Por Marcos Pinto
É preciso caminhar nas noites vislumbrando a pérfida e vil alma da escuridão. Em cena, o percurso monótono e melancólico dos espectros humanos.
Imersos e vestidos do crepe da longa e angustiante noite, transformam em pânico os interrogativos momentos seguintes. Avassaladora, a tessitura do medo surge dentro de um silêncio absoluto, senhor de todas as premissas.
Nesse desiderato, o corpo fragilizado pelo temor do inesperado é acossado por um imperativo e dominante calafrio, a percorrer a medula. Reina um clima opressivo de imensurável tensão. A mente em ebulição começa a formatar monstros da traição, prontos para dar o bote fatal, já sentindo o gosto de sangue quente na boca. A serra das almas traz sua vasta caatinga emoldurada pelos mistérios e medos da noite.
O viandante solitário constitui-se em divisor entre a ficção das histórias de mal-assombro e a realidade de alguns, cheia do falso ufanismo do arrojo, da coragem sopitada pelo imprevisível ataque fulminante. As emboscadas fatais sempre encontra arrimo nas garras da soturna escuridão.
Aproveitando esse sutil escudo, o covarde e frio assassino morde os lábios com tanta pressão que o sangue fervente ameaça romper a fina pele e escorrer em suas vestes. Chispas de premeditado ódio incendeiam-lhe a alma de ferina severidade. No semblante, a uniformidade preta empresta à ignominiosa cena uma grandiosidade de anfiteatro lúgubre e triste, protagonizando uma expectativa de catástrofe.
De súbito, um lancinante grito de dor e de medo rasga o véu da noite, com afinação, timbre e ritmo das agourentas aves noturnas.
Delineia-se a senda do crime vil e covarde, praticado por mão mercenária, custeada pelo vil metal do mandante. O cumprimento do macabro plano exercera o efeito embriagante das engendrações diabólicas, proporcionando o equilíbrio com o silêncio cúmplice.
No inóspito sertão, as veredas da serra das almas, outrora caminhos indígenas, sentiram o pisar frenético do monstro da morte, a farejar o céu com suas narinas de fera insaciável. Sequer um lampejo de remorso.
Apenas o inconfundível gosto de sangue a escorrer entre os dentes da sua macabra alma. No semblante, laivos de imenso prazer revelavam a predisposição incessante a serviço das práticas satânicas. Não havia espaço para o sentimento do mutismo, uma vez que o farfalhar da brisa noturna vagando nas matas nativas sussurravam-lhe palavras ininteligíveis, como se fossem a completude do gesto vil e covarde.
O caldeamento da raça deixara-lhe marcas visíveis e invisíveis a serviço do mal, da traição e da vilania.
A unção da noite tem forjado os mais torpes e cruéis crimes. O desenrolar e o desfecho das histórias mal-assombradas da serra das almas revelam a particularidade “de formar uma espécie de película indelével, capaz de tapar o abismo em que havia se transformado”.
Na leitura acurada dos anais da história da serra das almas (Chapada do Apodi), sempre ecoarão os gritos de dor no escuro, tendo o espantoso memorial da morte como caixa de ressonância.
Marcos Pinto é escritor e advogado
Maravilha de crônica da lavra do ilustre advogado e acadêmico Dr. Marcos Pinto, guardião da chama votiva apodiense. Parabéns ao blog por compartilhar conosco essa página da nossa história. A. Tavares de Lyra, Sócio Correspondente da Academia Apodiense de Letras.
O grito da coruja [rasga mortalha] me arrepia. Escuto correria no telhado. Creio ser um rato molhado de medo. Tudo isso casa com a crônica do dileto conterrâneo e amigo desde a infância, Marcos Antônio Pinto. Sabe usar as palavras. Parabéns.