permite, viaje. Se prefere ficar em casa escutando músicas, tomando um vinho ou uma cachaça, fique. Se prefere ir à igreja, vá. Faça o que bem entender, mas tente levar a vida de forma leve, faz um bem danado a alma.

A vida não é só trabalhar para construir patrimônio e pagar boletos. É mais, bem mais. Em 2024, escolha viver, pois a vida passa depressa, não esqueça.

Fiquemos ao lado de quem amamos; vamos brincar, sorrir e chorar de emoção; viver intensamente cada momento, porque não sabemos se será o último de nossas vidas.

Lembre-se que milhões de pessoas mundo afora lutam para ter, pelo menos, um prato de comida. Muitos estão doentes, padecendo em cima de uma cama ou num leito de um hospital. Por isso, agradeçamos pelo pão nosso de cada dia e por nossa saúde.

O que devemos escolher para o ano novo?

“Escolha paz, na sua casa, nas suas palavras, na sua voz. Escolha a bondade, nos seus sonhos, nas suas relações, nas suas causas. Escolha o amor, no seu caminho, na sua história, na sua memória. Escolha a humildade, na sua postura, na sua bravura, na sua coragem. Escolha a justiça, nas suas decisões, na sua influência, na sua essência. Escolha Deus, na sua fidelidade, na sua vida”.  

Enfim, escolha viver.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 24/12/2023 - 06:46h

O sentido do Natal

Por Odemirton Filho 

Foto ilustrativa Web

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Depois de muitos anos, o homem passou na rua onde ficava a casa dos seus avós. A velha residência há anos encontrava-se fechada. Desde o falecimento dos seus avós não teve mais coragem de transitar por aquela rua, a qual lhe trazia doces lembranças.

Ali, recebeu o carinho dos seus avós; aprendeu lições de honestidade com o seu avô. Ouvia-o falar sobre uma sociedade na qual não houvesse uma profunda desigualdade social. O seu vô era um sonhador? Decerto, mas era um homem de princípios, que lutava pela causa que acreditava.

Já a sua avó era evangélica, não embarcava muito naquelas “viagens” do marido. Acreditava palavras do Menino Jesus. Gostava de receber seus filhos e netos em casa, tratando-os com carinho. Entretanto, era firme, nada da bagunça dos netos desarrumando a casa, que era arrumada com zelo.

O homem, parado na frente da casa, com os olhos marejados, lembrou-se de alguns tios que já partiram para junto do Pai, e de outros que, infelizmente, perderam a lucidez em razão da doença que os acomete. Lembrou-se dos momentos de alegria; da zoada, até das brigas, pois toda família tem os seus “moídos”.

Outrora, corriam felizes os dias da sua infância; os primos brincando dentro de casa. O seu avô lendo um livro, sentado na cadeira de balanço; a sua avó ao pé do fogão, preparando o almoço e a “janta”. Ele sentiu o cheiro do tempero de sua avó.

Lembrou-se das noites de Natal. Da ruma de familiares reunidos; da mesa farta. Hoje, somente existem lembranças, vez que cada um seguiu o seu caminho. Porém, os seus avós continuam vivos no local mais aconchegante do seu coração.

Os sorrisos de algumas pessoas fazem falta na ceia do Natal, não é? Imaginem se Deus permitisse, por um instante, que a gente abraçasse algumas pessoas que se foram. Ah, como seria bom.

Pois bem.

Agora, no entardecer da vida, ele compreendeu o verdadeiro sentido do Natal: a união da família, o partilhar do pão entre quem precisa, a esperança de nascer dias melhores, num mundo tão repleto de desamor e dificuldades.

O homem enxugou as lágrimas; seguiu o seu caminho ladrilhado por saudades. No entanto, sua alma serenou ao lembrar da mensagem do Papa Francisco:

Muitas são as dificuldades do nosso tempo, mas a esperança é mais forte, porque um menino nasceu para nós. Ele é a Palavra de Deus que se fez infante, capaz apenas de chorar e necessitado de tudo. Quis aprender a falar, como qualquer criança, para que nós aprendêssemos a escutar Deus, nosso Pai, a escutar-nos uns aos outros e a dialogar como irmãos e irmãs. Ó Cristo, nascido para nós, ensinai-nos a caminhar convosco pelas sendas da paz.  

Feliz Natal para todos”. 

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 10/12/2023 - 04:38h

As minhas lembranças

Por Odemirton Filho 

Ilustração da Freepik

Ilustração da Freepik

Lembranças vêm à memória.

Ao lado de amigos eu brincava na calçada do Cine Caiçara, uma vez que a lateral do antigo cinema ficava na rua Tiradentes, pertinho da minha casa. Víamos os cartazes anunciando os filmes para maiores de dezoito anos; e sonhávamos em “ficar de maior”.

A Rádio Difusora ficava ao lado do Caiçara, entrando-se por um “bequinho”; já o prédio da Rádio Libertadora ficava vizinho ao casarão de seu Dix-Neuf e dona Odete Rosado, um endereço histórico conhecido como o “Catetinho”, por ter recebido o então presidente Getúlio Vargas.

O mundo da minha infância e juventude foi vivido naqueles arredores; a praça do Codó, o Caiçara, o Cine Pax, a padaria de meu pai, a Igreja de São Vicente. Isso, lá pelo início dos anos oitenta.

Não, não se trata de querer viver de saudosismo, pois cada época de nossa vida tem momentos felizes e tristes. É piegas escrever sobre? Pode ser. Mas é a história da minha vida; minha, tão minha.

Sem esquecer que o domingo é um dia para as pessoas lerem artigos e crônicas leves, suavizando o fardo do dia a dia, como diz o meu nobre editor.

Pois bem, jogávamos bola na rua Francisco Ramalho, passeávamos de bicicleta no patamar da Igreja de São Vicente e na praça do Codó. Assistíamos a filmes no Caiçara, no Pax e no Cine Cid; os famosos vesperais. Na calçada lateral do Cine Pax, ficavam uns carrinhos, onde comprávamos revistas novas e usadas.

Nem imaginávamos que, um dia, teríamos internet, redes sociais, celulares, tablets e computadores. Ter um telefone fixo já era um luxo. E caro.

O mês de dezembro me faz lembrar de quando ouvíamos os sinos da Catedral anunciando à Festa da nossa padroeira. Após as novenas, uma ruma de gente ficava andando pra lá e pra cá, pois havia várias barracas.

Íamos também para a casa de algum conhecido para as famosas “festas americanas”, ao som das deliciosas músicas dos anos oitenta, tocadas numa radiola com discos de vinil.

Aqui, permitam-me citar o cronista Braz Chediak num de seus belos textos: “pertenço a um tempo que enriqueceu a música brasileira, por isso, quero, um dia, sentar com o meu neto e dizer-lhe o tema de cada música que ouvimos juntos, de cada amigo, de cada viagem, física ou não. Assim, em alguma noite, ele ouça uma música vinda de uma vizinha qualquer, e se lembre deste seu avô, contando-lhe de suas aventuras e de tudo o que lhe ofereceu a vida”.

Os mais jovens devem perguntar: como vocês se divertiam naquele tempo sem o mundo virtual?

Respondo: quem viveu o ontem, decerto traz da sua infância e juventude algumas lembranças. Quem vive o hoje, no futuro lembrará de doces momentos. Porém, creio que não existe um tempo melhor ou pior. Existe o tempo de cada pessoa, com seus sonhos e decepções.

Sim, eu sei que alguns fatos aqui descritos já narrei em crônicas pretéritas. Mas, vez ou outra, lembranças vêm à minha memória.

Lembranças da primavera dos meus dias.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 03/12/2023 - 11:20h

Um homem de fé; servo de Deus

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativa

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Na pequena capela que se localiza na parte interna do Colégio Diocesano Santa Luzia um homem, com um semblante sereno, entrou. Cumprimentou-me com um leve aceno, e sentou-se em uma das cadeiras da primeira fila.

Costumeiramente, ao deixar minha filha no colégio, eu ficava um tempo na capela, em silêncio, tentando ouvir o que Deus tinha a me dizer. Da última fila, observava aquele homem, com a cabeça baixa, fazendo as suas orações, em íntima sintonia com Jesus.

“A voz do Senhor está no silêncio da alma, no coração que se liberta das excitações da vida para se colocar debaixo da mão poderosa do Senhor para escutá-Lo. Se ouvirmos a Sua voz, Ele será o nosso Deus e seremos o Seu povo, e Ele há de nos conduzir pelo caminho da felicidade”.

Vez ou outra, o encontrei, ali, colocando nas mãos do Filho de Deus as suas preces. Era o padre Sátiro do Colégio Diocesano, do Mosteiro de Santa Clara, da FM 105, da UERN.

Na semana que passou, com a sua partida para a Casa do Pai, muito foi dito sobre ele. Com efeito, padre Sátiro foi um dos construtores da história de Mossoró; uma de suas figuras marcantes, deixando-nos um legado imensurável.

O seu amor pela educação o fez ajudar muitas pessoas que não tinham condições de pagar a mensalidade do “colégio dos padres”. O Diocesano era um dos seus doces amores. No primeiro dia de aula, ele sempre recepcionava os alunos e alunas na entrada do colégio juntamente com o corpo docente.

Como religioso, sua voz ecoava levando o Evangelho para onde pudesse alcançar, por meio da FM 105. No seu programa Reflexão, na hora do Ângelus, passava a sua mensagem de fé, esperança e amor no Cristo Jesus. “A messe é grande, mas os operários são poucos”. (LC 10, 1-9). “Como são belos os pés do mensageiro que anuncia a paz, como são belos os pés do mensageiro que anuncia o Senhor”.

Ele lutou bravamente pela estadualização da nossa Universidade, da qual foi reitor. Aliás, padre Sátiro foi meu professor de Direito Romano, disciplina que lecionava com maestria, tendo em vista o seu profundo saber teológico e jurídico. “A palavra correta, caros alunos, é viger, viger”.

Na missa das exéquias, na Catedral de Santa Luzia, padre Charles afirmou, emocionado: “padre Sátiro viveu sonhando, e morreu sonhando”. Simpor isso seu espírito era jovial, pois “os sonhos não envelhecem”. Uma de suas últimas realizações foi a Faculdade Católica do RN.

Sem dúvida, concretizou muitos dos seus sonhos, porque era um homem de fé; servo de Deus. E o seu senhor lhe disse: bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor”. (Mateus 25:21).

Em relação à fé, diz o Papa Francisco em sua Encíclica Lumen Fidei (Luz da Fé):

Na fé, dom de Deus e virtude sobrenatural por Ele infundida, reconhecemos que um grande Amor nos foi oferecido, que uma Palavra estupenda nos foi dirigida, acolhendo esta palavra que é Jesus Cristo – Palavra encarnada – o Espírito Santo transforma-nos, ilumina o caminho do futuro e crescer em nós as asas da esperança para o percorrermos com alegria. Fé, esperança e caridade constituem, numa interligação admirável, o dinamismo da vida cristã rumo à plena comunhão com Deus”.

Um dos momentos mais significantes para mim, na despedida a padre Sátiro, foi quando a professora Raimunda Almeida, “tia Mundinha”, que esteve à frente da escola com ele por muitos anos, colocou sobre o caixão a bandeira do Colégio Diocesano. Naquele instante, lágrimas escorreram em sua face, numa demonstração de uma sincera amizade, emocionando as pessoas que estavam presentes no ginásio Carecão.

Ao som da Fanfarra do Diocesano, o féretro chegou à Catedral de Santa Luzia; o velho padre adorava ouvir a turma jovem do seu amado colégio.

Durante toda a minha vida, igual a muitos dos mossoroenses, a sua presença foi uma constante direta ou indiretamente, seja quando eu e meus filhos estudávamos no colégio Diocesano, seja na história da cidade, pois padre Sátiro e Mossoró confundem-se.

São essas as minhas palavras, na certeza que não consegui dimensionar o que ele representou. Padre Sátiro era grande, pois era simples. É na simplicidade das atitudes que se revela a grandeza d`alma.

Ao ver as várias manifestações de pesar nas redes sociais, no velório e seu sepultamento, percebe-se que Mossoró sentiu dolorosamente a perda de um dos seus mais queridos sacerdotes, ao mesmo tempo, agradeceu, com enorme carinho, por todo bem que ele fez à terra de Santa Luzia.

E o que padre Sátiro Cavalcanti Dantas diria a todos que choram a sua partida? Talvez, as palavras de Santo Agostinho:

Você que aí ficou siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 26/11/2023 - 09:24h

E a vida?

Por Odemirton Filho Salto, alegria, pulo, silhueta

Sorrimos. Choramos. Amamos. Brigamos.

É a vida. Esse turbilhão de emoções enquanto estamos por aqui. E nem sabemos por quanto tempo. Amanhã ou depois seremos saudade. Ou nem isso.

Passamos a maior parte do nosso tempo em busca de amealhar bens; apesar da maioria suar para sobreviver. Lutamos para conseguirmos um bom emprego, uma boa casa, entre outras coisas. Entretanto, ao fim e ao cabo, esses bens materiais servirão somente para os nossos descendentes brigarem em demorados processos judiciais.

Dizem as escrituras: “não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam”. (Mateus 6:19-29). 

Sim, eu sei, é questão de fé; são os valores imanentes de cada pessoa.

Mas, ao volvermos os olhos para trás, é salutar fazermos uma reflexão. Amamos ou ficamos a vida cultivando o ódio? Construímos pontes ou muros nos nossos relacionamentos? Tivemos um espírito pacificador ou beligerante? Pensemos, não custa rever nossos valores e atitudes.

São perguntas que poucos se fazem e, aí, quando menos esperam, no ocaso da vida, “a ficha cai”, e percebem que estavam trilhando um caminho enviesado. Será tarde? Creio que nunca é tarde para tentar navegar por mares serenos.

Podemos lutar por nossas ideias, defender o nosso ponto de vista, mas não precisamos ser uma pessoa inconveniente, agressiva, a ponto de nossa presença ser insuportável para familiares e amigos (nas redes sociais é só o que observamos). Li, em algum lugar, que não há paz onde viceja o ódio.

Pois bem, não vejo problema em querer algo melhor para nós e os nossos. O que nos faz mal é sermos consumidos pela ganância, a arrogância e a vaidade. É o que penso.

Como diz a letra da bela canção do inesquecível Gonzaguinha:

“E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão? Ela é a batida de um coração? Ela é uma doce ilusão? Mas e a vida? Ela é amar a vida ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento”?

A vida, meus irmãos, apesar das dificuldades, “é bonita, é bonita, e é bonita…”

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 19/11/2023 - 10:14h

Medidas atípicas de execução e respeito aos direitos fundamentais

Por Odemirton Filho 

Foto ilustrativa

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Um dos grandes problemas do processo civil é a execução daquilo que ficou decidido na sentença ou que consta em um título executivo extrajudicial. De nada adianta a parte autora ter o seu direito reconhecido (uma indenização, por exemplo), se não há meios para fazer valer o que foi julgado em seu favor. “Ganhou, mas não levou”, diz o ditado popular.

Assim, para dar efetividade ao processo o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil (CPC) reza o seguinte:

“O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Nesse sentido, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5941) o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que o inciso IV do Art. 139 do CPC é válido, desde que não avance sobre os direitos fundamentais.

O relator do caso, ministro Fux, ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível, a seu ver, que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados.

Diz o ministro: “o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Segundo Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso”.

Consoante as lições de Luís Roberto Barroso, no seu Curso de Direito Constitucional contemporâneo, “a dignidade humana é um valor fundamental. Valores, sejam políticos ou morais, ingressam no mundo do Direito, assumindo, usualmente, a forma de princípios. A dignidade, portanto, é um princípio jurídico de status constitucional. Como valor e como princípio, a dignidade humana funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais”.

E o que vem a ser proporcionalidade e a razoabilidade? Eis um exemplo, conforme Barroso:

“A razoabilidade deve embutir, ainda, a ideia de proporcionalidade em sentido estrito, consistente na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se a medida é legítima.  Se o Poder Público, por exemplo, eletrificar certo monumento de modo a que um adolescente sofra uma descarga elétrica que o incapacite ou mate quando for pichá-lo, a absoluta falta de proporcionalidade entre o bem jurídico protegido – o patrimônio público – e o bem jurídico sacrificado – a vida – torna inválida a providência”.

A apreensão do passaporte do executado, bem como a suspensão de sua Carteira Nacional de Habilitação, cancelamento de cartões de crédito etc. são formas atípicas de forçar o devedor a cumprir sua obrigação, em outras palavras, pagar o que deve.

Desse modo, efetivar o direito do credor e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos fundamentais do devedor é o principal desafio do Poder Judiciário nessa seara.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 19/11/2023 - 09:22h

Coisas bonitas

Por Marcos FerreiraCoisas bonitas – CRÔNICA – Marcos Ferreira

Vez por outra, em virtude de algumas palavras um tanto ásperas ou indelicadas que ainda deixo escapar na minha escrita, sou carinhosamente repreendido por Natália, minha noiva. Ela receia que eu volte àquela época de bangue-bangue, quando eu me comportava como um selvagem da literatura norte-rio-grandense, apontando e fustigando impostores das nossas letras. Não faço mais isso. Todos são pessoas adultas e cada qual que responda pelas produções que assinam.

— Escreva coisas bonitas! — falou Natália.

— Por exemplo? — questionei.

— Algo que não acabe em polêmica, bate-boca na internet, desgastes à toa. As pessoas gostam de ler histórias positivas.

Emendei com uma ponta de ironia:

— Amenidades, você quer dizer.

— Sim! — admitiu. — Em tempos como estes, tão conturbados, precisamos ler mensagens de otimismo. Veja Odemirton Filho…

— E o que tem Odemirton?

— As crônicas dele são leves e bonitas.

— Estou de acordo. Enquanto cronista, Odemirton Filho não se mete em certas arengas, questiúnculas, provocações. É um reflexo da índole pacífica dele. Está muito mais para a natureza conciliadora do Rubem Alves do que para o temperamento ácido e iconoclasta do Agripino Grieco.

— Não faço ideia de quem seja esse Agripino.

— Então esqueça o Grieco. Quanto a Odemirton, trata-se de um cronista admirável, paz e amor, dono de uma escrita saborosa. Ocorre, no entanto, que a diversidade de vozes, temperamentos e estilos, enriquece a literatura.

— Sugiro que busque um meio-termo.

— É isso o que venho perseguindo.

— Cadê a produção? É sábado e até agora você não me apresentou nada. Já mandou a crônica para o blogue do Carlos Santos?

— Sim. Só falta a da Revista Papangu.

— Muito bom! Mãos à obra, então.

— O texto está bem encaminhado.

— Escreva coisas bonitas! — insistiu.

Não vai dar, amigos leitores. Não no presente instante. Não me sinto inclinado a produzir ou falar sobre amenidades nas condições emocionais em que ora me encontro. Sequer no tocante à poesia. Deixei um soneto pela metade desde o último domingo, faltando os tercetos. Até agora não reúno ânimo inspirativo para concluir o poema. Hoje desejo apenas que minhas janelas e portas continuem fechadas. Posso dizer que estou no meu momento vampiresco. Nada de sol, portanto. Não quero ver nem ouvir ninguém; celular no modo avião. Que nenhuma tranca ou ferrolho seja liberado. Que estas frias e negras cortinas continuem intocadas.

Penso em retirar da minha vista este impassível e burocrático relógio de parede. Como seria bom se pudéssemos imobilizar o tempo, de modo que as seis horas e quinze minutos desta manhã ainda agradavelmente fria perdurasse indefinidamente. É isso. Não me disponho a encarar o domingo lá fora, topar com os meus vizinhos, dar-lhes um bom-dia meio que a contragosto e desonesto.

Repito, minhas senhoras e meus senhores, que este não é um bom momento para amenidades, palavras edificantes, mensagens de ânimo, incentivo. Não da minha parte. Então me dou ao luxo de expressar fielmente o meu estado de espírito. Sem máscaras, sem disfarce algum. Nesse instante minha alma é este quarto penumbroso, um fastio que se estampa na minha face. Aqui usufruo da penumbra, do silêncio, do ócio e da quietude. Não escrevo para agradar nem desagradar ninguém.

Esta manhã encarcerou a minha veia bem-humorada, o meu sorriso fácil, continental. Reacende frustações e velhas mágoas, desaponta a musa e rompe as cordas da minha lira. Traz-me à memória recortes de sonhos mortos, projetos e planos frustrados. Contudo não descambo para o campo da autopiedade, ainda menos para a rentável literatura de autoajuda. Mas admito que estou cheio, farto da concretude da vida. Que se danem o lítio, a quetiapina e o divalproato!

Embora o dia seja de sol pleno, detalhe que não me agrada, sei que os pássaros continuam cantando os seus madrigais e as flores (perfumosas e concupiscentes) sorriem para os lindos colibris e borboletas que frequentam o meu quintal. Isso, no entanto, é poesia bucólica que ora não me seduz ou inspira.

— Escreva coisas bonitas!

Desculpem. Hoje não será possível. Deixo esta crônica pessimista, porém pacífica, livre de rusgas. Escrever também é isto: um dia estamos para cima, noutro estamos de ponta-cabeça. “Sugiro que busque um meio-termo”, aconselhara-me Natália. Quem sabe da próxima vez em que eu me ponha diante do teclado.

Meu mal e meu bem é este vício que me desfalece e me aviva, este sacerdócio que amaldiçoa e santifica, que me golpeia e me revigora: a literatura. Estou à disposição das suas vontades e caprichos. Teimo em não romper o véu da penumbra, em não abandonar o desalinho dos travesseiros e lençóis.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 12/11/2023 - 12:36h

O crime de lavagem de dinheiro

Por Odemirton Filho 

Foto de Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo)

Foto de Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo)

Não é de hoje que alguns criminosos se utilizam de todos os meios para usufruir do fruto dos ilícitos praticados. A prática de toda sorte de artimanha sempre foi comum por parte daqueles que vivem de cometer crimes; são engenhosos na construção de caminhos que possam garantir a sua impunidade.

Os piratas, lá pelo século XVII, depois de saquearem navios, vendiam os produtos roubados nas cidades portuárias e, com a renda, aplicavam no próprio navio ou na construção de outras embarcações e em bens para garantir a sua aposentadoria.

Já pelo século XX mudou-se a forma. As famosas máfias italianas e sociedades norte-americanas, usavam o dinheiro dos crimes praticados na compra de lavanderias, lavadores de automóveis.  Quem nunca ouviu falar em Alcapone?

Segundo César Antônio da Silva, “foi com a globalização do mercado financeiro internacional, da tecnologia, que gerou uma maior velocidade para o incremento desta prática delituosa”.

Pois bem. A lavagem de dinheiro, ou o branqueamento de capital, há tempos faz parte da sociedade aqui e alhures. No Brasil a Lei n. 9.613/98, com as alterações da Lei n. 12.683/12, prevê o crime de lavagem de dinheiro.

O Art. 1º da mencionada Lei tem a seguinte redação: Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

E mais: Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: a) os converte em ativos lícitos; b) os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; c) importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

De se ressaltar, que a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Cabe fazer um esclarecimento: o crime de lavagem de dinheiro sempre será um crime posterior, uma vez que existiu a prática de um crime anterior.

Por fim, enfatize-se que existem inúmeros aspectos materiais e processuais em relação ao crime de lavagem de dinheiro, entretanto, não é o objetivo deste artigo, que visa, tão-somente, abordar de forma singela um tema em voga nos dias atuais.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Artigo
domingo - 05/11/2023 - 11:38h

A solidão devora

Por Odemirton Filho

Imagem ilustrativa da Freepik

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 Percebia-se o olhar distante. O senhor idoso, talvez com mais de oitenta anos de idade, por vezes abria um largo sorriso. Sentado em uma cadeira, após tomar o seu lanche vespertino, estava sozinho, embora na sala da casa que abrigava idosos estivessem várias pessoas.

No que estava pensando? Quem sabe na sua vida de outrora. Vinha à sua memória lembranças do passado, da infância, de seus pais. Se alguém perguntasse sobre a sua vida, ele, na maioria das vezes, falava sobre os tempos de menino e da juventude.

O velho senhor sempre recebia visita de seus familiares. Alguns colegas da casa, porém, foram esquecidos ali. Ninguém os visitava. Viviam assistidos pelos funcionários que trabalhavam no local. Eram a família daquelas pessoas. Por motivos diversos, que não nos cabe julgar, os familiares os abrigaram naquele local.

Aquele senhor, nos seus raros momentos de lucidez, lembrava do passado; dos almoços aos domingos; das inúmeras festas de aniversário ao lado de seus filhos e netos. Talvez, lembrasse da juventude, do namoro com sua mulher, há tempos falecida. Lembranças de tempos idos e vividos. Tempos de alegria. Agora, o vazio; a falta de sentir o calor de um abraço.

O que ele mais gostava era se reunir com a família e amigos. Reuniões festivas, regadas a bebida e comida. Vez ou outra viajava com sua mulher. Iam passear por aí, conhecendo outros lugares, outras pessoas. Hoje, vez em quando algum familiar vinha buscá-lo para dar uma volta pela cidade. Todos estavam cuidando da vida, tinha pouco tempo, diziam.

Era bem cuidado, estava cercado por várias pessoas, todavia, vivia calado, em seu mundo. Nada, absolutamente nada, substitui a presença e o amor de quem amamos. Há, é claro, quem goste de viver sozinho, apreciando a própria companhia. Ele, que se privou de várias coisas para dar o melhor aos filhos e netos, estava longe dos seus.

Às vezes, quando todos estavam recolhidos em seus quartos para dormir, ouvia-se o velho senhor cantar, baixinho:

A solidão é fera, a solidão devora, é amiga das horas, prima-irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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