O poder é visto como se fosse um atributo pessoal ou uma parte (mesmo que transitória) do patrimônio do ocupante do cargo público.
Não se pensa na contrapartida de responsabilidades e deveres. Essa, na opinião dominante, é uma parte retórica. Útil para discursos em solenidades ou declarações destinadas ao grande público. E só. Talvez porque haja descrença generalizada quanto à eficiência da fiscalização do exercício do poder.
A sensação é de que uns se amparam nos maus exemplos dos outros e todos se sentem protegidos por uma generosa imunidade/impunidade (um “céu em que todos os pecados são perdoados”).
Daí a significação que tem o exemplo de um governante – como foi o Monsenhor Walfredo Gurgel – que se preocupava sempre e principalmente com suas responsabilidades e deveres. Que nunca se deixou deslumbrar pelo poder. E, por isso mesmo, nunca o utilizou para engrandecer-se ou tentar destruir os adversários.
Estava atento ao que lhe cumpria fazer, como governante, para gerir corretamente o dinheiro público e aplicá-lo da melhor forma possível. Não fazia concessões eleitoreiras na realização de obras públicas. Primeiro, avaliava sua prioridade e, depois, a possibilidade de comprometimento das finanças do Estado. Era nisso de um escrúpulo que chegava a irritar correligionários, que atribuíam esses cuidados à ingenuidade ou ao excesso de boa-fé do sacerdote.
O que eles queriam era o rendimento político das realizações. O ônus podia ficar para o próximo governo. Mas o Monsenhor pensava no Estado e não em seu futuro político. Mesmo assim, o seu governo construiu obras pioneiras e fundamentais, nos mais diferentes setores da Administração Pública.
Foi no seu governo que aquela velha ponte rodoferroviária de Igapó, estreita, precária, perigosíssima, foi substituída por uma verdadeira ponte, segura, moderna, adequada às suas finalidades de ligar os bairros tradicionais da cidade à emergente Zona Norte, em constante processo de expansão, e de servir de meio de acesso a grande parte do interior do Estado.
Devemos ao governo Walfredo Gurgel a primeira biblioteca pública de Natal – a “Biblioteca Câmara Cascudo”. Talvez nenhum outro governo tenha investido tanto, proporcionalmente às suas disponibilidades financeiras, e com maior êxito, em face dos critérios de rigoroso controle dos gastos, na eletrificação urbana e rural do Estado.
O Hospital Walfredo Gurgel foi o primeiro hospital de emergências médicas de nossa Capital. Até hoje – ampliado por exigência do elevado número de pacientes – é a principal (ou talvez única) unidade hospitalar que oferece serviços de pronto-socorro às faixas mais humildes da população estadual. E esse atendimento estende-se a pessoas das mais diferentes classes sociais vítimas de acidentes.
Por sua vez, a Fundação José Augusto, sob a direção de Ilma Melo, fez algo que me parece essencial: a publicação de autores da terra.
Por que estou aqui a relembrar o Monsenhor Walfredo e o seu governo? Porque este é o ano do centenário de seu nascimento (1908-1971).
O que destacar em sua biografia? Sua origem extremamente humilde, sem condições sequer para cursar o seminário? Seus estudos, em Roma, de Filosofia e Teologia e posterior doutorado em Direito Canônico pela Universidade Gregoriana? A atuação do vigário-geral de Caicó que fundou o Ginásio Diocesano e foi nele, durante vários anos, o providencial faz-tudo? O Deputado Federal eleito para a Constituinte de 1945? A sucessão de grandes conquistas eleitorais: Vice-Governador, Senador e Governador do Estado (1966-1971)?
Era um líder carismático, um homem simples e íntegro. Usou a política – sem nunca se afastar da ética – para servir ao Estado. Muito me honra ter sido Consultor-Geral em seu governo.
Ivan Maciel de Andrade – Advogado
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