Por Carlos Brilhante
Como bom veranista, furtivamente resolvi fazer uma caminhada na beirinha da praia, fim de tarde. Sol descendo, mar refletindo. Maré baixa.
Não sabia primeiramente qual roupa usar, não pela quantidade de opções que tivesse mas mais pelo olhar de reprovação dos mossoroenses de soslaio, que por vezes costumam se passar na orla. Em consideração a estes escolhi ir com a que eu estava mesmo, uma camisa vermelha surrada de campanhas passadas, e uma bermudinha de baixo custo que comprei parceladamente.
Dei o primeiro passo e pensei já seriamente em desistir, sentar na areia e talvez fingir que estava construindo um castelo ou escrevendo algum poema a la padre Anchieta, o catequizador. Lembrei das aulas, frases e lições de coach que sempre desprezei e mentalizei: vou bater na Pedra do Chapéu. Os passos firmes foram logo molhados pelas águas salinas da Costa Branca, reconfortaram me a caminhada.
Como bom observador comecei a olhar o costume das pessoas. Primeiramente vi uma senhora que apertava contra si seu Lulu da Pomerânia, parecia o proteger contra as agruras de uma existência canina de carrapatos, germes de areia, ou Marias-Farinhas das Emanuelas. Vi um Crossfiteiro com seu Husky Siberiano… Vi um outro cãozinho que provavelmente tinha ascendência europeia, sangue azul da raça.
Faltou me a brasilidade de um bom vira-latas tupiniquim. Aquela língua pra fora marota e seu ar de satisfação na liberdade de revirar um lixo. Até vi um caramelo, afastado rispidamente por uma criança que tivera invadido seu espaço pela graça de algo que não fora seu vídeo game de última geração.
Logo após avistei um grupo de jovens envoltos em algo que parecia uma caixa com luzes psicodélicas tocando um alto e ruim som de uma batida maçante. O cantor parecia estar desesperado em atiçar a puberdade desesperada daqueles adolescentes, em uma linguagem frenética e sem pudores.
Pensei logo no peso dos meus 30 anos e gosto musical de 70, tentei repelir aquele barulho com a leveza de João Gilberto, ou a alegria dos Novos Baianos, alguma coisa envolvendo poesia e música boa. Um barquinho nas marolas da Bossa Nova me fizeram crer que já estava passado, ou algo do tipo. E daí? Se o que é gasto me apetece! Tentei pensar na Nova MPB, em cantores mais modernos e fui tentando buscar mentalmente um equilíbrio que pouco importava a geração Z.
Segui mais adiante e vi senhoras conversando em suas cadeirinhas, senhores caminhando e não pude deixar de me projetar em algum deles, sozinho pensando nos primeiros dias.
Vi três pescadores puxando uma rede, e me alegrei ao cumprimentá-los, talvez fosse um alento à suas redes vazias e baldes cheios de vento. Pisei logo mais à frente em algum resquício plástico, avistei um isopor, um pedaço de galão de gasolina, e uma máscara meia enterrada na areia.
Ao me aproximar da parte mais antiga e elitizada das falésias, não pude deixar de apreciar lindas casas antigas, que pareciam imunes ao tempo e ao vento. Observei que já restavam quase escondidas por outras novas que seguiam a regra atual de serem parecidas com caixas de fósforo ou com retangulares sepulcros caiados, conforme o Santo Evangelho.
Pensei na pobreza dessa nova leva de arquitetos em projetar fabrilmente quadrados para se morar. Pensei faltar lhes o amor à profissão, a personalidade, o estilo, a criatividade de se fazer “lares” e não meros “projetos”. De um condomínio que esmerava finesse vi escorrendo um grande tubo de esgoto a jorrar pela praia. Perdoei o engenheiro por talvez ter faltado as aulas de desenvolvimento sustentável ou entreguei a Deus no poder ser a situação ainda pior e ser ele um negacionista.
Nessa nuvem de pensamentos cheguei enfim ao lugar proposto, sentei numa escada e fiquei olhando a imensidão azul tocando a amplidão do céu, já esmaecido pelo crepúsculo, fiz uma prece, uma meditação e voltei.
Voltei mais rápido do que fui, talvez pela já quase escuridão que me impedia ver as pessoas à volta, e pude olhar a mim mesmo e minhas contradições. Eu, o mar, a areia, as pegadas e já a primeira estrela despontando no ermo.
Carlos Brilhante é advogado
Difícil ler TIBAU e não lembrar do Odemirton.
Mestre François Silvestre tem razão.
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LAWRENCE CADÊ O COENTRO?
Bom “retrato ” de nossa educação.
Quanto as músicas, se que as são, tocadas nos paredes reluzentes, sem comentários.
Gostei muito Quanto você falou nos Novos Baihanos; eu assisti em Recife na década de 70 o espetáculo: Novos Baihanos FC.
Procurei este LP por muitos anos. Mas graças ao Spotify, consegui.
Segundo a revista Billboard, seria o melhor do século.
Um abr
Abraçaço!
O texto nos faz refletir como anda os
Comportamentos da nossa sociedade.. a pergunta é : onde iremos parar ?
Parabéns Carlos Brilhante.
Sua crônica foi Brilhante.
Que texto! Quanta sensibilidade e sensatez. Quase pude me teletransportar e sentir todas essas impressões.