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domingo - 10/03/2024 - 14:30h

Também na medicina

Por Marcelo Alves

Hipócrates - ilustração da ex-isto

Hipócrates – ilustração da ex-isto

Hipócrates (circa 460-370a.C) é tido como o pai da medicina. Um gigante cuja história está envolta em mitos. Há poucos relatos contemporâneos sobre sua vida. Teria nascido em Cós, na Grécia, e ali aprendido a medicina com o próprio pai. Viajou muito. Aprendeu ainda mais. Voltou à sua terra e lá clinicou e ensinou sua nova medicina. Duas coisas fazem com que sua fama seja merecida. A compaixão pelo padecimento dos enfermos e o seu método de diagnóstico e tratamento baseado, não na intervenção dos deuses, mas, sim, na observação e na razão, algo revolucionário à época. Hipócrates, claro, teve suas limitações.

A dissecação humana não era permitida na Grécia antiga. Ele teve que trabalhar com animais e na correlação das patologias. De toda sorte, como explica Anne Rooney, em “A história da medicina: das primeiras curas aos milagres da medicina moderna” (M.Books, 2013), “o nome de Hipócrates está ligado a cerca de 60 textos, que foram reunidos na Alexandria aproximadamente cem anos após sua morte, embora ele provavelmente tenha escrito apenas alguns deles. Eles tratam de vários aspectos da teoria e da prática médicas e todos são escritos com um estilo claro e acessível”.

“O juramento de Hipócrates”, no qual os médicos prometem exercer a medicina honestamente, “foi, de acordo com a tradição, originalmente feito por seus próprios alunos”. Necessário juramento.

Depois de Hipócrates, o mais badalado médico da história foi Galeno (129-216). Nascido em Pérgamo, à época parte do Império Romano, hoje território da Turquia, ele estudou medicina na melhor escola de então, Alexandria. Cuidou de gladiadores em Pérgamo. Foi para Roma, serviu como cirurgião às legiões e aos imperadores diretamente, entre eles o grande Marco Aurélio (121-180). Trabalhou também dissecando animais. Mas fez inúmeros progressos em anatomia (destrinchou artérias, veias e nervos, por exemplo). E cometeu erros, claro. Galeno foi, para além de brilhante médico, filósofo e escritor prolífico, divulgador do seu próprio trabalho.

Segundo Anne Rooney, “essas habilidades o ajudaram a assegurar sua influência duradoura sobre a medicina na Europa e no Oriente Médio. Seus trabalhos foram incorporados rapidamente em outros textos e dominaram a tradição médica no Oriente Médio e na Europa durante séculos”.

Aí é que está. Assim como se deu com a teoria geocêntrica de Ptolomeu (90-168), com o Sol e os planetas girando em torno da Terra, a medicina de Galeno virou dogma. O pior: misturada com religião. E, como aprendemos com o caso de Galileu (1564-1642), isso frequentemente não dá certo, pois impede o curso natural da ciência.

E assim se dá quando surge Andreas Vesalius (1514-1554). Natural de Bruxelas, Vesalius era filho e neto de médicos do Imperador Maximiliano I (1459-1519). Curioso desde pequeno, reza a lenda que dissecou cães, gatos e ratos que encontrava pelas ruas da sua cidade (espero que já mortos por causa natural). Estudou em Louvain, Montpellier e Paris.

Em 1537, foi para Pádua, onde se fez professor de medicina ainda na casa dos vinte anos. Reza também a lenda que andou “roubando” corpos e esqueletos de forcas e ossários, para, claro, seus estudos de anatomia. Chegou a publicar uma obra, “Tabulae Anatomicae Sex” (1538), ainda repetindo os erros de Galeno. Mas sua obra-prima foi mesmo “De Humani Corporis Fabrica Libri Septem”, de 1543.

Só que ela tinha um porém: corrigia os erros de Galeno. Contestava Galeno. Acertadamente. Era demais. E, como anota Anne Rooney, isso “fez a ira do establishment médico e a Igreja Católica recair sobre Vesalius. Não resistindo às críticas, ele abandonou a cátedra, queimou todo os seus trabalhos não publicados e tornou-se médico particular do Santo Imperador Romano Carlos V e mais tarde do Rei Filipe II da Espanha”. Ganharam os monarcas; perdeu a ciência médica.

Vesalius morreu em um naufrágio voltando da Terra Santa. Maldizem que essa viagem havia sido exigida pela Inquisição em troca da pena de morte. Ele teria dissecado um nobre espanhol ainda vivo. Quanto a isso, até pela falta de um corpo de delito devidamente autopsiado, eu não posso montar um caso.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras (ANRL)

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Categoria(s): Crônica

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