Descrevi o que seria essa nova “onda”, assim batizada por força da falta de uma expressão melhor, e calculadamente inspirada, a expressão, na obra homônima de Alvin Toffler, guru americano na moda em meados da segunda metade do século passado, “expert” em projetar o futuro.
Os paradigmas são simples e poucos: utilização do método científico na pesquisa do imenso acervo de dados existentes acerca do cangaço, hoje, e utilização da teoria da evolução de Darwin, na análise do material disponibilizado pela pesquisa.
Entre os argumentos elencados na defesa de minha proposta está uma constatação óbvia: hoje quase não temos fontes primárias a serem pesquisadas, e as poucas restantes – personagens que participaram diretamente do ciclo do cangaço – delas já se extraiu o possível e o impossível.
Ressalvei a possibilidade de ocorrer, extraordinariamente, o que aconteceu em relação a Plácido de Castro, ou seja, a descoberta de papéis de um lugar-tenente seu, em um lugar remoto do interior do Rio Grande do Sul, alusivos ao período no qual o gaúcho lutou pelo Acre. Se acontecer algo assim, como por exemplo, a descoberta de um diário perdido do Coronel Floro Bartolomeu, será uma verdadeira festa para os pesquisadores do cangaço e coronelismo, mas, com certeza, absolutamente inesperado.
Um exemplo para explicar o que seria a “nova onda” em relação ao cangaço é a teoria do “escudo ético”, de Frederico Pernambucano de Mello, com certeza um dos nossos mais importantes e originais pesquisadores.
Segundo essa teoria, calcada em metodologia científica – uma conjectura, portanto, exposta à refutação – os cangaceiros construíam um “escudo ético” para justificar sua senda criminosa: diziam agir como agiam como conseqüência de um sentimento de justiça oposto à injustiça de ações contra si ou sua família cometidas, tudo calcado em um ancestral código de conduta tipicamente sertanejo.
Podemos não concordar com a teoria de Frederico Pernambucano, mas não podemos negar que ela resulta do tratamento científico dado ao resultado – os “dados brutos” – obtido com as pesquisas realizadas durante a “onda antiga”, que coletava informações e as repassava, a grande maioria das vezes, sem qualquer checagem quanto aos fatos arrolados.
Quanto ao darwinismo, penso em sua utilização no âmbito das ciências sociais como a grande ruptura com os modelos anteriores, tais como o marxismo e o funcionalismo americano, o estruturalismo francês e Weber. O darwinismo é uma macro-visão da realidade, incluindo, aí, o campo social, a única a resistir à virada do milênio, esse mesmo milênio que deu contornos bem mais limitados ao pensamento de Freud e Marx.
Darwin é o grande sobrevivente.
Evidentemente quando abordo o darwinismo rechaço o assim chamado “darwinismo social”, que nem é darwinismo, nem é social, e somente existe hoje no cérebro de quem, realmente, não conhece a obra de Darwin. Criticar o darwinismo a partir do “darwinismo social” é, mais ou menos, como criticar a democracia pelos desvios ideológicos que ela possibilita.
Típica do desconhecimento acerca do darwinismo é uma questão que foi formulada por um dos comentadores da entrevista: “a lei do mais forte, então, justificaria socialmente o cangaço?”
A ciência não justifica nada; a ciência explica. Uma “nova onda” em relação ao cangaço permitiria, por exemplo, demonstrar por que Lucas da Feira não foi cangaceiro. Aliás, a filosofia pode fazer isso: se Lampião é o paradigma, basta compararmos Lucas a ele e nos indagar se eram semelhantes.
Obviamente não. Nem todo bandido rural era cangaceiro.
Como permite a “nova onda” rir da afirmação feita por outro comentador de que eu nego “aos integrantes das camadas populares a capacidade de elaborar estratégias de vida por meio de operações intelectuais…” Nunca tinha visto nada tão disparatado.
A lei da evolução confirma que desde a ameba, até o Homem, ou seja, qualquer ser vivo, sobrevive graças à capacidade de elaborar estratégias de sobrevivência.
Está em Karl Popper, de quem recomendo a leitura.
A habilidade “política” de Lampião – penso que o comentarista quer dizer habilidade guerreira – é algo concreto: não fosse assim ele não teria sido quem foi. Entretanto devemos colocar essa habilidade em seu contexto específico, qual seja, o jogo de poder inerente ao coronelismo que permitiu sua sobrevivência durante tantos anos no Sertão inóspito.
Enfim, nada mais interessante do que essas polêmicas que nos permitem aprofundar e redimensionar nossas opiniões. Não por outra razão elas me interessam vivamente.
Ao contrário de quem não gosta de ser contrariado em me perfilo com D. Hélder Câmara: “me enriquece quem de mim discorda”. Nada tão belo. Nem tão correto, epistemologicamente pensando.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado.
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