domingo - 16/06/2013 - 09:55h

A aposta

Por Inácio Augusto de Almeida

De há muito o Mendes conhecia aquela dupla. Luís e Vicente, dois tarados por apostas. De cuspe à distância, passando por placa de carro, até queda de avião, aqueles dois apostavam.

Se o Mendes pensava que sabia todo tipo de aposta que aqueles dois faziam, estava muito enganado.

– O que escolher primeiro escolhe apenas uma profissão. O outro escolhe duas.

– Eu escolho primeiro, gritou Luís. E gritou de uma maneira tão agitada que chamou a atenção de todos os que estavam na Churrascaria Mossoró. Até mesmo o Piromba, lá da churrasqueira, esticou o pescoço para ver que grito era aquele. E o Mendes, que já não ligava mais para as apostas daqueles dois “malucos”, teve a sua atenção despertada.

“O que escolher primeiro escolhe duas profissões e o que escolher depois escolhe somente uma? Que diabo de aposta estes dois estão fazendo?”

E foi com estes pensamentos na cabeça que se aproximou de Luís e Vicente. Rindo, perguntou:

– Que tipo de aposta é esta?

– É ou não é justo? O que escolher primeiro dará o direito a que o outro escolha duas. Daí para frente, cada um escolhe uma.

– Então eu escolho motorista de táxi, gritou Vicente. E já escolhi. Agora é a sua vez de escolher duas profissões. Pode escolher à vontade.

Luís mal tivera tempo de responder à pergunta do Mendes, tal a ânsia com que Vicente escolhera motorista de táxi. Agora era pensar quais profissões escolheria. E, enquanto Luís pensava e Vicente ansiosamente aguardava, Mendes aproveitou o silêncio que se fez para perguntar novamente:

– Mas, finalmente, qual é a aposta de vocês? Pra que estão escolhendo profissões? Até agora eu apenas entendi isto. O que eu quero saber é quem ganha a aposta. Em que consiste a aposta?

– Como você bem sabe, todos os dias estão acontecendo inúmeros assaltos nesta outrora tão tranqüila Mossoró. Quando nada, acontecem uns trinta. Embora tenha dia de acontecer mais de sessenta. E como eu e o meu amigo Vicente gostamos de uma aposta, resolvemos ver quem acerta qual a profissão da primeira vítima de assalto amanhã. Só vale se for assaltado após as 24 horas de hoje.

– Você, Luís, não acha esta aposta muito estranha?

– Olha, Mendes, quer a gente aposte, quer a gente não aposte, amanhã irão acontecer assaltos. Certamente mais assaltos do que hoje. Se alguém deve se sentir melindrado com isto, não somos nós.

Mendes sentindo que de nada adiantava argumentar resolveu colocar mais lenha na fogueira.

– Bem, ele já escolheu motorista de táxi. Quais as duas que você escolhe?

– Estou pensando. Como posso me concentrar com você conversando. Vicente escolheu o maior favorito, a barbada das barbadas. Eu tenho que escolher bem, senão…

Luís falava e abanava uma nota de cem reais. E assim ficou por mais de um minuto.

– Frentista e médico.

Mendes surpreendeu-se com a escolha. Médico?

Luís cochichou:

– Veja os jornais destes últimos dias… E olhando de forma desafiadora para Vicente ficou esperando a escolha do parceiro.

– Comerciário, escolheu Vicente.

E quase todas as profissões foram citadas.

Numa folha de papel colocada em cima do balcão, faziam as anotações.

Mal o dia amanheceu Mendes pegou o jornal e quando pensou buscar na página polícial os que tinham sido assaltados, parou na manchete principal.

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA TEM CARRO TOMADO EM ASSALTO  NO PRIMEIRO MINUTO DE HOJE.

Riu, riu um riso bem aberto.

Nenhum daqueles malucos tinha escolhido esta profissão. Quem poderia imaginar o próprio Secretário sendo assaltado?

“É, a coisa está tomando um rumo esquisito. A maré de assaltos atingiu um ponto tão alto que tinha tragado até o Secretário de Segurança. Melhor eu ir passar uns dias em João Pessoa.”

Quando passava em Lajes viu o preço da gasolina e riu. Lembrou-se do Luís e do Vicente e riu mais ainda. Tinha dado zebra. Zebra grande.

Lembrou-se dos mossoroenses e parou de rir… Acelerou ainda mais o carro. Dentro de si uma dúvida. Não sabia se tinha pressa de chegar a João Pessoa ou de se afastar de Mossoró… E lembrou-se do tempo em que caminhava pelas madrugadas estreladas e tranquilas da mais bela de todas as cidades do Rio Grande do Norte.

Só então percebeu que os seus olhos estavam molhados…

Inácio Augusto de Almeida é jornalista

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Marcos Pinto. diz:

    Parabéns pelo artigo Inácio !. Muito bem concatenado, representativo da situação hodierna em que a sociedade vive sobressaltada pela abissal onda de violência.

  2. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Caro Marcos Pinto
    Muito obrigado.
    Podemos até divergir em alguns pontos.
    Mas sinto que os nossos objetivos são os mesmos.
    Não vamos nos dispersar, pois isto é o que eles querem.
    Um forte abraço.

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