domingo - 13/09/2015 - 07:56h

Um grito no escuro – Serra das Almas

Por Marcos Pinto

É  preciso  caminhar  nas  noites   vislumbrando  a  pérfida  e  vil   alma  da  escuridão.  Em cena, o   percurso  monótono  e  melancólico  dos  espectros  humanos.

Imersos  e  vestidos  do crepe da longa  e  angustiante  noite,  transformam    em  pânico  os  interrogativos  momentos seguintes.   Avassaladora,  a  tessitura  do medo  surge   dentro  de  um  silêncio  absoluto, senhor de   todas as  premissas.

Nesse  desiderato,  o  corpo  fragilizado   pelo  temor  do  inesperado é acossado  por  um  imperativo  e  dominante  calafrio,  a  percorrer  a  medula.  Reina  um  clima opressivo de imensurável   tensão. A  mente  em  ebulição  começa  a formatar  monstros   da   traição,  prontos  para  dar  o  bote  fatal,  já  sentindo  o  gosto  de  sangue  quente  na  boca.   A serra  das almas traz  sua  vasta  caatinga   emoldurada  pelos  mistérios  e  medos  da  noite.

O viandante   solitário  constitui-se  em  divisor  entre  a  ficção  das   histórias   de  mal-assombro e a realidade  de alguns,  cheia  do  falso  ufanismo  do  arrojo,  da  coragem  sopitada   pelo imprevisível   ataque  fulminante. As  emboscadas fatais  sempre  encontra  arrimo  nas  garras  da soturna escuridão.

Aproveitando  esse   sutil   escudo, o  covarde  e  frio  assassino  morde  os  lábios  com tanta  pressão  que  o  sangue  fervente  ameaça  romper  a  fina  pele  e  escorrer  em suas vestes.  Chispas   de  premeditado  ódio  incendeiam-lhe  a  alma de  ferina  severidade.   No  semblante,  a   uniformidade   preta   empresta  à  ignominiosa  cena  uma  grandiosidade   de anfiteatro   lúgubre   e  triste,  protagonizando  uma  expectativa  de  catástrofe.

De  súbito,  um  lancinante  grito  de  dor  e  de  medo  rasga  o  véu  da  noite,  com  afinação, timbre  e  ritmo  das agourentas  aves  noturnas.

Delineia-se   a  senda  do  crime  vil  e  covarde,  praticado   por  mão  mercenária,  custeada  pelo  vil  metal  do  mandante.   O  cumprimento  do  macabro  plano exercera  o  efeito  embriagante  das  engendrações  diabólicas, proporcionando  o  equilíbrio  com  o  silêncio   cúmplice.

No  inóspito  sertão,  as  veredas  da  serra  das  almas,  outrora  caminhos indígenas,  sentiram  o  pisar  frenético  do  monstro  da  morte,  a  farejar  o  céu  com  suas  narinas  de  fera  insaciável.  Sequer  um  lampejo  de  remorso.

Apenas o  inconfundível  gosto  de sangue  a  escorrer  entre  os  dentes  da  sua  macabra  alma.  No  semblante,  laivos   de  imenso   prazer  revelavam  a predisposição   incessante  a  serviço   das  práticas  satânicas.  Não  havia espaço para o  sentimento  do  mutismo, uma  vez  que  o  farfalhar  da  brisa  noturna vagando  nas  matas   nativas   sussurravam-lhe   palavras   ininteligíveis, como  se  fossem  a  completude  do gesto  vil  e  covarde.

O  caldeamento  da  raça deixara-lhe  marcas  visíveis  e   invisíveis   a  serviço  do  mal,  da  traição  e  da  vilania.

A  unção  da  noite  tem  forjado  os  mais  torpes   e cruéis  crimes.  O  desenrolar  e  o  desfecho  das  histórias   mal-assombradas   da  serra  das  almas revelam  a   particularidade    “de  formar  uma   espécie  de  película  indelével,  capaz   de tapar  o  abismo  em que  havia  se   transformado”.

Na  leitura  acurada  dos  anais  da  história  da   serra  das  almas  (Chapada  do  Apodi), sempre ecoarão  os  gritos   de  dor   no  escuro, tendo o  espantoso  memorial  da  morte  como  caixa  de  ressonância.

Marcos Pinto é escritor e advogado

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Anderson Tavares de Lyra diz:

    Maravilha de crônica da lavra do ilustre advogado e acadêmico Dr. Marcos Pinto, guardião da chama votiva apodiense. Parabéns ao blog por compartilhar conosco essa página da nossa história. A. Tavares de Lyra, Sócio Correspondente da Academia Apodiense de Letras.

  2. Aluísio Barros de Oliveira diz:

    O grito da coruja [rasga mortalha] me arrepia. Escuto correria no telhado. Creio ser um rato molhado de medo. Tudo isso casa com a crônica do dileto conterrâneo e amigo desde a infância, Marcos Antônio Pinto. Sabe usar as palavras. Parabéns.

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