Por Marcos Ferreira
Terça-feira passada, feriado do 7 de setembro deste sombrio 2021, por volta das cinco e meia da tarde, eu pilotava a minha Fan 160 em direção à casa de Natália Maia, a quem comecei a namorar justamente num 7 de setembro, e que reside no bairro Aeroporto. Esta última e irrelevante informação me força a revelar (talvez eu devesse dizer relembrar) que moro no conjunto Walfredo Gurgel, no grande Alto de São Manoel, distante sete quilômetros da residência de Natália.
Pois bem. Eu trafegava pela Avenida Augusto Severo e, quando parei no semáforo diante do Teatro Municipal Dix-huit Rosado, eis que a minha moto estancou. Acionei a partida elétrica, porém sem êxito. O sinal ficou verde, o motorista de uma Pajero buzinou atrás de mim, indelicadamente, e precisei descer da moto e sair do meio da rua à pressa. Dirigi-me, então, para o lado da praça.
Parei junto ao meio-fio. Sob a grande árvore que margeia o canteiro defronte ao teatro, pelos meus cálculos, estavam cerca de dez motocicletas superpotentes, tendo ao lado os seus respectivos proprietários, todos vestidos com trajes característicos desse pessoal que integra algum clube motociclístico.
A uma pequena distância, um tanto constrangido e preocupado com o defeito do meu transporte, estimei que eu não conseguiria comprar uma supermoto daquelas nem que vendesse bem vendida (não vejam isso como coitadismo) a minha humilde residência. De forma alguma. Motocicletas daquele porte e cilindrada, se não me engano, custam até mais caro que um carro popular. Especialmente porque naquele meio se encontravam uns quatro modelos da fabricante BMW.
Bom. Eu tentava fazer a moto funcionar na partida, pois não cogitava a necessidade de fazê-la pegar no empurrão, mesmo porque não sei se alguém estaria disposto a me ajudar a empurrá-la. Daí a pouco notei que duas moças entre os vinte e cinco e trinta anos se aproximaram. A que supus mais velha sentou no banco de alvenaria e a outra ficou em pé perante a que estava sentada. A moça em pé achava-se virada para o meu lado; conversava animadamente com a amiga.
— Então, tá gostando? — indagou ela.
— Eu não sei — respondeu a mais velha.
A moça sentada, a exemplo de outras pessoas à volta, usava a camisa amarela da seleção brasileira de futebol. Foi aí que eu me dei conta de que a maioria daqueles indivíduos na praça defronte ao teatro (uns gatos-pingados) estava no local numa fraca manifestação de apoio ao sujeito da Casa de Vidro.
Quem me chamou realmente a atenção, entretanto, foi a moça de pé diante da que vestia o amarelo-canário. Sim. A moça de pé, que logo depois fiquei sabendo chamar-se Bruna, trajava uma camiseta branca de algodão com o rosto impresso do canalha-mor ladeado por dois fuzis. Vejam que coisa esdrúxula: blusa branca com estampa da fuça do Energúmeno, em tinta preta, adornada por fuzis. Por um instante a angústia pelo defeito da moto se transformou em repulsa.
— Olha, Bruna, eu confesso que pensei que fosse ter mais gente — comentou, desapontada, a garota com a camiseta da Seleção.
É de causar desgosto (estou certo de que não apenas a mim) o modo e circunstância como a camisa da nossa seleção de futebol tem sido usada nos últimos tempos, sobretudo por uma elite golpista e fascista. Não só a camisa, mas também a bandeira nacional, cuja legenda está prestes a ser modificada para “desordem e retrocesso”. Pior que muitos pobres emprenharam pelos ouvidos.
A poucos metros de mim, portanto, com as suas cabecinhas cheias de porcarias politicantes, estavam aquelas duas moças bem-parecidas, de pele branca, cabelos e olhos claros, ambas recrutadas por esse fascismo acintoso que ora toma conta deste país tão rico e com gigantesco número de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, curtindo fome em todos os recantos. Sim! Há muitas pessoas catando comida no lixo, disputando com os ratos. Inclusive em Mossoró.
Eu insistia na partida elétrica, contudo a moto não pegava. Os donos das supermotocicletas já me olhavam de quando em vez. As duas moças papeavam descontraídas, indiferentes ao meu drama automobilístico. Alguns circunstantes agitavam bandeiras do Brasil. Não avistei ali nenhum político desta urbe ou estado, muito menos um pobre desses que passam fome, entre os manifestantes.
— Pouca gente — disse a moça do banco.
— Não sei não, mulher — reagiu a outra.
— Veja isso, Bruna. Acho que não tem cinquenta pessoas nessa praça. Mossoró é fraca demais nessas coisas. Aposto que lá em Natal, em Fortaleza e Recife o negócio tá bombando. Aqui, infelizmente, tá muito fraco.
— É verdade, amiga. A coisa tá fraca, sim. Mas a gente tem que apoiar nosso presidente. Querem derrubar o mito de qualquer jeito. Por mim, amiga, ele mandava o Exército fechar o Senado, a Câmara e, principalmente, o STF, e prender aqueles ministros bandidos. Essa é a vontade, tenho certeza, da grande maioria do povo brasileiro. Mas concordo com você. O movimento tá fraquinho.
— Além disso, mulher, eu só vejo homem feio.
— Eu acho aquele ali, de boné virado, um gato.
— Qual? O alto de regata verde e bermuda jeans?
— Exatamente, amiga. E ele tá olhando pra cá.
— Então vamos mais pra perto dele, mulher.
— Vamos sim, amiga. Mas disfarça, por favor.
Felizmente, apesar de todo o cerco, rompantes e aspirações fascistoides dos bolsopatas na Praça dos Três Poderes no último dia 7, o Senado, a Câmara Federal nem o STF foram fechados. Nem haverão de ser. A nossa ainda jovem democracia há de resistir a esses fanáticos e maus-caracteres que apregoam a volta da ditadura militar. O verdadeiro Brasil voltará aos trilhos nas eleições de 2022.
As duas moças saíram de mansinho em direção ao suposto gato. Observei ainda que Bruna fascistinha, de pernas benfeitas e saia verde-amarelo, usava um par de botas pretas de cano comprido que mais pareciam coturnos.
Enfim, após várias tentativas, a moto pegou, e eu segui viagem. Penso agora que esta crônica poderia ser unicamente sobre os seis abençoados anos do meu relacionamento com a minha adorável noiva Natália Maia. Entretanto, como vocês viram, surgiu essa Bruna fascistinha no meio do caminho e roubou a cena e o tema. Chamemos a isso de acidente de percurso. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira é escritor