Por Marcelo Alves
Cesare Lombroso (1835-1909) foi um famoso médico, psiquiatra, antropólogo e criminologista italiano. Nascido em Verona, Lombroso formou-se em medicina pela Universidade de Pavia. Exerceu a profissão percorrendo o seu país, vinculado a hospitais e universidades. Cientista, finalmente juntou-se à Universidade de Turim. Ali, já mais para o fim do século XIX, tem o seu melhor período produtivo. Publicou bastante: de “Gênio e Loucura” (1874) a “O crime, causas e remédios” (1894), passando por “O Homem Delinquente” (1876), sua obra mais célebre.
Lombroso é considerado o iniciador da antropologia criminal. E é também tido como o fundador da Escola Positiva do Direito Penal, formando, junto a Raffaele Garofalo (1851-1934) e Enrico Ferri (1856-1929), a tríade de expoentes dessa importantíssima corrente de pensamento jurídico-científico. Lombroso faleceu em Turim, em 1906.
Entretanto, no nosso imaginário, Lombroso é sobretudo lembrado pela sua descrição do “criminoso nato” – aquele sujeito disforme, assustador até, que nos acostumamos a chamar de lombrosiano –, como parte de uma classificação, toda sua, dos delinquentes. Como anotam Emily Ralls e Tom Collins, em “Psicologia: 50 ideias essenciais” (Editora Pé da Letra, 2023), “no final do século XIX, o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909) fundou a Escola Italiana de Criminologia e se tornou um dos pioneiros no estudo científico do comportamento criminoso.
Lombroso acreditava que os criminosos eram indivíduos que não tinham conseguido evoluir no mesmo ritmo que o restante da raça humana e que podiam ser identificados por suas características físicas, que indicavam sua inferioridade biológica. Ele chamou essas características ‘atávicas’, que significavam ‘antigas’ ou ‘ancestrais’. Lombroso sugeriu ainda que tipos específicos de criminosos tinham características específicas, por exemplo, ele propôs que os assassinos têm olhos vermelhos e nariz adunco, enquanto os criminosos sexuais têm lábios grossos e orelhas salientes”.
Estaria Lombroso certo nessa sua imagem morfologicamente degenerada do tal criminoso nato?
Apesar dos seus méritos, sobretudo o de haver iniciado o estudo criminológico da pessoa do delinquente, as ideais lombrosianas do criminoso nato acham-se hoje desacreditadas. Diz-se, por exemplo, que Lombroso baseou suas “descobertas” em autópsias de criminosos condenados, apontando ali um alto percentual de pessoas com as tais características atávicas, mas lhe faltava um grupo de controle, como exigido pela ciência moderna, para atestar os seus achados. E, convenhamos, conhecemos muitos autores de crimes bárbaros que em nada se parecem com o criminoso nato lombrosiano.
Todavia, apesar das “falhas” de Lombroso, a ideia de alguma origem biológica para a criminalidade, sobretudo quanto ao crime violento, ainda é, digamos, popular e mesmo cientificamente defendida. Os autores de “Psicologia: 50 ideias essenciais” citam, por exemplo, um estudo do “psicólogo Adrian Raine, que em 1993 realizou uma revisão de todos os estudos de gêmeos sobre comportamento criminoso realizados até então. Ele descobriu que esses estudos sugeriam que os gêmeos monozigóticos (idênticos) tinham muito mais probabilidade de apresentar índices semelhantes de comportamento criminoso do que os gêmeos dizigóticos (não idênticos). Essencialmente, se um gêmeo idêntico era criminoso, o outro tinha maior probabilidade de ser também. Isso sugere uma causa genética para a criminalidade, embora seja muito difícil separar os efeitos da genética e do ambiente”.
De fato, mesmo neste caso, podemos encontrar alguns senões. Gêmeos idênticos tendem a ser tratados de forma idêntica e, sendo este o caso, o ambiente/influência social terá uma grande repercussão sobre a “criminalidade” de ambos.
E aqui caímos no grande debate sobre o determinismo hereditário e a influência do ambiente no comportamento criminoso, questão esta, aliás, mais ampla, conforme atesta a obra “O grande debate sobre a inteligência” (Editora Universidade de Brasília, 1982), por H. J. Eysenck e Leon Kamin. Todavia, sobre esse debate, em especial sobre a influência social no comportamento criminoso, conversaremos melhor nas semanas seguintes.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL