Por Antônio Francisco
Nasci numa casa de frente pra linha,
Num bairro chamado Lagoa do Mato.
Cresci vendo a garça, a marreca e o pato,
Brincando por trás da nossa cozinha.
A tarde chamava o vento que vinha
Das bandas da praia pra nos abanar.
Titia gritava: está pronto o jantar!
O Sol se deitava, a Lua saia,
O trem apitava, a máquina gemia,
Soltando faísca de fogo no ar.
O galo cantava, peru respondia,
Carão dava um grito quebrando aruá,
A cobra piava caçando preá,
Cantava em dueto o sapo e a jia,
Aguapé se deitava e depois se abria,
Soltava seu cheiro nos braços do ar
O vento trazia pro nosso pomar,
Vovô se sentava no meio da gente
Contando história de cabra valente
Ouvindo lá fora do vento cantar
Mas hoje nosso bairro está diferente.
Calou-se o carão que cantava na croa,
A boca do tempo comeu a lagoa
E com ela se foi o sossego da gente.
O vento que sopra agora é mais quente
E sem energia não sabe soprar.
A máquina do trem deixou de passar,
Ninguém olha mais pros raios da Lua
Que vivem perdidos no meio da rua
Por trás dos neóns sem poder brilhar.
Perdeu-se traíra debaixo do barro,
O sapo e a jia também foram embora.
Aguapé criou pé, deu no pé e agora?
Só rosas de plástico tristonhas num jarro,
Fumaça de lixo, descarga de carro,
Suor de esgoto pra gente cheirar,
Telefone gritando pra gente pagar,
Um louco na rua rasgando uma moto,
Um besta na porta pedindo o meu voto
E outro lá fora querendo comprar.
Um carro de som fanhoso bodeja:
Tem água de coco, tem caldo de cana,
Cocada de leite, gelé de banana,
Remédio pra caspa, tem copo, bandeja.
Uns quatro vizinhos brincando de igreja
Vão pra calçada depois do jantar.
O mais exaltado começa a pregar:
Jesus é fiel, castiga, mas ama!
E eu sem dormir rolando na cama
Pedindo a Jesus pro culto acabar.
E pegue zoada por trás do quintal:
Salada, paul, pomada, paçoca,
Pamonha, canjica, bejú, tapioca,
A do Zé tem mais coco, a do Pepe é legal!
Dez bola, dez bola, só custa um real!
Mas traga a vasilha pra não derramar!
Apuveite! Apuveite!
Que vai se acabar!
E alguém grita: gol!
Minha casa estremece
E eu digo baixinho: meu deus se eu pudesse
Armar minha rede no fundo do mar!
Antônio Francisco é poeta e membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel
Muito legal
Simplesmente genial.
Antonio Francisco é um poeta admirável. Sua sensibilidade encanta quem o conhece. Perfeito.
Maravilhosa a narração do poeta acerca dA lagoa do Mato. Sou de Mossor
o e lembro perfeitamente do lugar.
Esta semana eu tive o prazer de ouvir o poeta e seus versos. Todas às vezes que eu me encontro com ele, a admiração se renova. Além de ser uma pessoa que cativa pela sua humildade e caráter, o seu carisma contagia e o faz diferente dos demais. E com relação aos versos acima posso testemunhar como verdadeiros, pois sou do bairro ao lado e já enchi muita roladeira d’água na Lagoa do Mato – quando a Lagoa do mato tinha a lagoa. Agradeço ao amigo David de Medeiros Leite pela indicação da leitura.
Linda, linda. Grande mestre
Muito bom!!!! Antonio Francisco é sempre perfeito em declamar sua terra,além de dar exemplo de como um ARTISTA pode e deve ser humilde.
Porra Antonio Francisco sem comentários. Este foi demais.
Antonio Francisco como sempre, simples sem ser simplista e genial como poucos que conseguem cultivar a simplicidade na escrita, nos versos e na vida.
Para sair dessa mesmice e da mediocridade infelizmente tão comum no país de Mossoró, temos que valorizar os artistas e as obras do porte e da grandeza de Antonio Francisco.
Antonio Francisco…ser humano simples e bonito como seu nome.
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.