Por François Silvestre
Estamos na feira,/ o poeta afina a viola./ Passa por perto/ a carola/ beata invicta de amor./ Torce a cara: “sou moralista”,/ diz coçando a virilha,/ usada só do coçado./ E quase correndo se manda,/ ouvindo o riso escrachado,/ do bêbado esperto e seboso/ que foi seu amor do passado./
A viola geme dolente/ lembrando o verso sofrido/ que pinta de chumbo o nascente./ Será que chove pra gente?/
Depois que a carola se foi,/ deixando cheiro de sebo,/ e o gaiato mancebo/ cantando farol do que fez,/ a praça se pôs a ouvir/ a viola e o poeta da vez./
Na praça, um pregador/ disputa plateia aos gritos./ Promete lotes no céu/ acende a fogueira do inferno/ com olho ameaçador./ Porém, não tira os olhos/ da bacia do cantador./
Aí chega um vereador/ amigo do povo da praça./ Aperta a mão e abraça/ até de quem nunca viu./ Amigo de todos, beija crianças/ acena ao pastor, de quem foge apressado/ e para postado,/ de olho vidrado na bacia do cantador./
O cantador colhe versos/ como colhia algodão,/ nos tempos da mocidade./ Nas quebradas do sertão,/ numa capoeira vasta de seu Luiz de Antão./
Depois, o inverno se foi./ E só ficou o inferno,/ que assusta e vende medo/ pra burra do pregador./ “Isso é coisa do satã”,/ diz apontando com a Bíblia/ pros lados do cantador.
“Guarde o seu livro preto/ no seu paletó mal lavado,/ porque o meu verso sujo/ espanta o medo inventado”./ Rebate de lá o poeta;/ sem ira, com rima, pausado./
Passa na praça o vigário,/ senhor da paróquia./ Olha de lado/ feito sem ver/ escondido de ouvir./ E ouve sem querer/ o dizer do poeta:/ “No altar das imagens/ se esconde o andor,/ nas chagas expostas/ há sangue e louvor”./
Ninguém entendeu o tocar da viola,/ do padre que passa,/ do pregador de pecados,/ do fuxico da feira./ Estão todos na venda,/ de olhos vendados./
Só não se vende o poeta./ Aquele. Que outros se vendem,/ diferente daquele,/ cujos versos sem rumo/ o mercado dispensa./
Voltemos à Praça;/ ao som da viola/ que toca estridente,/ com versos dolentes,/ das cordas nos dedos,/ ele faz o repente:/ “Quando o sol se agasalha/ avermelhando o Poente/ e as nuvens cor de chumbo/ se espalham no Nascente,/ eu penso na minha vida,/ mesmo sem estar doente./ É que o fim do dia parece/ o fim da vida da gente”.
Passam todos os venais./ Os de todos os matizes./ Das cores, dores, poder./ Da fossa./ Colheita dos votos pagos,/ com custo da grana nossa./
Homenagem ao poeta: Seu nome era João Menezes,/poeta cá do sertão./ Na enxada, por quatro meses;/ se caía água no chão./ Depois, pegava a viola/ que dormia na sacola,/ afinava da prima ao bordão./ Saía pra cantar na rua/ levando a viola nua/ pra se banhar de canção./ Feito pinto que sai do ovo/ emprestava versos ao povo/ na feira do gavião./
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal
Seria a feira do Gavião hoje a cidade de Umarizal?
Texto chulo e sem nenhum compromisso com a realidade, está na categoria de poesia, sim, um verdadeiro poeteiro.