Mais uma vez tenho um oficial de justiça à minha porta. A batida ao portão, com o punho cerrado e em sequência tonitruante, não me deixa dúvida. Pergunto só para conferir mesmo:
– Quem é?
– Sou eu, Carlos Santos. É Otacílio, oficial de justiça.
Nem precisava a declaração oficial.
O “toque” de Otacílio é personalíssimo.
Tomo a liberdade, para não atrasá-lo, de sair em trajes quase sumários, com meu físico de pintassilgo resfriado, pernas de talo de coentro à mostra.
Uso apenas uma toalha contornando a cintura, dorso “atlético” à exibição, como um gladiador apolíneo, espécie de deus grego do semi-árido.
Tenho essa naturalidade, em face da frequência com que os oficiais de justiça aportam aqui em meu muquifo, sempre trazendo citações e intimações da patota que está no poder e, que, não é do ramo.
Pelo menos do ramo de governar, que se diga.
Suas manoplas têm outras habilidades.
Bem, mas voltemos ao ponto central desta prosa.
Surpreendi-me. Nem intimação nem citação.
O amigo Otacílio, de manhã ainda cedo, pede desculpas pelo suposto incômodo. Quer apenas uma informação sobre outra pessoa a ser citada judicialmente. Oriento-lhe, ajudo-o. E, lógico, coloco-me sempre à disposição para esse ou outro fim ao meu alcance.
Como jurisdicionado, até cobro tratamento diferenciado, pois me considero o melhor por essas plagas, sem nunca me esconder ou colocar qualquer embaraço ao prosseguimento processual, desde a simples citação.
Dessa vez, na pressa não deu para oferecer pelo menos um copo com água ao Otacílio. Mais não posso. A geladeira parece um chafariz: só tem água.
Fica para uma próxima.
– Volte sempre – intimo ao me despedir.
Carlos Santos:
A crônica “um oficial de justiça na minha porta” é digna de um Machado de Assis.
Achei ótimo “volte sempre”.
Vc podia explorar mais esse viés, amigo. Parabéns!
Prezado Carlos Santos,
Escreves com serenidade e brilhantismo. Suas palavras parecem imagens que tão claras no nosso imaginário poético são dignas de uma tela.
Amigo, dei ótimas gargalhadas com a sutileza dessas ótimas linhas sobre o oficial de justiça que já se tornou até seu amigo. Até eu pensava que era uma nova convocação para depor em juízo! Mas, aquela do chafariz…. ainda estou sorrindo até o presente momento!
Finalmente, surge um grande escritor em Mossoró.
“…espécie de deus grego do semi-árido.”, hilário!
Vc é incrível. Parabéns.