Por Bruno Ernesto
Sempre tive a certeza de que a história pode ser muito irônica. Por vezes, parece até proposital. Não duvidemos. Todavia, embora não acredite muito em coincidências históricas, talvez possa acontecer.
Talvez isso aconteça de propósito para reforçar a célebre frase do filósofo George Santayana, de que “Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Se bem que, por vezes, vale a pena. Pelo menos por um instante, afinal a vida é um fluxo e um refluxo.
Por tal razão, é imprescindível que a história registre os momentos cruciais da humanidade. Eis um dos grandes problemas de se compreender a história.
Não se deve estudá-la de modo isolado, como se tal ou qual evento histórico tenha se dado isoladamente, sem considerar o contexto de suas origens e seus desdobramentos, de maneira que é imprescindível que se tenha uma visão global e interconectada entre os fatos, ainda que se analise uma pequena porção e de forma particular.
Afinal, para se compreender a parte, é preciso compreender o todo. Por isso temos os museus, os monumentos históricos e toda sorte de registros históricos.
Quem tem familiaridade com os meus textos – ainda que não os valorize e os leia na surdina – pode perceber que sempre abordo experiências de fato vividas por mim. Ainda que num pequeno trecho deles.
A primeira vez que estive em Amsterdam, a caminho da casa de Anne Frank, na mesma rua Prinsengracht, por acaso avistei do outro lado do canal, o Museu das Tulipas de Amsterdã e, claro, imediatamente lembrei do famoso caso da Crise das Tulipas, considerado o primeiro caso de bolha especulativa da história.
Para quem não lembra, no tempo de Rembrandt, enquanto os holandeses ocupavam o Brasil, produzindo toneladas de açúcar para enviar para uma Europa sedenta dessa especiaria, não se sabe por que cargas d´água, alguém disse que as tulipas eram o novo ouro dos Países Baixos.
Bastou tal previsão mercadológica para, em 1634, iniciar uma descomunal corrida pelos bulbos de tulipa. A loucura foi tão significativa e sem precedentes, que teve quem vendesse todo o patrimônio para investir nesse novo mercado. Inclusive herança de gente viva.
O açúcar – especialmente o saído da região Nordeste brasileira – que outrora era considerado um símbolo de poder e status para quem podia consumi-lo regularmente, dado o seu alto valor de mercado, chegou a ponto de se criar uma horrorosa representação simbólica-social de que ter os dentes careados e pretos por consumir açúcar era o ápice da ostentação.
Todavia, no caso das tulipas, no ano de 1637, bastou um produtor de tulipas dizer que não poderia entregar a produção aos compradores daquele mercado futuro conforme combinado, que o mercado evaporou, causando a ruína imediata de todos os que acreditaram naquele sonho, sendo o impacto tão grande, e a lição tão duradoura, que até hoje os holandeses são vigilantes com as suas economias, embora seja um país economicamente estável, e são ultra céticos em relação a aventuras financeiras.
No nosso caso, após o estouro da bolha especulativa com cheiro de tulipa, o açúcar retomou o seu protagonismo, e, desde então, continua a adoçar nossas vidas.
Aliás, retomando a ironia histórica que suscitei acima, na última semana – de repente, quase como sem razão, sem motivo aparente, sem lógica, sem pé nem cabeça -, eis que o açúcar mostrou o seu lado especulativo, tal qual aconteceu com as tulipas no tempo de Rembrandt.
Tão brilhoso, açucarado, vermelho e saboroso que, tal qual o bulbo de uma tulipa, cabe confortavelmente na palma de nossa mão; e o frenesi em sua busca nas pâtisseries só é comparável ao da Crise das Tulipas.
Todavia, embora carregue no nome um sentimento totalmente intangível, desta vez, tornou-se tangível e real, pelo menos até que alguém diga que não poderá mais entregá-lo como prometido. Não o doce, porém o sentimento.
Se não o mesmo enredo, talvez a mesma história. Vai saber?
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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