Início da década de noventa, dirigindo meu Fusca, descia pela avenida Presidente Dutra, quando, numa parada de ônibus, visualisei aquela figura de chapéu, com as mãos para trás, que esboçava um porte militar, mesmo estando vestido à paisana.
Não tive dúvidas, parei:
— Tenente Clodoaldo, o senhor vai para a cidade? Ele aproximou-se, baixou-se um pouco, e ficou olhando como quem estava primeiro tentando reconhecer para depois responder.
Lembrei-me de um “prefixo”, como diria o grande Luiz Gonzaga:
— Sou David, filho de seu compadre Aldemar…
Aí sim, ele entrou, festejou o reencontro, apresentou desculpas por não me ter reconhecido de imediato e reclamou, em tom de camaradagem, dizendo que “a gente vê um dia esses meninos buchudos e, de repente, já são homens feitos… então, fica difícil, não é mesmo?”
Depois de amenidades e notícias familiares, a conversa seguiu o inevitável rumo do comentário acerca de sua vida profissional. Ele não se furtou e foi logo fazendo um paralelo sobre a questão da segurança pública, entre o momento em que ele foi delegado da cidade com o que estávamos vivendo à época.
Devido à provocação, tive o privilégio de ouvir uma lúcida e elucidativa análise sobre o tema. Argumentou, entre outras coisas, que a cada dia a violência em Mossoró crescia de forma assustadora e, em contrapartida, os equipamentos policiais não acompanhavam o mesmo ritmo.
Ressaltou que a posição geográfica de nossa cidade, por si só, já era um problema, pois favorecia sobremaneira a bandidagem, em termos de tráfico de drogas, de fugas, etc. Senti que, apesar de já encontrar-se reformado, o velho tenente ainda possuía a farda impregnada em seu espírito, vamos assim dizer.
Provava, àquela altura, que tinha vivido toda a sua vida em função da carreira abraçada e que, se pudesse vivê-la novamente — para usar uma expressão atribuída ao poeta Jorge Luis Borges — trilharia o mesmo caminho. Suas palavras eram contornadas por um entusiasmo juvenil. Em momento algum fez referência ao pequeno soldo ou a qualquer outra desvantagem pessoal auferida ao longo do tempo. Transpirava dignidade.
Dona Hilda, minha mãe, vez por outra, reclama do esquecimento a que foi relegado o tenente Clodoaldo. Não se vê em Mossoró, diz ela, uma rua, ou qualquer outra homenagem, a um homem que por várias décadas — contando apenas com reduzidíssimo contingente e um surrado Jeep, como viatura — foi uma espécie de guardião da cidade.
Seu exemplo de honestidade e correção parece fadado a ficar restrito aos que com ele conviveram. E, pelo que vemos, não existe uma autoridade que pense diferente. Minto. Façamos justiça ao vereador Renato Fernandes, que, numa louvável iniciativa, pretendeu homenagear o tenente Clodoaldo dando seu nome ao presídio federal que está sendo construído em Mossoró.
Mas, como a edilidade municipal não tem competência para tanto, posto que a obra é de responsabilidade do governo federal, a idéia de Renato transformou-se em mera sugestão à nossa bancada de deputados federais e senadores, e, destes, até onde sei, não houve manifestação alguma. Lamentável.
Bem, deixando um pouco de lado essa questão de homenagem — que em nossa província carece de estudo mais acurado, pelas aberrantes distorções —, lembro que, pouco tempo antes de falecer, o tenente Clodoaldo concedeu algumas entrevistas a jornais locais e, portanto, faço a seguinte pergunta-sugestão: não seria o caso de nossa gloriosa polícia militar reeditá-las, em forma de plaquetes, para serem distribuídas em sua Escola de Formação?
Seria, sem dúvida, uma boa e ilustrativa leitura para os que estão iniciando suas carreiras.
David de Medeiros Leite, professor e advogado (david.leite@uol.com.br)
Tenho uma vaga lembrança da figura do tenente Clodoaldo: homem forte, usava chapéu, olhos claros e andava num Jeep! Residia no conjunto Walfredo Gurgel…
Se não me falha a memória, vítima do tempo, essas são lembranças do final da década de setenta e início da de oitenta.
Boa lembrança! Homenagem devida!
Meu maior orgulho de vida foi o meu avô…A SAUDADE E A LEMBRANÇA DELE SERÁ ETERNA…