domingo - 01/06/2025 - 09:56h

Vida e arte em Nuremberg

Por Marcelo Alves

Foto com alguns dos principais criminosos nazistas (Reprodução da Web)

Foto com alguns dos principais criminosos nazistas (Reprodução da Web)

Por estes dias, enviei um artigo para a revista da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN analisando, de uma forma mais extensa do que é possível num espaço de jornal, o filme “Julgamento em Nuremberg” (“Judgment at Nuremberg”), de 1961.

Um clássico dos “filmes de tribunal”, do ponto de vista cinematográfico, “Julgamento em Nuremberg” é simplesmente uma película fantástica. Sob a direção de Stanley Kramer, é protagonizado por gente do top de Spencer Tracy, Burt Lancaster, Marlene Dietrich, Judy Garland, Montgomery Clift, Richard Widmark, Maximilian Schell, Werner Klemperer e William Shatner, entre outros. Em 1962, ele foi indicado a onze estatuetas do Oscar, entre elas as de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia, melhor direção de arte, melhor ator (duas vezes) e por aí vai.

Levou dois prêmios, melhor ator (Maximilian Schell) e melhor roteiro adaptado (para Abby Mann), aos quais se somaram alguns globos de ouro. Ao mesmo tempo “film d’acteurs” e “film à thése”, “Julgamento em Nuremberg” dramatiza um acontecimento verídico – na verdade, uma parte dele, e mesmo assim com muita liberdade, já que estamos falando de ficção –, o “julgamento dos juízes” pós-2ª Guerra Mundial, em que, embora não fossem eles as maiores autoridades do sistema de justiça nazista (estas estavam já falecidas), nove membros do Ministério da Justiça do Reich e sete membros de tribunais do povo e de tribunais especiais foram acusados de abusar dos seus poderes de promotores e juízes para cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade, fomentando e autorizando a perseguição racial e horrendas práticas de eugenia, entre outras coisas, levando à prisão e à morte inúmeros inocentes.

O julgamento durou de 5 de março a 4 de dezembro de 1947. Dez dos acusados foram condenados, quatro absolvidos e dois acabaram não julgados.

E foi com a repercussão do envio do artigo que mais uma vez observei algo curioso na relação arte e vida, ficção e fato. Embora o “julgamento dos juízes” não tenha sido nem de longe o mais importante dos julgamentos então acontecidos na cidade de Nuremberg, ele é hoje, pela força de Hollywood, um dos mais badalados. A versão supera os fatos; a arte, muitas vezes, a vida.

De fato, os “julgamentos de Nuremberg”, decorrentes dos horrores acontecidos na 2ª Guerra Mundial, começaram em 20 de novembro de 1945 e terminaram em 13 de abril de 1949. O principal julgamento, o primeiro deles, teve fim em 1º de outubro de 1946 e concentrou-se na suposta cúpula do regime nazista. Vinte e quatro líderes foram indiciados/denunciados, vinte e um réus acabaram sendo ali julgados, gente como Hermman Goering, Ruldof Hess, Joaquim von Ribbentrop, Alfred Rosenberg, Albert Speer e Franz von Papen, que dispensam apresentações, e até militares como Erich Raeder, Wilhelm Keitel, Alfred Jodl e Karl Dönitz.

A ideia, deveras louvável em termos civilizatórios, era de que, com esses julgamentos, os nazistas seriam severamente punidos, mas de uma maneira digna, o que serviria de exemplo para a posteridade. Como lembra Paul Roland (em “The Nuremberg Trials: the Nazis and their Crimes against Humanity”, Arcturus Publishing, 2010), “os julgamentos não fizeram do mundo um lugar mais seguro, nem eles erradicaram a injustiça, a perseguição religiosa e racial, a escravidão, a tortura e o genocídio. Entretanto, os julgamentos de Nuremberg estabeleceram um precedente no sentido da punição dos responsáveis por crimes que a comunidade internacional considera intoleráveis – onde e por quem quer que eles tenham sido cometidos. Depois de Nuremberg, nenhum chefe de Estado pode alegar estar acima do direito e indivíduos não podem mais evadir-se de suas responsabilidades escondendo-se atrás da impessoalidade da administração à qual serviram. A limpeza étnica, a guerra selvagem e os responsáveis por esses males/crimes são agora puníveis sob o direito internacional. Nós agora temos claros códigos de conduta onde uma vez havia incerteza e ambiguidade. Militares não podem mais alegar que foram forçados a cometer crimes sob coação, nem podem se fiar na [antes tão comum] tese de que foram simplesmente obrigados a cumprir ordens superiores”.

Embora tenha sido apenas no primeiro julgamento que as quatro grandes potências aliadas (EUA, Reino Unido, França e União Soviética) estiveram oficialmente representadas com seus respectivos julgadores, subsequentemente, a partir de 9 de dezembro de 1946, foram levados a cabo, pelos americanos, mais doze julgamentos de criminosos de guerra nazistas de suposta menor relevância. E o nosso real e dramatizado “julgamento dos juízes” foi, anote-se, apenas um deles.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.