domingo - 10/08/2025 - 07:46h

Vigiar e punir, em sete segundos

Por Bruno Ernesto

Foto ilustrativa feita pelo autor da crônica

Foto ilustrativa feita pelo autor da crônica

Um breve e singelo, todavia incisivo, aviso num banheiro, me chamou a atenção para uma antiga questão de consciência: é preciso, de fato, vigiar para se punir?

Próximo do centenário de nascimento do filósofo e teórico social Michel Foucault, autor da célebre obra filosófica “Vigiar e punir: Nascimento da prisão”, aquele aviso posto bem ao lado do botão de acionamento da descarga era um verdadeiro vaticínio: “Por favor, segure a descarga por 7 segundos. Obrigado.”

Como advogado, frequentemente sou instigado a opinar sobre todo tipo de “assunto jurídico”, especialmente quando é de natureza criminal e há grande repercussão na sociedade.

Só digo uma coisa: pelo meu cliente vou até a porta do inferno. Do inferno para dentro, ele entre só.

Parece uma resposta simplória; até mesmo uma graça, pois, não raro, arranca gargalhadas de quem escuta. Mas, no fundo, pense bem: se a lei jurídica, por si só, fosse um freio motor eficaz, não se precisaria da consciência individual, não é?

Aquilo que Émile Durkeim definiu com crença individual que envolve a memória, percepção e a capacidade do indivíduo tomar suas decisões. Sim, não inverti a lógica desta colocação.

E para não estender a discussão, melhor nem mencionar o conceito sociológico da consciência coletiva dele, que explica como as pessoas são influenciados pelas normas, valores e crenças da sociedade na qual está inserido. Uma percepção clara disso é percebida pelo valoroso ditado popular de que a educação de casa vai à praça.

Lembre-se que fora de casa – leia-se, de sua consciência ou falta dela- sempre haverá alguém para lhe lembrar e lhe impor os bons costumes. Por bem ou por mal, é uma escolha “À la carte”.

Por isso que aquela obra de Michel Foucault é tão interessante, pois ele analisa os métodos coercitivos e punitivos adotados pelo Estado, desde o suplício até o Estado moderno que levou a uma punição baseada na disciplina e no controle.

Se você nunca percebeu, os tipos penais apenas descrevem um comportamento que é punível.

Trocando em miúdos: se fizer, ou não fizer, será ou poderá ser punido. A escolha recai sobre indivíduo, assim como suas consequências.

Mas, voltando ao aviso posto na tampa da caixa acoplada do vaso sanitário, imagino quantas pessoas ousaram não o seguir.

Acredito que os atendentes do café contem mentalmente os sete segundos quando alguém entra e sai do banheiro. Talvez seja até uma forma de controle para mantê-lo limpo e sem surpresas para os demais clientes.

Aliás, em outro lugar público que frequentei por um certo tempo, o aviso posto bem em frente ao vaso sanitário era até mais incisivo, ao dizer que, após usar o banheiro, saísse sem deixar rastros, tal qual como numa cena de crime.

Todavia, apertei o botão da descarga e o segurei por exatos sete segundos – contei no ponteiro do relógio de pulso – e saí como se tivesse cometido um crime, mas de consciência tranquila.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica

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