Por François Silvestre
O poema terrível de Bertolt Brecht fala de um tempo sem sol, de guerra, onde se comia no meio da batalha. O grande poeta se via personagem ativo desse tempo, que o obrigava a não silenciar.
Hoje, o Brasil conserva seu tempo de sol, no céu e no mar; mas o tempo institucional é brumoso. Desmerecedor de confiança. E quando não há confiança institucional, estremece o destino da liberdade.
Todos os tempos obrigam seus viventes. Cada um assume a sua obrigação, sem exceção. Até a omissão, pior das ideologias, obriga-se, mesmo fugindo. Não adianta esconder-se, que o tempo baterá em sua porta.
Cada tempo com sua face. E como o nosso tempo é de bruma, assim brumoso se faz o nosso caráter. Em alguns, líquido, como ensinou Jussier Santos, ao falar de um amigo comum. É aquele caráter que toma o formato da bacia.
Noutros, gelatinoso. Aquele oscilante; meio tudo, meio nada. São os tetranetos de Macunaíma. Aquele que ao fazer a sacanagem, debulha-se em lágrimas com pena do sacaneado.
Esse é o retrato mal disfarçado do nosso tempo. Uma Esquerda fugindo da autocrítica, disputando espaços entre a erudição e a esmola. Marcando passo de ganso, numa ordem unida de quartel abandonado. A ela se opõe uma Direita sempre esperta e desonesta, que é do seu feitio, a colher os frutos da incompetência da oponente.
E pra completar a comodidade da patifaria geral, o discurso de que não há mais Direita nem Esquerda. Enquanto as razões da História aí estão a mostrar que as mudanças estão muito longe de sepultarem essa dicotomia.
Esse embate que põe de um lado os senhores da exploração e do outro os deserdados do que se explora. Esses estão à míngua dos dois lados. Da Direita, que os quer dominados. Da esquerda, que os quer aliados. E tanto uma quanto a outra, sacanamente, rouba-lhes a esperança. Ou oferece a esperança que ficou presa na Caixa de Pandora.
Direita e Esquerda existem sim. E aí estão. Uma, mais esperta e mais cretina continua a explorar. Outra, mais “humana” e falsária, continua distinta entre discurso e arte. Gêmeos palíndromos, que mesmo sem a coincidência de grafia podem ser lidos de trás pra frente e vice-versa.
A “ordem” constitucional de 88 faliu. Morreu. Fede. Precisa ser sepultada para dar vida a uma ordem legal que tenha repouso na adequação dos tempos atuais. Ou isso ou o deserto institucional.
Instituições lambuzadas de poderes, sem preparo de recursos humanos para cumprir atribuições adquiridas. Usamos, no Brasil, o volume morto das leis, como se usam as águas da represa do Cantareira. Um dia, isso sairá da lama para o sangue. É a repetição histórica da tragédia e farsa. O triste é que a farsa é agora. Vamos repetir como?
Se não temos a unção da tragédia, que farsa ofereceremos ao futuro? Só a vergonha do que somos.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Textos originalmente publicado no Novo Jornal
Faça um Comentário