Por Inácio Augusto de Almeida
Espio para este céu azulzinho e me avexo.
Tão bonito e ameaçador.
A plantação desde há muito não dá nada, desde a era em que Jesus levou Cecinha para junto dele. Ainda me arrecordo dela, tão magrinha, tossindo, tossindo, tossindo. Seus óios crescendo todos os dias como se fossem ficar do tamanho da lua.
Até que um dia ela assossegou pra sempre.
Compadre Bento, que entende destas coisas, me jurou que foi do gosto de Deus, porque se não fosse ela teria ficado junto deu e hoje era uma mocinha.
Se eu tivesse recurso naquele dia para ter levado ela para o Doutor da cidade olhar, talvez Deus tivesse esperado um pouco mais.
Mas eu não tinha dinheiro nenhum e me acanhei de pedir ao Coroné.
Ele já tinha sido tão bom comigo.
Até comprimido de Melhoral ele já tinha me dado para ver se a Cecinha ficava boa daquela tossideira.
Seu vigário me disse que compadre Bento tinha razão.
Cecinha só se foi porque Deus quis.
Se chovesse um bocadinho que fosse eu saía desse aperto. Plantar eu plantei, só falta um tiquinho de água, uma gotinha só.
Mariazinha já está com a mesma tossideira da Cecinha. Dá vontade de chorar, mas não posso chorar.
Me disseram, desde que eu era menino que só servia para apanhar algodão, que sertanejo não chora, que choro fica para quem é do brejo. Mas que sinto uma vontade lascada de chorar, eu sinto, não vou mentir.
Meu coração parece que está sendo cortado por uma peixeira cega.
Dói muito, muito mesmo.
Naquele último ano em que deu safra, foi muito bom.
Eu me arrecordo de que comprei até um vestido novo para a Cecinha. Foi bom demais, como foi bom.
O homem que veio da cidade comprar as coisas da gente pagava tudo com dinheiro novinho que parecia pão quente que a gente come quando vai à cidade.
Compadre Bento me explicou que o dinheiro estava estalando porque era dinheiro do banco que tinha sido emprestado ao homem para comprar o que a gente tinha apanhado.
O homem só queria comprar tudo barato e terminou a gente vendendo barato mesmo, senão estragava tudo. Mas mesmo destes modes ainda deu pra gente tomar umas pingas na bodega do seu Manuel e ir ver a novena na cidade.
Como a Santa tava bonita e como o seu vigário tava alegre.
Mariazinha continua tossindo, o céu continua azulado, tão azulado como o pano que enrolou Cecinha.
Mas vai chover, se Deus quiser, vai chover.
E Deus é bom.
Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor
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